domingo, 23 de agosto de 2009

Da minha precoce nostalgia


Outro dia recebi um e-mail de uma pessoa amiga com este texto. Achei interessante, resolvi publicá-lo, com a autorização da autora Maria Sanz Martins é claro! Espero que esta mensagem em forma de crõnica lhe traga algo novo. Eu particularmente achei que o conteúdo remete a uma reflexão muito desejada pela maioria das mães, além da criadora ter sido muito feliz na abordagem do tema.

Quando eu for bem velhinha, espero receber a graça de, num dia de domingo, me sentar na poltrona da biblioteca e, bebendo um cálice de Porto, dizer a minha neta:

- Querida, venha cá. Feche a porta com cuidado, e sente-se aqui do meu lado. Tenho umas coisas para te contar.

E assim, dizer apontando o indicador para o alto:

- O nome disso não é conselho, isso se chama corroboração!

Eu vivi, ensinei, aprendi, caí, levantei e cheguei a algumas conclusões. E agora, do alto dos meus 82 anos, com os ossos frágeis, a pele mole e os cabelos brancos, minha alma é o que me resta saudável e forte.

Por isso, vou colocar mais ou menos assim:


É preciso coragem para ser feliz. Seja valente.


Siga sempre o seu coração. Para onde ele for, seu sangue, suas veias e seus olhos também irão.


E satisfaça seus desejos. Esse é seu direito e obrigação.


Entenda que o tempo é um paciente professor que irá te fazer crescer, mas a escolha entre ser uma grande menina ou uma menina grande, vai depender só de você.


Tenha poucos e bons amigos. Tenha filhos. Tenha um jardim. Aproveite sua casa, mas vá a Fernando de Noronha, a Barcelona e à Austrália. Cuide bem dos seus dentes. Experimente, mude, corte os cabelos. Ame. Ame pra valer mesmo que ele seja o carteiro. Não corra o risco de envelhecer dizendo "ah, se eu tivesse feito...". Tenha uma vida rica de vida. Vai que o carteiro ganha na loteria! - tudo é possível, e o futuro, tsc, é imprevisível.


Viva romances de cinema, contos de fada e casos de novela. Faça sexo, mas não sinta vergonha de preferir fazer amor. E tome sempre conta da sua reputação, ela é um bem inestimável. Porque sim, as pessoas comentam, reparam, e se você der chance, elas inventam também detalhes desnecessários.


Se for se casar, faça por amor. Não faça por segurança, carinho ou status.


A sabedoria convencional recomenda que você se case com alguém parecido com você, mas isso pode ser um saco!


Prefira a recomendação da natureza, que com a justificativa de otimizar os genes na reprodução, sugere que você procure alguém diferente de você. Mas para ter sucesso nessa questão, acredite no olfato e desconfie da visão. É o seu nariz quem diz a verdade quando o assunto é paixão.


Faça do fogão, do pente, da caneta, do papel e do armário, seus instrumentos de criação. Leia.


Pinte, desenhe, escreva. E, por favor, dance, dance, dance até o fim, se não por você, o faça por mim.


Compreenda seus pais. Eles te amam para além da sua imaginação, sempre fizeram o melhor que puderam, e sempre farão.


Cultive os amigos. Eles são a natureza ao nosso favor e uma das formas mais raras de amor.

Não cultive mágoas - porque se tem uma coisa que eu aprendi nessa vida é que um único pontinho preto num oceano branco deixa tudo cinza.

Era isso minha querida. Agora é sua vez. Por favor, encha mais uma vez minha taça e me conte: como vai você?


Fotos: Gazdi, dox, Sergey P. Iron e Google Image

sábado, 22 de agosto de 2009

Vasculhando a Estante Nº 02


A mágica de atrair leitores - J.K. Rowling

Texto: Carlos Graieb

Artigo extraido da revista Veja de 12/04/2000, pág. 150

Fotos: John Foxx Images, Wikidoido
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Era uma vez uma moça de longos cabelos ruivos chamada Joanne K. Rowling. Em 1996, às vésperas de completar 30 anos, ela estava mais para gata borralheira do que para princesa encantada. Divorciada e falida, passara diversos anos na base do seguro-desemprego. Embora vivesse na Escócia, país famoso pelos seus castelos, sua casa era tão velha que não tinha calefação. O frio castigava sua filhinha. Para aquietar a menina, ela a punha num carrinho de bebê e rumava para o café da esquina, aquecido e confortável. Enquanto a criança dormia Joanne escrevia um romance infantil. Contava a história de um bruxo mirim, Harry Potter, que tinha uma estranha cicatriz em forma de raio na testa. Depois de muito trabalho, ela completou o livro. Nove editoras recusaram os originais. A décima, que os aceitou, pagou uma bagatela como adiantamento. E foi aí que... Abracadabra! Harry Potter mostrou ser capaz de um poderoso feitiço. Ele virou mania entre as crianças inglesas. Ganhou em seguida os Estados Unidos. E não parou de conquistar leitores, desembarcando em diversos países com sua vassoura voadora. Nesta semana (compreendida ao dia 12/04/2000), com o lançamento de Harry Potter e a Pedra Filosofal (tradução de Lia Wyler; Rocco; 263 páginas; 22 reais), o jovem mago chega finalmente ao Brasil. Todo mundo está de olho para saber se ele repete sua principal mágica: tirar crianças da frente da televisão e mergulhá-las na leitura de um saboroso romance.

Desde que ela mesma se converteu em Cinderela, J.K. Rowling tratou de dar segmento às aventuras de Potter. No todo, promete escrever sete livros, cada um cobrindo um ano de aprendizado do personagem na vida de feitiçaria. O segundo e o terceiro já saíram e o quarto está previsto para ser lançado em julho na Grã-Bretanha. O sucesso é estrondoso. No mundo todo, a série vendeu 30 milhões de exemplares. Para se ter uma ideia, tal número supera em muito a produção anual de livros juvenis no Brasil, que tem ficado em torno dos 20 milhões, segundo a Câmara Brasileira de Livro. Nos Estados Unidos, onde a febre alcançou suas maiores proporções, Harry Potter provocou uma revolução no mercado. Os três livros do mago foram parar no topo da prestigiosa lista de best-sellers do jornal The New York Times. Arrastaram consigo outras obras de ficção infantil. É a primeira vez na história que romances para crianças ocupam tanto espaço entre os mais vendidos, deixando para trás campeões como John Grisham. O mais curioso é que os adultos também aderiram ao fenômeno. Segundo a imprensa americana, uma antiga tradição foi reativada: famílias inteiras se reúnem para ler histórias em voz alta.

Centenas de artigos já foram escritos para desvendar o segredo de Harry Potter. Na verdade, não há segredo. Boa escritora, J.K. Rowling criou um personagem com o qual as crianças conseguem se identificar. Além disso, utilizou com muita graça os elementos tradicionais dos contos de fadas, com seus seres imaginários e peripécias fantásticas. Filho de feiticeiros, Harry fica órfão quando seus pais são mortos pelo terrível Voldemort, o mega-vilão da saga. Ele é entregue para um casal de tios, que o tratam com crueldade. Ao completar 11 anos, porém, Harry recebe uma carta que o convida a se tornar frequentador da escola de bruxaria Hogwarts, cujo lema é "Não cutuque um dragão adormecido". Localizada numa dimensão paralela, Hogwarts exige que os alunos se vistam com capa e chapéu pontudo e ainda que leiam tratados como As Forças das Trevas: um Guia de Autoproteção. A escola expõe os bruxinhos a todo tipo de aventura. À medida que Horry Potter envelhece, as questões com que defronta também vão mudando. No quarto romance, ele arranja uma namorada. J.K. Rowling, já avisou, também, que em breve ele terá de lidar com a morte de um amigo. Como notou o psicólogo austríaco Bruno Bettelheim, num estudo clássico sobre os contos de fadas, o que importa nesse tipo de história não é a "moralidade", por maiores que sejam, podem sempre ser superadas. Harry Potter faz exatamente isso: supera as encrencas e chega fortalecido ao final de cada história. Por ser "convencional", no bom sentido, é que ele faz sucesso.

Sucesso, entretanto, não significa unanimidade. Nos Estados Unidos, uma facção "anti-Potter" já se organizou. Irritadas com professores que passaram a ler os livros para seus alunos, famílias de religiosos entraram com ações na Justiça dizendo que bruxaria é um tema que deveria ser proibido nas salas de aula. Há processos em oito Estados e, em breve, a Justiça terá de tomar uma decisão a respeito do assunto. Outra inimiga de J.K. Rowling é a escritora americana Nancy Stouffer. Ela acusa sua concorrente escocesa de ter plagiado o livro The Legend of Rah and Muggles, lançado em 1984. Segundo Nancy, não apenas o sobrenome Potter foi roubado de sua obra como também a palavra "muggles". Rowling utiliza esse termo para se referir aos humanos que não têm poderes mágicos. A tradução brasileira optou por "trouxas", por oposição a bruxos.

Se vencer - o que é pouco provável -, Nancy Stouffer poderá receber uma indenização milionária, já que os negócios em torno de Harry Potter se expandem em velocidade vertiginosa. Existem brinquedos sendo fabricados inspirados na série e Hollywood comprou os direitos de filmagem dos dois primeiros livros. Até o começo deste ano (2000), ninguém menos do que Steven Spielberg estava com o projeto nas mãos. Mas o desejo de J.K. Rowling de dar palpites no roteiro acabou afastando o cineasta, que prefere trabalhar com total independência. No lugar dele, entrou o diretor Chris Columbus, de Uma Babá Quase Perfeita e O homem Bicentenário. No Brasil, o maior desafio que Harry Potter terá de enfrentar será a concorrência de um outro menino-bruxo: Nino, o herói de Castelo Rá-Tim-Bum. Nascido como programa de televisão da Rede Cultura, Castelo Rá-Tim-Bum também gerou livros de bastante sucesso. A série de doze histórias, lançada pela editora Companhia das Letras, vendeu mais de 250.000 exemplares até o momento. Os números mostrarão se o feitiço escocês é mais forte do que a mandinga nacional.



Carlos Gomes além de O Guarani


Texto: Okky de Souza


Artigo extraído da revista Veja de 14/01/1998, pág. 81.


Fotos: Internet


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Carlos Gomes sempre foi discutido, comentado, apreciado ou odiado por uma única ópera: O Guarani, aquela cuja abertura é prefixo do programa A Voz do Brasil. Isso porque, até agora, não havia gravações disponíveis das outras óperas do compositor. A partir da próxima semana (após o dia 14/01/98), o selo Master Class coloca nas lojas série de CDs que vem preencher a lacuna. São gravações raras, que estavam em poder de colecionadores. No segundo semestre, o lançamento da ópera Joana de Flandres, jamais gravada, completará o pacote. Além da importância cultural, esse relançamento tem o mérito de revelar para o apreciador de música uma informação que apenas os especialistas conheciam: Carlos Gomes é muito melhor do que se pensava.


Depois e O Guarani, sucesso de público na Itália em 1870, o compositor colecionou fracassos. Não que a qualidade de sua produção tenha decaído. O que ocorreu foi um descompasso entre o compositor e o gosto popular. Longe de viver dos louros da estréia. Gomes preferiu seguir ousando. Ouvida hoje, Fosca (1873), ópera seguinte a O Guarani e que foi um desastre de público, é ainda melhor que sua antecessora. Traz inovações como o dueto de vozes femininas recurso que logo a seguir seria usado por Ponchielli em sua Gioconda e mais tarde por Puccini. "Em Fosca, apesar da instrumentação pesada, de grandes efeitos, a orquestra não encobre os cantores em nenhum momento - coisa rara nas obras da mesma época", explica o maestro Luiz Fernando Malheiro, que em novembro passado regeu uma montagem da ópera em Sófia, na Bulgária. Em O Condor (1891), Carlos Gomes recorre a um rendilhado de cordas e sopros para reforçar a intenção etérea do libreto, recurso inédito no melodrama italiano.


O temperamento instável do compositor brasileiro, que brigou com quase todos os empresários musicais de sua época, e o preconceito de que fora vítima por ser um imigrante e mulato podem ter contribuído para afastar sua obra do repertório lírico. Mas é inegável que ele tenha uma identidade marcante quando comparado a seus rivais do período. Daí a curiosidade atual em torno das pouco conhecidas óperas do campineiro. Depois que Placido Domingo o apadrinhou, encenando O Guarani por duas vezes, chegou a vez de Roberto Alagna, a maior voz da nova geração. Ao lado de sua esposa, a bela e talentosa soprano Angela Gheorghiu, o "quarto tenor" promete gravar neste ano (1998) um CD com árias e canções de Carlos Gomes. Com seu prestígio, pode recolocar o nome do compositor brasileiro no circuito internacional da ópera.

sábado, 15 de agosto de 2009

Tankamirés, o príncipe das múmias (Final)


Na parte anterior Tankamirés e o amigo Ankhetamon, encontram o ermitão Shorubhak o qual ofereceu uma poção que minimizaria o sofrimento da amada Minakhasis, porém, não foi o suficiente para interromper o agravante de sua morte. Só restou-lhes dar continuidade aos seus propósitos de perpetuar o corpo através da mumificação.


...Durante o período que antecedeu a morte da amada, Tankamirés se cercou de todas as providências necessárias para o êxito do processo cirúrgico. Investiu todo o seu tempo e o minguado dinheiro disponível fruto do seu trabalho no campo, em benefício daquele inevitável acontecimento: vendeu o seu rebanho de cabras e alguns objetos pessoais; lavrou a terra e dispôs antes mesmo da colheita de toda sua plantação de trigo, cultivada em área fértil cedida pelo amigo de todas as horas, Ankhetamon. Pesquisou e estudou sobre o assunto de sua obstinação; foi em busca de pessoas que conheciam as técnicas, demonstrando a elas apenas uma curiosidade momentânea que muito poderia ajudá-lo sem, contudo, percebessem suas intenções; adquiriu fórmulas, produtos químicos e para a bandagem que envolveria o corpo, uma manta de fino linho branco; confeccionou os ataúdes - três, que seriam colocados um dentro do outro, como manda a tradição - com o que tinha de melhor em espécie de madeira. Sempre com a colaboração afetuosa do amigo inseparável que também estava condoído com a situação. A tampa do sarcófago foi esculpida com entalhes da imagem da finada, por artesão competente e pintada nas cores vermelho e dourado com tintura resinada, capaz de suportar as ações do tempo.


Enquanto desenvolvia o processo de preparação do corpo a emoção tomou conta do ambiente. Tankamirés em alguns momentos chorou diante das cenas grotescas de incisões e retiradas dos órgãos internos da morta. Sendo confortado pelos amigos envolvidos na missão. Quando tudo ficou pronto puderam admirar o resultado da obra. A partir daquele momento novos desafios iriam enfrentar: transferir aquela magnífica peça para o local determinado como sendo a Morada de Minakhasis, simbolizando o mesmo grau de importância dado aos faraós, que eram colocados no lugar chamado Morada os Reis. Com um detalhe em especial, ali seria a morada da menina moça, que havia se transformado em deusa da beleza e da bondade para Tankamirés.


Alguns anos se passaram, todos levavam suas vidas normalmente. Os amigos estavam sempre por perto. Entretanto, quando Tankamirés queria passar momentos de reflexão e aprendizagem, ia à busca do velho amigo Shorubhak. Em todas às vezes que o visitava não deixavam e dedicar um tempo de exclusividade para orações, no santuário localizado na ante-sala do monumento secreto à Minakhasis. O sarcófago ficava acomodado em outra sala contígua devidamente disfarçada em pedra bruta, hermeticamente fechada, selada e imunizada contra todos os tipos de visitantes indesejados, onde nada e ninguém deveriam ter acesso.


Nessas idas e vindas ao encontro do velho ermitão, a amizade entre os dois já estava tão consolidada que temeroso de sua morte, Shorubhak achou por bem preparar e ensinar ao jovem com tudo que sabia e armazenara no seu íntimo ao longo da vida. Em cinco anos de estudos e dedicação incessante, Tankamirés dominava com maestria a sabedoria do mestre. Contava com requintes de clareza e detalhes os locais por onde ele havia passado; falava com desenvoltura e fluência outros idiomas e dialetos; manipulava fórmulas espetaculares e conhecia com extraordinária competência as mais variadas ervas úteis e outras nocivas usadas na preparação de poções letais por envenenamentos, comuns entre a sociedade egípcia da época.


Com essas virtudes adquiridas, começou a conquistar projeção e respeito na sua região. Logo, pelo andar dos acontecimentos conseguiria destaque na corte. Seu nome também era motivo de comentários engrandecedores e elegantes. Não demorou muito para que as previsões quanto à permanência do mestre na terra viessem a se confirmarem. Shorubhak faleceu deixando um legado preservado e um vácuo no coração e na história de Tankamirés. No entanto, o amigo havia transformado sua vida para melhor. Aos 30 anos tornara-se conhecido junto a comuniade e já fazia com sucesso alguns procedimentos de mumificação, envolvendo ilustres e ricas personalidades egípcias que patiram para outra esfera do mundo desconhecido dos espíritos. Graças aos ensinamentos do velho mestre e amigo ermitão, das fórmulas secretas que mantinham em segredo, da indelével e indispensável ajuda do jovem amigo de todas as horas, Ankhetamon que havia se tornado seu assistente profissional.


Mesmo sendo aclamado por muitos pelo sucesso de seus feitos como cirurgião e preparador de múmias, Tankamirés mantinha-se indiferente ao que estava acontecendo à sua volta. Seus pensamentos haviam estacionados nas lembranças da amada e nada o demovia daquela adoração e entrega. No seu coração não tinha espaço para outro amor e para não ficar exposto a pensamentos e ações indevidas, dedicava-se de corpo e alma aos estudos e pesquisas, tornando-se a cada dia um expoente de elevada grandeza na execução de sua arte e profissão, conquistadas pelo seu trabalho memorável.


Com o progresso e o primor de suas habilidades se expandindo numa velocidade espantosa, certo dia que era para ser comum como outro qualquer, iria mudar sua rotina de tranquilidade. A rainha Nefertiti informada do seu eficiente trabalho, quis conhecê-lo e deveria comparecer imediatamente à sua presença. Ao chegar, atendendo a convocação, foi recebido e levado como um serviçal comum, sem qualquer pompa, meio que discretamente ao encontro da soberana.


Depois de muitos entendimentos sobre sua inquirição do momento, ficou definido que ficaria encarregado de preparar o corpo da sua sobrinha a quem dedicava muito carinho. A moça tinha a idade da sua Minakhasis. Ao aproximar da enferma teve um momento de extrema perplexidade. Olhou, olhou e olhou incrédulo com a semelhança, tanto física como plástica e curiosamente em circunstâncias semelhantes sob quase todos os aspectos. As pessoas presentes que o acompanhavam ao vê-lo com a aparência de espanto e êxtase quiseram saber o motivo daquela expressão tão imprevisível, principalmente em se tratando dele, uma pessoa acostumada a lidar com situações ainda mais sérias e impactantes. Ele se desculpou contornando a situação dizendo da jovialidade da moça e a injustiça que a fatalidade havia lhe reservado.


Para executar os procedimentos, solicitou a presença do amigo de todas as horas, também assistente, além de todos os intrumentos de trabalho e dos produtos químicos considerados confiáveis e dos quais ele mesmo preparava.


Quando o amigo chegou trazendo suas solicitações, foi informado de tudo e principalmente da semelhança entre a enferma e Minakhasis, inclusive das condições de enfermidade em que se encontrava, fazendo-os a retornar às emoções contidas de outrora e que o acaso não poupou a angústia. Acertaram os detalhes e não vira qualquer tipo de dificuldade para a execução da cirurgia, já que haviam feito literalmente outra igual em quase todos os sentidos. A pretensa eternização da noiva.


Na época, com a instauração do credo monoteista de adoração ao deus único Aton, o disco solar, os sacerdotes que cultuavam o deus Amon, divindade que trás o sol e a vida ao Egito, já não gozavam mais do prestígio de antes. O faraó havia centralizado em seu benefício às adorações divinas, se autodenominando como sendo o único representante e mediador do deus Aton. Todavia, houve da parte do clero mesmo enfraquecido, o repúdio exigindo a aplicação de pena máxima ao jovem cirurgião na utilização dos seus trabalhos, considerados por eles de charlatanismo, atribuindo tal atitude uma afronta às tradições. E que no mínimo o faraó deveria através do seu poder absoluto condená-lo à morte por heresia. Em sua defesa Nefertiti imediatamente intercedeu. Utilizando-se do seu charme, sedução e persuasão feminina, fizeram com que o marido Akhenaton desse o seu apoio e respectiva autorização para que Tankamirés exercesse todo e qualquer procedimento cirúrgico em todo o Egito, além de ser efetivado como sendo o médico particular da rainha.


Após a morte da sobrinha e o belíssimo trabalho de preparo do corpo e a eficiência empregada nos retoques, maquiagem, utilização dos químicos e essências aromáticas exclusivas, Tankamirés conseguiu o seu esplendor tanto profissional como de cobiça das donzelas da corte, pelo seu alto grau de sabedoria e beleza. Alguns egiptólogos ecreditam que ele se casou quase que por exigência real com a filha do casal de monarca, a princesa Meketaton com quem teve filhos, sem deixar, todavia, de esquecer o seu amor verdadeiro e de veneração a Minakhasis. O seu monumento fúnebre às margens do rio sagrado ficou tão bem escondido e protegido que não se tem registro de sua descoberta.


O velho ermitão que passou toda sua vida em busca de si mesmo, acabou encontrando um pássaro que utilizando a magia da compreensão e da bondade, ensinou-lhe que é possível viver com simplicidade sem perder a harmonia entre o aqui e o acolá. E o mais importante que ter um amigo de todas as horas, é ter todas as horas para se comportar como um amigo de verdade. E quanto ao amor? Ah, sim! Esse as pessoas encontram somente uma vez. Mas não custa nada dar chance a si mesmo de se renovar e deixar o coração livre para fazer à sua escolha. Entretanto, não é necessário estar com os olhos abertos para enxergar o mundo à sua volta, contanto que o faro das gandes descobertas o deixe saborear o gosto da vitória de se descobrir todos os dias sem precedentes. O importante em tudo isto, é estar vivo e poder contemplar todas as mudanças que por ventura se fizerem imprescindíveis.


Ilustrações: Neli Vieira

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Tankamirés, o píncipe das múmias (cont...)


Na primeira parte do conto Tankamirés acompanhado do amigo Ankhetamon, partem em busca de uma solução eficiente para combater a enfermidade da sua amada Minakhasis, apostando nas habilidades do ermitão Shorubhak.



...Já era noite quando o velho eremita explicou a respeito do preparado que iria entregar a eles e da meneira como seria ministrado. A partir daí, estariam prontos para o retorno levando em mãos um frasco contendo uma poção que poderia salvar a vida da amada. O ermitão adiantou que se o remédio não proporcionasse a cura total pelo menos adiaria por um tempo o estágio definitivo e deplorável da enferma, diminuindo a dor e o sofrimento. Enquanto isto, novos preparados ele se encarregaria de providenciar, sem, contudo alimentar qualquer expectativa de cura. Sabia da gravidade do problema pois conhecia muito bem aqueles sintomas, tantas vezes presenciados em outras pessoas há quem um dia servira, oferecendo-lhes os seus préstimos.


De repente interrompeu a conversa dizendo: - Vocês me fizeram lembrar de quando aqui cheguei.


- Ao fazer a escolha de morar sozinho, depois de ter viajado por lugares nunca antes imaginados; conhecido pessoas de diversas origens, etnias, gostos, aparências e poder, mesmo assim achei que não sentia solidão. Pouco eu sabia que já era uma pessoa solitária. Viajava em busca de algo que não conseguia encontrar. Depois de muito procurar, descobri que estava em busca de mim mesmo. Observando as pessoas que encontrava pelo caminho, sem perceber tentava me enxergar. - Disse o velho falando sobre reminiscências.

- Depois de alguns meses que havia me instalado entre estas rochas, percebi que um pássaro todas as manhãs me visitava. Pousava naquela pedra preta - apontou uma pequena elevação rochosa próxima de onde se encontravam -, por incrível que pareça contrastava perfeitamente com sua plumagem branca. Aos poucos fui conquistando sua confiança atirando-lhe migalhas de comida. Ele continuou agindo da mesma maneira. Todo dia podia contar com sua visita. - O velho falava com expressão de admiração.


- Certa vez enquanto o alimentava com as migalhas que lhe atirava, despercebido comecei a assobiar uma música antiga, dos meus tempos de infância, muito bonita e uma das poucas que conhecia. O pássaro alimentou-se e foi se embora. No dia seguinte ele voltou e enquanto lhe oferecia o seu alimento habitual para minha surpresa ele começou a trinar o seu canto melodioso a canção que assobiava no dia anterior. Não conseguiu cantá-la toda, mas já havia aprendido a soltar sua voz pelo menos por pouco tempo. Havia dado suas primeiras entoações. Imaginei o quanto ele deveria ter ensaiado pra me mostrar o que aprendera.


- Continuamos a nos encontrar no mesmo horário e a cada dia ele cantava um pouco mais, até que um dia ele apareceu, cantou três vezes aquela nossa canção linda, cheia de emoção, voou e nunca mais voltou. Até hoje deixo migalhas para ele, sem receber a graça da sua visita. Imagino que talvez tenha sido vitima de um caçador inescrupuloso; estaria preso em alguma cela alimentando o egoísmo de algum indivíduo que queira o seu canto só pra ele; ou ter considerado que havia aprendido o suficiente e não precisaria mais do amigo que ele cativou apenas com sua simplicidade e cordialidade. - Disse o velho agora deixando fluir sua emoção.


- Vou continuar esperando-o, pois, em todo esse tempo de convivência o ensinei a cantar, mas não disse que também tinha me ensinado o quanto era importante para mim. Concluí que havia me fechado para ele, enquanto deveria ter dado a chance de conhecer-me melhor e ter agido ao contrário. Ter externado a felicidade que proporcionava com sua visita, afinal, ele também parecia tão solitário quanto eu. Ter dito que era o meu amigo das manhãs e que me trazia gratidão, porque fazia esperá-lo na manhã seguinte antes do sol mostrar o seu sorriso, e depois poderia vê-lo voar livre para o seu mundo de descobertas.


- Hoje eu penso que aquele pássaro que tanto demonstrou companheirismo sem pedir nada em troca, apenas às migalhas que lhe oferecia por prazer pessoal, agora está fazendo com outra pessoa o mesmo que fez comigo. Ensinando-lhe a ter paciência, esperança e acreditar que enquanto esperamos um novo dia, uma nova vida renasce, um novo sol irá brilhar e o ar de ontem não é o mesmo que respiramos hoje, embora o oxigênio seja semelhante. - O velho respirou em fortes haustos e continuou o seu raciocínio explicando melhor sua metáfora.


- Sua noiva está experimentando essa mesma experiência, ela já cantou ao seu ouvido e encantou o seu coração. Agora vai voar em busca de um novo aprendizado, porém, livre e distante do cárcere da dor e do sofrimento do corpo. Mas vai deixar uma luz no seu caminho, uma recordação angelical no seu pensamento; o reconhecimento de que cada passo que der, estará conquistando uma nova leitura da vida e deixando para trás pegadas consistentes e fundamentadas. - Disse o ancião de maneira contemplativa e filosófica.


- O mal que sua noiva experimenta não tem cura perante a medicina dos homens. O seu organismo está sendo dilacerado rapidamente e a vida esvaindo-se a um agitar do vento em tormentas; volta pra junto dela e diga o necessário. Diga o quanto ela representa pra você e não faça como eu, que deixei de dizer para o meu amigo pássaro da sua importância. Nem nome eu lhe dei para selar com mais intensidade nossa amizade. Diga ainda, que pela primeira vez algo importante brotou na sua vida, e que ela o ensiou a dar os seus primeiros passos projetando perspectivas alentadoras. - Elegantemente e de maneira virtuosa o velho concluiu suas considerações enobrecedoras.


Após aquele relato, e de terem ouvido extasiados a história, os amigos perceberam que o velho eremita tinha doçura na alma. Vivia no seu mundo de reclusão existencial, porém carregava no bojo de seus conhecimentos, ensinamentos ricos de exemplos nobre e valor a vida. E que depois de todas essas observações, percebia-se que realmente Manakhasis havia restaurado o sentido da vida no coração de Tankamirés.


Continuaram conversando por um longo tempo, depois foram dormir. Iriam partir antes do alvorecer e a caminhada seria longa e cansativa. Lutavam contra o tempo e uma doença impiedosa. O velho e agora amigo, depois de todo esse tempo pronunciou o seu nome Shorubhak, em seguida colocou-se à disposição de ajudá-los no que fosse necessário dentro de suas limitações, continuaria pesquisando alternativas no sentido de encontrar uma poção milagrosa para combater o mal que acometera a jovem. E que na verdade se tratava de um câncer abdominal que se espalhava de forma vertinosa pelo interior do seu corpo destruindo todas as resistências que encontrava pela frente.


Tankamirés contou-lhe suas intenções de perpetuar o corpo da amada pelo processo da mumificação e que sabia não ser fácil. Não conhecia as técnicas e ainda teria que fazer os procedimentos às escondidas para sua atitude não ser considerada como uma heresia ao culto religioso da cultura do seu povo. Somente os sacerdotes poderiam exercer, ou supervisionar aquela função, assim como, iniciativas medicamentosas. Depois teria ainda que convencer a família muito arraigada ao culto a Aton, o disco solar, e ao faraó que se nomeou com o título de legítimo representante da divindade poderia ser digno de adoração, portanto, as dificuldades se faziam presentes e a princípio difíceis de se transpor.


Partiram relativamente confiantes. Se não conseguissem a cura pelo menos retardariam a corrida acelerada da doença rumo à morte. Tankamirés entregou a poção à família e ensinou-lhes todas as recomendações necessárias para sua aplicação. Outra batalha teria que enfrentar: pesquisar os procedimentos da mumificação e a confecção do esquife (sarcófago) onde o corpo seria colocado para sua morada eterna, ou até quando a ressurreição fosse estabelecida. Crença alvissareira do povo agípcio quanto aos caminhos da alma, do espirito.


Em nenhum momento os amigos se afastaram dos seus propósitos, atitude que alicerçaria ainda mais o vínculo de amizade entre os dois. Assim o tempo foi passando até que chegou o fatídico momento que tanto temiam. Manakhasis veio a falecer. O remédio que tomou protelou a fim antes imediato, sem deformar sua aparência jovem e bela. Quem a visse nem perceberia que sua enfermidade fosse tão severa e destruidora. Tankamirés e o amigo Ankhetamon com dificuldade conseguiram junto aos familiares romper a barreira que os impedia fazer a perpetuação do corpo.


Uma vez concluído os detalhes dos procedimentos a serem tomados deveriam manter a cirurgia com extremo cuidado. Para tanto estabeleceu-se um tipo de juramento inviolável de que somente eles saberiam e deveriam guardar o segredo, sob a infelicidade de cair no conhecimento da população, depois chegar até aos sacerdotes e por fim ao faraó que exerciam o poder sobre a vida e a morte. Todos os envolvios correriam esses riscos evitando com isto a pena de morte por heresia.


O enterro seria forjado. Com os devidos cuidados antes do cortejo fúnebre o corpo deveria ser substituído por um boneco de pano moldado em resina com as características da falecida elaborado com perfeição pelas mãos de um artista. Todo esquema havia sido estudado e desenvolvido no mais absoluto segredo. O verdadeiro iria ser levado para um lugar seguro devidamente planejado e preparado para os procedimentos da mumificação. Haviam buscado o velho Shorubhak que muito os ajudariam na consecução da cirurgia, dado aos seus amplos conhecimentos de medicina natural, baseados nos seus preparados especiais. Era conhecedor de elementos químicos que não alteraria a cor da pele, com fórmula exclusiva e secretamente mantida, além de incensos, perfumes e fluídos de assências aromáticas. Como bens pessoais ela não possuía camafeus, jóias e pedras preciosas além de sua beleza natural irretocável. O velho ermitão havia também escolhido o lugar apropriado para esconder o sarcófago que somente ele e Tankamirés saberiam.


Como estava velho, após sua morte apenas o jovem ficaria com o segredo, seria a sua "caixa de pandora". O lugar escolhido para a câmara mortuária ficava num penhasco rochoso situado a pouca distância de onde morava. Era bonito e de difícil acesso. Antes de se chegar até ao local, teria que superar um pequeno pântano infestado pelos temíveis crocodilos do Nilo, que reforçaria a segurança, garantindo a confiabilidade de impedir possível violação e saque. O lugar era perfeito, recebia privilegiadamente o frescor da aragem do rio sagrado; ambiente verdejante e florido, berço de lindas borboletas primaveris. A flora e a fauna eram exuberantes, lugar mais primoroso seria quase impossível. O experiente Shorubhak havia pensado em tudo nos mínimos detalhes. Parecia que estava cuidando da segurança dos despojos de uma filha, que não conhecera.


Ilustrações: Neli Vieira


(Continua em breve a última parte...)

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Gari, limpando o caminho do incompreensivo



Desde a era primitiva que o homem sentiu a necessidade de viver em sociedade; construir família e cria um ambiente seguro para morar. Utilizando-se de instrumentos rústicos faziam os seus roçados, limpavam o terreno escolhido, onde a terra poderia render bons resultados e, a caça e a água fossem abundantes. Eram detalhes que garantiriam suas sobrevivências.

Com o transcorrer dos tempos, cuidados com os problemas de higiene, tanto pessoal, quanto ambiental, tornaram-se necessários. A preservação da saúde passou a ser considerada imprescindível, e, dependiam desses elementos básicos, para mantê-la menos vulnerável.

Evidente que, para manter suas moradas limpas, criaram conceitos elementares, que até hoje são fundamentais e só depende de cada um, para torná-los eficientes e livres de impurezas. Evitando a propagação de insetos e outros animais ambientados com o lixo, como: ratos, baratas e outros micros organismos nocivos à saúde. Tais conceitos criaram forma e robustez, a partir do imperativo de manter não somente as casas higienizadas, mas também, as via pública.

Como no começo nada é fácil, principalmente, no que se refere à concentração acelerada do crescimento das cidades e suas populações. Seja com o trato da sua formação cultural, na maioria das vezes formadas por indivíduos com os mais diversos estágios de princípios. Ou até mesmo, com os cuidados de ordem educacional familiar e social. Essa heterogenia transformou-se num problema sério de saúde pública a ser resolvido. Algo deveria ser feito com urgência, antes que o caos fosse instalado de forma nefasta.

As pessoas já haviam adquirido o hábito de jogar os seus lixos domésticos nos logradouros públicos, praças e ruas. Da mesma forma, se repetia, nas áreas particulares baldias, sem a devida conservação – comum até hoje. Estes eram os ambientes propícios para o despejo de dejetos e naturalmente, excelentes proliferadores e habitats perfeitos, desses elementos característicos da sujeira e do abandono. Onde o mato, o entulho e outras impurezas desovadas, sem nenhum critério de higiene, comprometiam a saúde dos córregos, rios, mangues e praias, causas muito comum do progresso desordenado.

Foi ainda, durante o Império que o francês Pedro Aleixo Gari, radicado no Brasil, vendo a situação, resolveu tirar proveito da situação, como meio de negócio. Certamente um visionário, com antecedentes do velho continente. Para tanto, apresentou uma proposta de higiene pública ao poder constituído na época, de manter a cidade do Rio de Janeiro, limpa. Uma vez, aprovada a proposta, pela Corte, as partes envolvidas, assinaram um contrato de limpeza urbana.

Outro fator, próprio das desigualdades sociais, contribuiu com os interesses de Pedro Gari: a mão de obra barata. O desemprego alcançava índices alarmantes, sendo os negros, a sua grande maioria. Sua primeira iniciativa foi reunir um grupo de desempregados e oferecer esta nova modalidade de trabalho, como funcionários remunerados, coisa incomum até então.

Na época cavalos, cães, galinhas, porcos, circulavam livremente pelas ruas. Então, essa nova classe de trabalhadores passou a recolher seus excrementos, que se espalhavam sem controle algum, nas vias públicas. Além, é claro, do lixo doméstico, impurezas dos banheiros corriam pelas ruas sem nenhum rigor de controle, jogado a céu aberto, nos mais diversos lugares.
A princípio, não foi uma tarefa fácil, os trabalhadores eram ridicularizados, mas, a necessidade falou mais alta, e, logo, passaram a ter importância, mesmo com restrições.

Com o passar do tempo a atividade, mantendo-se fiel à sua proposta de manter a cidade mais saudável, os próprios habitantes do Rio de Janeiro, começaram a associar os trabalhadores da higiene pública, ao nome de Aleixo Gari, Passando assim, a serem reconhecidos como a “A turma do Gari”. Daí surgiu o nome desses profissionais de limpeza urbana.

Outro exemplo, digno de destaque, e na época, mereceu atenção especial, aconteceu em 1899, quando o médico sanitarista Osvaldo Cruz, ao lado de Vital Brasil e Adolfo Lutz, foram convidados para estudar a combater com a peste, que destruía a população de Santos. Os estudos confirmaram tratar-se da Peste Bubônica ou Peste Negra, provocada principalmente, pela pulga do rato. E, também, das suas fezes e urinas como causadoras de outras doenças infecto-contagiosas, que poderiam causar inclusive, a morte. O que, já vinha ocorrendo.

Através da fantástica evolução da modernidade e, o poder da industrialização, uma nova era transformadora, se fez presente. Contudo, pouco praticada, sob todos os níveis: a reciclagem. Mas a odisseia dos garis continua sem mudanças significativas. Continuam cumprindo suas obrigações, como no passado. Entretanto, enquanto, no período do Império, eram notados, como sendo “A turma do Gari”, hoje se tornaram invisíveis, anônimos. Seria uma ironia do destino? Eis a questão.

O anonimato ou invisibilidade do gari é tão perceptível, que grande parte das pessoas não os notam. O ignoram, mesmo vestindo-se com suas roupas chamativas, de laranja fosforescente, com detalhes de verdes. A indiferença chega ao limite de não receber dos habitantes, pelo menos um cumprimento educado: um bom dia, uma boa tarde. São indiscutíveis habitantes do mundo da exclusão. Se o exemplo é uma genuína atitude de descaso ou preconceito, quem sabe? A verdade é que esse comportamento nada digno existe.

No entanto, são eles que fazem o serviço sujo. São eles que limpam a sujeira que as pessoas, sem nenhum pudor, escrúpulo e educação, jogam pelas ruas e calçadas. São eles que “limpam o caminho do incompreensivo”. Ao contrário de muitos países desenvolvidos, onde jogar qualquer objeto nas ruas requer multas educativas. Onde as pessoas, por princípios, guardam nos seus bolsos, as pequenas coisas dispensáveis, para serem colocadas na lixeira mais próxima. Onde os fumantes, têm um lugar específico para saciar o seu vício, sem ter que, contaminar as vias públicas com pontas de cigarros.

Entre os garis, como em qualquer outra atividade, cada um tem suas peculiaridades. É o caso de Isabel, uma jovem senhora, com 25 anos, casada, mãe de dois filhos pequenos – um casal –, profissão gari. Às 5h da madrugada, sai da sua casa na periferia de Goiânia; às 7h já está iniciando sua tarefa de limpeza pelas ruas da cidade.

Na mochila, sua fiel companheira, o seu uniforme de trabalho, que será trocado ao final do expediente, por outras roupas modestas do seu vestuário, no regresso ao lar. Porque, a utilizada no trabalho, não está mais em condições de circular dentro de um ônibus urbano lotado. Assim, aquele uniforme de trabalho repugnante aos olhos das pessoas, possa ser alvo de constrangimentos dolorosos.

Sobre o ombro cansado, sua mochila a tira colo, carrega no seu interior, alguns produtos de higiene pessoal, como batom, papel higiênico, entre outros produtos. Além, é claro, a indispensável marmita. A “cromada”, como ela mesma a define.

Isabel, pela sua condição humilde, dá exemplo de paciência, fé, caráter, bondade e otimismo. Dificilmente reclama da sua condição de vida. Sabe como poucos, a importância da coleta seletiva, do combate à dengue, das cooperativas de catadores de produtos recicláveis. Também, tem os seus sonhos secretos. Consciente de que o mesmo sol que brilha para um rico empresário ou para, uma figura eminente da sociedade, é o mesmo que bilha para ela. Afinal, o sol nasce para todos. Não é o que dizem?

José, seu companheiro de lidas diárias, senhor de 52 anos, trás no semblante, uma aparência superior aos 60. Anos a mais, adquiridos, em decorrência de uma juventude carregada de muitas jornadas de serviços prestados para garantir sua sobrevivência útil, digna e dedicada à família.

Seu Zé, como todos o conhecem e o chamam, é outro morador da periferia de Goiânia. Como Isabel, tem sua história singular: é casado, pai de cinco filhos. O filho caçula, com 15 anos, como os demais irmãos, estuda e trabalha, para orgulho e felicidade do pai amoroso. Seu Zé faz questão de dizer com o peitos estufado e a mão direita sobre o coração: “Com fé em Deus, eles terão um futuro, perante a sociedade, melhor e mais tranquilo que o meu.” Estas são suas palavras redentoras, que o faz cada dia mais forte para encarar, fazendo chuva ou sol, sua obrigação diária.

Talvez pela sua resignação, acostumada com o serviço pesado, seu Zé, é dotado de uma compreensão e alegria incomuns. Todos o admiram pelo seu sorriso farto, e uma capacidade sincera de fazer amigos. Fã incondicional da música sertaneja consegue manter com equilíbrio – melhor até que, a balança representativa e símbolo da justiça dos doutores das leis – o seu trabalho e sustento da família, cantando com espírito elevado, suas canções preferidas, no compasso alegre da companhia dos companheiros de labuta.

Pode parecer ironia, contudo, é bom fazer um breve exame de consciência. verdade não tem como ocultar. Constantemente, deparamos com pessoas privilegiadas pelo estudo, pelo status socioeconômico,  que os notabilizam, ficarem lamentando as pequenezas de suas vidas diárias.

Enquanto outros, fadados da falta nas necessidades básicas essenciais, aquecem os seus dias com ideias construtivas e bons hábitos. Aliados, ao trabalho edificante e de superação à todas as mazelas, com galhardia e distinta nobreza do ser. Transpondo obstáculos, sempre confiantes, num outro dia melhor: o dia seguinte.

Com esses detalhes enobrecedores, imagina-se que, estamos falando de jóias raras. Preciosidades abençoadas por Deus; pessoas quase perfeitas, sem defeitos estigmatizados, mesmo fadados a uma vida árdua. Todavia, como são humanos, tem suas imperfeições, seus pecados. Entretanto, eis a questão: quantas Isabeis existem por aí? Quantos Josés também sentem na pele esses mesmo desafios de sobrevivência?

Esta é a sua oportunidade, de olhar à volta, ampliar sua visão, sensibilizar o seu coração e, notar que eles, os anônimos ou invisíveis, todos os dias vestem a camisa da responsabilidade, cumprindo honradamente suas obrigações, como qualquer outro magnata do alto escalão social, às vezes, com muito mais dignidade.


Imagens: Google  

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Tankamirés, o príncipe das múmias


No Egito, por volta do ano 1348 a.C., durante o império do faraó Akhenaton (Amen-hotep IV) esposo de Nefertiti, filho de Amenófis III o monarca a quem sucedeu, o país gozava de um período de prosperidade, inclusive nas artes, sustentado pelas conquistas e políticas herdadas do pai. As lutas e invasões quase não existiam. O poder egípcio dominava quase todos os outros povos de seus interesses, e a população nutria um período de harmonia, paz e uma economia sólida. Tebas havia se transformado num centro econômico. Pela sua soberania na época, detinha o poder sobre os demais impérios. Através destas conquistas, vultosas quantias em tributos, mercadoria e ouro eram entregues sob a forma de impostos, além de convergir para seus domínios o fluxo de escravos, riquezas e artes de outros países. Porém no seio dessa tranquilidade aparente, o povo, sofria por enfermidades graves que ainda não haviam encontrado respostas para suas curas.

Tankamirés era um jovem de vinte anos, sonhador como todos da sua idade. Estava apaixonado por Minakhasis, uma linda garota de dezesseis anos, que se encontrava tristemente enferma e sem perspectivas de recuperação. Já havia feito promessas ao deus Aton, consideradas difíceis de serem cumpridas. Todavia, ainda faria muito mais se fosse necessário em benefício daquela que um dia queria como sendo sua esposa. Sua recuparação seria uma luta que ele não admitia perder. Primeiro acreditava que sua crença não o trairia, depois tinha uma esperança inquebrantável que reforçava o desejo de vê-la feliz ao seu lado construindo uma família com vários filhos.

Certo dia Tankamirés conversando com o amigo Ankhetamon resolveu dividir suas dificuldades emocionais contando-lhe o drama por que passava sua pretendida, na expectativa de que ele pudesse dar uma sugestão confiável, apontando um caminho seguro a seguir no sentido de tirar Minakhasis daquele tormento de dor e angústia.

O amigo depois de ouvi-lo atentamente, como que iluminado por uma luz redentora, aconselhou-o a procurar um antigo eremita de quem ouvira falar possuidor de incríveis virtudes como curandeiro. E até onde tinha conhecimento violava discretamente às imposições dos sacerdotes aos quais eram atribuídos o poder de cura, e naquele instante vivia como ermitão numa isolada região às margens baixas do Nilo, distante um dia de viagem de onde estavam.

Tinham consciência de que iriam deparar com a resistência da parte o homem solitário de cooperar. Geralmente pessoas com esse perfil se isolam por não acreditarem mais nas atitudes da maioria dos indivíduos, preferindo levar uma vida de abandono, mas fiel às suas convicções. Acreditavam que vivendo dessa maneira não poderiam ser enganadas por elementos impetuosos, mantendo-se ausentes de preconceitos, maldade e hipocrisia. Todavia, valia a pena a tentativa, já que a situação parecia conspirar contra ele e a mulher amada, ainda mais estando ela desenganada e aguardando os instantes finais. Sem hesitar Tankamirés pediu quase implorando que o amigo o acompanhasse naquela busca de esperança e que deveriam partir imediatamente. O tempo estava exíguo e a enfermidade da mulher querida a devorava sem piedade. Constituindo sua grande inimiga e teria que ser combatida de imediato.

Por outro lado, ele desiludido pensava: - "Será que o ermitão iria ajudá-lo naquele momento de desespero, apresentando soluções confiáveis através e seus conhecimentos? - Queria acreditar que sim - Morava isolado, bem longe da civilização, vivendo dessa maneira, deveria saber de poções mágicas poderosas e eficientes, portanto, seria ele mesmo o responsável pela manutenção da sua saúde". - Concluiu o seu pensamento com uma pontinha de esperança. Tudo acertado pôs-se a caminho. Enquanto caminhavam, vários assunstos vieram à tona em relação à Minakhasis. Entre esses assuntos dois deles simbolizou o quanto a amava. Dizendo ao amigo, caso não conseguisse salvá-la da morte, iria perpetuar sua imagem com boas recordações e em relação à sua beleza física faria por meio da mumificação do corpo.

Sabia que tal procedimento seria difícil e a realização quase impossível. Tanto ele quanto ela não faziam parte da elite dominante e muito menos da realeza para serem beneficiados com aquele recurso e conseguir o seu intento de perpetuar a amada. Embora tivesse algum conhecimento intelectual adquirido através de Ankhetamon, que pertencia uma classe social de destaque na sociedade reinante. O pai era um rico comerciante possuidor e uma próspera propriedade às margens do rio sagrado.

A amizade entre os dois vinha desde a infância. Foram criados praticamente juntos. Como era filho de um simples camponês com poucas oportunidades, ainda assim, gozava de certos benefícios casuais. Seu pai trabalhava para o rico comerciante. Enquanto o amigo tinha acesso aos estudos os dois por estarem sempre próximos se ajudavam. Tankamirés aprendia ouvindo ou até mesmo praticando o exercício da alfabetização as escondidas em troca de alguns favores.

Naquela época somente os mais poderosos e providos economicamente tinham o benefício do estudo, os mais humildes não passavam de reles empregados ou servidores. Entretanto ele não chegava a ser filho de escravos, mas, sua condição econômica e social tornava-o distante das possibiliades de estudar e enriquecer-se culturalmente. Com dedicação e força de vontade foi conquistando confiança. Já havia adquirido inclusive, o suficiente para entabular sonhos e perspectivas animadoras no mundo do conhecimento.

Durante todo o percurso da viagem conversavam esperançosos com os resultados de poderem salvar a jovem Minakhasis. Como não sabiam com precisão onde encontrar o velho ermitão, foram perguntando sempre que possível às pessoas, o paradeiro do homem que poderia apresentar uma solução concreta para o caso que os afligia. Depois de muitas buscas conseguiram chegar ao seu destino. A morada do ermitão.

Ao se aproximarem encontrou o velho homem sentado debaixo de um pequeno arbusto, esculpindo calmamente com o seu canivete um pedaço de madeira a figura de um pássaro, alheio aos acontecimentos à sua volta. Ficaram durante algum tempo espiando-o a manipular sua criação. Após esse período de observação o velho olhou para os dois, simplesmente para demonstrar que sabia das suas presenças. Sem dizer sequer uma palavra, voltou ao seu ofício de artesão como se estivesse fazendo uma terapia ocupacional, totalmente despreocupado com o tempo. Tankamirés não viu outro jeito senão cumprimentá-lo e tentar estabelecer um vínculo de cordial entendimento.
Já estava escurecendo quando o encontraram. Aproximaram um pouco mais e o saudaram quase que ao mesmo tempo.

- Boa tarde, senhor. Que Aton esteja convosco! - Disseram.

- Desculpe-nos interromper seu momento e trabalho e dedicação. Acontece que estamos a um dia de viagem tentando localizá-lo, precisamos muito da vossa atenção, no sentido e alguns esclarecimentos. - Disse de maneira respeitosa o jovem Tankamirés.

O velho de cabeça baixa continuou entalhando sua obra, sem dizer uma só palavra em resposta ao cumprimento recebido. Comportando-se como se estivesse surdo àquela iniciativa de estreitar relacionamento.

Tankamirés não desistiu e voltou a saudá-lo repetindo o que havia dito, ainda à sua frente aguardou resposta. O velho de maneira incompreensiva continuava a lavrar sua arte.

Após algum tempo ainda de cabeça virada para o que estava fazendo, indicou com a mão um outro lugar, pedindo que se sentassem. Os amigos se entreolharam e obedeceram ao convite do senhor de poucas palavras, sem perceberem que aquele experiente homem de cabelos grisalhos e emaranhados, barba longa e encanecida estava estudando-os detalhadamente desde a maneira de se vestirem até a forma de se expressarem.

Como o velho não dizia uma palavra os dois amigos tembém emudeceram, esperando uma manifestação amigável daquele a quem tanto devotavam bons presságios. Ficaria ali o tempo quanto fosse necessário, mas não se afastariam enquanto não fossem atendidos. A noite estava mostrando todo seu negrume; o velho já havia se levantado e caminhado até sua morada em silêncio, seguido pelos dois. Parecia um teste de resistência imposto para ambos os lados. Enquanto de um lado fazia os seus estudos de personalidades, do outro se mantinham firmes e irredutíveis por respostas.

Sentados em volta de uma fogueira que crepitava jogando suas labaredas ao vento, compondo com suas fagulhas brilhantes e esvoaçantes feito pequenas luzes que se perdiam na escuridão. A magia da noite dava um toque de beleza no ar morno, embalado por um leve vento que contribuía com o suspense do momento. Estavam devidamente acomodados, porém inflexíveis e determinados, nas proximidades da improvisada moradia do ancião, feita a partir do aproveitamento de duas rochas que serviam como paredes, coberta por folhas de palmeira. Permaneceram interrogativos observando a situação até que o velho num arrastar de garganta demonstrou interesse querendo saber o que os levara até ele, visto que raramente tinha alguém com quem conversar.

- A que devo vossas visitas? - Perguntou o ancião com curiosidade.

Os amigos se apresentaram e narraram detalhadamente toda a história de Minakhasis, motivo que os levara até ele. Continuaram conversando e melhor se conhecendo até bem tarde da noite quando foram dormir ali mesmo próximos à fogueira.

No outro dia, o sol estava quente, era quase meio-dia e o velho ainda não havia apresentado uma solução animadora que viesse abrandar ou curar a doença da noiva. Continuava mantendo-se totalmente indiferente ao problema, motivo que intrigava e até irritava os amigos. Contudo tentavam dissimular calma, para não demonstrar qualquer sintoma de desagrado, diante daquela atitude inexplicável e com isto não comprometer a missão. Dessa maneira pensativos, ficaram até à noite reiniciar. Os amigos não conseguiam mais esconder suas ansiedades e angustiantes expectativas, afinal, alguém muito querida encontrava-se com a vida por um fio. Diante do problema aparente não notaram, mas o ermitão já havia feito um preparado com ervas especiais da sua medicina secreta, sem que eles tomassem conhecimento, e que no momento passava pelo processo de maturação e eficácia.

Ilustrações: Neli Vieira

(O texto continua brevimente)