Quando você leu o título, é
possível que a sua primeira impressão foi de que, estaria se deparando com algo
relacionado a uma cantiga de roda ou até mesmo a um samba, ao ritmo do batuque
da dança de capoeira, a um genuíno axé. Na verdade refere-se ao curioso e
divertido conto do escritor Caetano Lagrasta, tanto nas expressões (verbetes)
criadas pelo próprio autor, quanto pela sua tendência como forma de linguagem
literária.
Caetano Lagrasta, no seu livro,
1968 e Outras Estórias, na orelha
de capa da sua obra, faz uma observação interessante: “Estes contos podem ser
resumidos em duas ou três citações, em longos anos de incessante busca por
editores que, no dizer breve de Torquato Neto, a gente tem que passar a vergonha toda pra poder arrebentar as coisas.”
Este desabafo, nos motivou a fazer um apanhado mais abrangente sobre o seu
visível desapontamento em relação ao meio editorial.
Não estamos referindo a um
marinheiro de primeira viagem na literatura. Lagrasta ocupa a Cadeira
Graciliano Ramos – Acadêmico da Faculdade de Direito da USP; Menção Honrosa do
Prêmio Governador do Estado de S. Paulo, em 1967, com o livro de contos Abecedário; corroteirista, ator e autor
de comentários musicais, em longa e curta metragem; fotógrafo e por aí vai...
Muito se tem questionado entre
os autores de Contos, sobre o porquê
das editoras não dar a devida atenção à publicação de contos e o real motivo do
seu desinteresse por esse modelo de linguagem literária. Questiona-se até se é
o próprio leitor o seu principal motivo, o seu principal contribuinte para essa
discriminação, preferindo os romances longos, com mais evidência para os
autores consagrados ou que estão na pauta literária das revistas e jornais de
grandes circulações. O mais curioso, é que, a história da nossa literatura
mostra claramente que escritores como, Machado de Assis, Guimarães Rosa,
Clarice Lispector, Monteiro Lobato, João Cabral de Melo Neto e tantos outros
tinham suas preferências por esse gênero literário.
Com
a finalidade de notificar informações que comprovam essa tendência das editoras
substanciar mais o romance em detrimento do conto, sem se esquecer do autor,
aquele que realmente alimenta essa cadeia de criação literária, eis a seguir
alguns excertos de pesquisas que selecionei para esta ocasião em consonância
com as decepções de Caetano Lagrasta. No entanto, é bom salientar, você pode
buscar mais informações na internet, onde irá encontrar vasto material nesse
sentido.
Vale à pena ressaltar, existem
evidências inquestionáveis, sobre o que pensa alguns autores famosos e seus
posicionamentos a respeito do tema: René Avilés Fabila, embora o seu nome nos
dê a impressão tratar-se de um francês, é na verdade importante autor mexicano,
traduzido para vários idiomas. René Avilés é citado no livro Assim se escreve um conto, do
premiadíssimo escritor e crítico literário Mempo Giardinelli, no qual ele diz:
“Comecei escrevendo contos, mas me vi forçado a mudar de rumo por pedidos de
editores que queriam romances. Mas, cada vez que me vejo livre dessas pressões
editoriais, volto ao conto... porque, em literatura, o que me deixa realmente
satisfeito é escrever um conto".
O jornal Folha de São Paulo, de
4 de fevereiro de 1996, publicou o seguinte depoimento do escritor gaúcho
Moacyr Scliar: “Eu valorizo mais o conto como forma literária. Em termos de
criação, o conto exige muito mais do que o romance... Eu me lembro de vários
romances em que pulei pedaços, trechos muito chatos. Já o conto não tem meio
termo, ou é bom ou é ruim. É um desafio fantástico. As limitações do conto
estão associadas ao fato de ser um gênero curto, que as pessoas ligam a uma
ideia de facilidade; é por isso que todo escritor começa contista".
O escritor checo Franz Kafka, iniciou sua carreira literária,
escrevendo contos para a revista Hyperion em 1908 e para vários jornais da
época. Os seus trabalhos mais conhecidos como, Contemplação, A Metamorfose, Um Artista da Fome e tantos outros,
foram antes publicados sob o formato de conto.
Antes da escrita do Ocorão, ocorrida no século VII, às
civilizações de origem árabe, no século VI, já conheciam as histórias dos
contos sob a forma oral. Simbad era muito apreciado, porque se tratava de uma
aventura onde a intrepidez do personagem enaltecia a personalidade e a coragem
do povo árabe. No ocidente as histórias de Simbad,
o marujo, foram conhecidas a partir de As Mil e Uma Noites, uma coleção de contos árabes traduzida para o
francês pelo escritor Antoine Galland, publicada entre 1704 e 1717.
O contista, romancista e teatrólogo Nicolai Gogol, é considerado
ao lado de Aleksandre Púchkin, autor de O
Prisioneiro do Cáucaso, um dos fundadores da moderna literatura russa. O estilo
vanguardista de Nicolai incorporou à literatura russa o realismo fantástico. Os
contos, O Capote e O Retrato, o permitiu notabilidade
conceitual entre grandes nomes da literatura mundial, sendo inclusive,
considerado por Jean-Paul Sartre como sendo, o fundador da literatura moderna;
Dostoievski o reconhecia como um grande mestre.
Ganga Zumba Ê Ê Ê É
Zumbi
Por:
Caetano Lagrasta
O calor sufocava. Uma atmosfera
mágica e tropical envolvia o bairro alegre das vivendas diplomáticas. A festa
alcançava o auge: escolas de samba, fantasias, bananas, abacaxis – aos milhares
– muito uísque, carros enormes, velhas, homens gordos, tudo isso, saltitando ao
redor da piscina azul, tépida.
O embaixador passeava entre os
convidados, alheio.
Do lado de fora, dois rapazes e
uma moça observavam. Na manhã seguinte foram substituídos por um casal. O
motorista da limusine passava um espanador sobre o vidro fumê, aguardando Suas
Excelências para o passeio matinal. O casal seguiu-os, anotando os detalhes da
hora de saída, comportamento do motorista, trajeto percorrido, movimento das
ruas. O motorista – comentava-se – praticava macumba. Contavam estórias
estranhas a seu respeito. Era um negro retinto, sempre a mostrar o sorriso
branco. Sua mulher morrera com o ventre perfurado por minúsculas agulhas, que
nunca foram encontradas. Alguns imaginaram vingança de outro Pai de Santo;
assassinato. Estória antiga. Hoje ele habita um dos cômodos da residência dos
empregados, atrás da embaixada.
Salatiel, o motorista, espanava
o vidro, exatamente como fizera no dia anterior e como fazia há anos.
– Tudo pronto? – perguntou a
Senhora do Embaixador.
– Iés, madam, respondeu
Salatiel.
– Létisgoul.
O carro arrancou sem ruído:
passaram o portão, que se fechou automaticamente.
O sequestro foi instantâneo.
Salatiel ficou parado no meio da rua, gritando, enquanto que por dentro,
sentia-se frustrado. Como não imaginara que iam se antecipar aos seus planos? A
Senhora do Embaixador chorava copiosamente, narrando a todos o que passavam a
sua desgraça, sujando o rímel os olhos fundos, a face camaleônica e flácida. Salatiel
telefonou à polícia, com desânimo. Não tinha nada que ver com a coisa, mas
temia; estar muito perto de fatos políticos gerava medo, terror. Iludia-se,
pensando que o mundo da repressão poderia acabar em torno de si. No fundo,
tinha mais medo que o que deviam estar sentindo os sequestradores.
O bairro foi cercado. Enormes
cães farejavam a limusine. A Senhora do Embaixador procurava ajudá-los,
dando-lhes outros objetos. Salatiel aguardava, num canto, que o chamassem.
Ah! Aqui tem coisa – exclamou
um investigador, olhando para Salatiel, certo de que chamaria a atenção do
delegado.
– Co’mé? Se sabe alguma coisa,
vai desembuchando. Há tempos que quero te descer o cacete, desde o dia que
matou tua mulher.
– Fui absolvido – Salatiel
tremia –, não sei de nada.
– Como eram os caras?
– Estavam de máscaras –
murmurou Salatiel, engolindo a saliva quente que queria cuspir na cara, daquele
filho da puta.
As investigações deram em nada.
O prestígio do governo fora abalado. Salatiel foi preso, apanhava firme:
bastonadas, choques, afogamentos no balde, na latrina, pendurado, feito arara.
O feitiço virou a esta merda não deixa marcas. Pior mesmo é que não tenho quem
entregar – pensou.
Quando voltou à Embaixada, a
Senhora do Embaixador o expulsou, chamando-o de sónófabich: gritando que ele
devia ter sido mais macho naquele dia.
Os sequestradores foram presos.
Salatiel escondeu-se num dos morros e ficou espetando bonecos. Sentia pena dos
presos, mas, no fundo, era compaixão de si próprio, de seus bonecos, que não
serviam para nada.
A volta do sequestrado foi
singela e comovente.
A Senhora do Embaixador
colocara todo o pessoal da Embaixada no jardim, logo ao amanhecer, vestidos com
esmero. Formavam duas alas; a Senhora do Embaixador abria o cortejo com um
vestido de chiffon branco e um chapeuzinho multicor, com véu, azul e
cor-de-abóbora.
O sequestrado fora recolhido
por um táxi e trazido até a porta da mansão, onde o aguardava uma avalanche de
fotógrafos.
Abriu-se a porta do veículo:
nada, não descia. Expectativa. A Senhora do Embaixador não se contém: quebrando
o rígido protocolo, sai em desabalada carreira, balançando o corpanzil a cada
passada. Chorava, mas o rosto iluminava-se de um certo vedetismo. O Embaixador
assoma à janela do segundo andar e sua expressão é de desgosto, pela atitude
informal da esposa.
O sequestrado titubeia, os
fotógrafos são afastados pela polícia, a Senhora do Embaixador dá gritinhos
histéricos. Confusão geral. Instante-emoção: Ele sai, senta-se nas patas
traseiras, coça uma pulga e corre para uma árvore, urinando copiosamente.
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Imagens: Internet.