quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Ganga Zumba Ê Ê Ê É Zumbi



Quando você leu o título, é possível que a sua primeira impressão foi de que, estaria se deparando com algo relacionado a uma cantiga de roda ou até mesmo a um samba, ao ritmo do batuque da dança de capoeira, a um genuíno axé. Na verdade refere-se ao curioso e divertido conto do escritor Caetano Lagrasta, tanto nas expressões (verbetes) criadas pelo próprio autor, quanto pela sua tendência como forma de linguagem literária.

Caetano Lagrasta, no seu livro, 1968 e Outras Estórias, na orelha de capa da sua obra, faz uma observação interessante: “Estes contos podem ser resumidos em duas ou três citações, em longos anos de incessante busca por editores que, no dizer breve de Torquato Neto, a gente tem que passar a vergonha toda pra poder arrebentar as coisas.” Este desabafo, nos motivou a fazer um apanhado mais abrangente sobre o seu visível desapontamento em relação ao meio editorial.

Não estamos referindo a um marinheiro de primeira viagem na literatura. Lagrasta ocupa a Cadeira Graciliano Ramos – Acadêmico da Faculdade de Direito da USP; Menção Honrosa do Prêmio Governador do Estado de S. Paulo, em 1967, com o livro de contos Abecedário; corroteirista, ator e autor de comentários musicais, em longa e curta metragem; fotógrafo e por aí vai... 

Muito se tem questionado entre os autores de Contos, sobre o porquê das editoras não dar a devida atenção à publicação de contos e o real motivo do seu desinteresse por esse modelo de linguagem literária. Questiona-se até se é o próprio leitor o seu principal motivo, o seu principal contribuinte para essa discriminação, preferindo os romances longos, com mais evidência para os autores consagrados ou que estão na pauta literária das revistas e jornais de grandes circulações. O mais curioso, é que, a história da nossa literatura mostra claramente que escritores como, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Monteiro Lobato, João Cabral de Melo Neto e tantos outros tinham suas preferências por esse gênero literário.

Com a finalidade de notificar informações que comprovam essa tendência das editoras substanciar mais o romance em detrimento do conto, sem se esquecer do autor, aquele que realmente alimenta essa cadeia de criação literária, eis a seguir alguns excertos de pesquisas que selecionei para esta ocasião em consonância com as decepções de Caetano Lagrasta. No entanto, é bom salientar, você pode buscar mais informações na internet, onde irá encontrar vasto material nesse sentido.

Vale à pena ressaltar, existem evidências inquestionáveis, sobre o que pensa alguns autores famosos e seus posicionamentos a respeito do tema: René Avilés Fabila, embora o seu nome nos dê a impressão tratar-se de um francês, é na verdade importante autor mexicano, traduzido para vários idiomas. René Avilés é citado no livro Assim se escreve um conto, do premiadíssimo escritor e crítico literário Mempo Giardinelli, no qual ele diz: “Comecei escrevendo contos, mas me vi forçado a mudar de rumo por pedidos de editores que queriam romances. Mas, cada vez que me vejo livre dessas pressões editoriais, volto ao conto... porque, em literatura, o que me deixa realmente satisfeito é escrever um conto".

O jornal Folha de São Paulo, de 4 de fevereiro de 1996, publicou o seguinte depoimento do escritor gaúcho Moacyr Scliar: “Eu valorizo mais o conto como forma literária. Em termos de criação, o conto exige muito mais do que o romance... Eu me lembro de vários romances em que pulei pedaços, trechos muito chatos. Já o conto não tem meio termo, ou é bom ou é ruim. É um desafio fantástico. As limitações do conto estão associadas ao fato de ser um gênero curto, que as pessoas ligam a uma ideia de facilidade; é por isso que todo escritor começa contista".

O escritor checo Franz Kafka, iniciou sua carreira literária, escrevendo contos para a revista Hyperion em 1908 e para vários jornais da época. Os seus trabalhos mais conhecidos como, Contemplação, A Metamorfose, Um Artista da Fome e tantos outros, foram antes publicados sob o formato de conto.

Antes da escrita do Ocorão, ocorrida no século VII, às civilizações de origem árabe, no século VI, já conheciam as histórias dos contos sob a forma oral. Simbad era muito apreciado, porque se tratava de uma aventura onde a intrepidez do personagem enaltecia a personalidade e a coragem do povo árabe. No ocidente as histórias de Simbad, o marujo, foram conhecidas a partir de As Mil e Uma Noites, uma coleção de contos árabes traduzida para o francês pelo escritor Antoine Galland, publicada entre 1704 e 1717.

O contista, romancista e teatrólogo Nicolai Gogol, é considerado ao lado de Aleksandre Púchkin, autor de O Prisioneiro do Cáucaso, um dos fundadores da moderna literatura russa. O estilo vanguardista de Nicolai incorporou à literatura russa o realismo fantástico. Os contos, O Capote e O Retrato, o permitiu notabilidade conceitual entre grandes nomes da literatura mundial, sendo inclusive, considerado por Jean-Paul Sartre como sendo, o fundador da literatura moderna; Dostoievski o reconhecia como um grande mestre.



Ganga Zumba Ê Ê Ê É Zumbi
Por: Caetano Lagrasta




O calor sufocava. Uma atmosfera mágica e tropical envolvia o bairro alegre das vivendas diplomáticas. A festa alcançava o auge: escolas de samba, fantasias, bananas, abacaxis – aos milhares – muito uísque, carros enormes, velhas, homens gordos, tudo isso, saltitando ao redor da piscina azul, tépida.

O embaixador passeava entre os convidados, alheio.

Do lado de fora, dois rapazes e uma moça observavam. Na manhã seguinte foram substituídos por um casal. O motorista da limusine passava um espanador sobre o vidro fumê, aguardando Suas Excelências para o passeio matinal. O casal seguiu-os, anotando os detalhes da hora de saída, comportamento do motorista, trajeto percorrido, movimento das ruas. O motorista – comentava-se – praticava macumba. Contavam estórias estranhas a seu respeito. Era um negro retinto, sempre a mostrar o sorriso branco. Sua mulher morrera com o ventre perfurado por minúsculas agulhas, que nunca foram encontradas. Alguns imaginaram vingança de outro Pai de Santo; assassinato. Estória antiga. Hoje ele habita um dos cômodos da residência dos empregados, atrás da embaixada.

Salatiel, o motorista, espanava o vidro, exatamente como fizera no dia anterior e como fazia há anos.

– Tudo pronto? – perguntou a Senhora do Embaixador.

– Iés, madam, respondeu Salatiel.

– Létisgoul.

O carro arrancou sem ruído: passaram o portão, que se fechou automaticamente.
O sequestro foi instantâneo. Salatiel ficou parado no meio da rua, gritando, enquanto que por dentro, sentia-se frustrado. Como não imaginara que iam se antecipar aos seus planos? A Senhora do Embaixador chorava copiosamente, narrando a todos o que passavam a sua desgraça, sujando o rímel os olhos fundos, a face camaleônica e flácida. Salatiel telefonou à polícia, com desânimo. Não tinha nada que ver com a coisa, mas temia; estar muito perto de fatos políticos gerava medo, terror. Iludia-se, pensando que o mundo da repressão poderia acabar em torno de si. No fundo, tinha mais medo que o que deviam estar sentindo os sequestradores.

O bairro foi cercado. Enormes cães farejavam a limusine. A Senhora do Embaixador procurava ajudá-los, dando-lhes outros objetos. Salatiel aguardava, num canto, que o chamassem.

Ah! Aqui tem coisa – exclamou um investigador, olhando para Salatiel, certo de que chamaria a atenção do delegado.

– Co’mé? Se sabe alguma coisa, vai desembuchando. Há tempos que quero te descer o cacete, desde o dia que matou tua mulher.

– Fui absolvido – Salatiel tremia –, não sei de nada.

– Como eram os caras?

– Estavam de máscaras – murmurou Salatiel, engolindo a saliva quente que queria cuspir na cara, daquele filho da puta.

As investigações deram em nada. O prestígio do governo fora abalado. Salatiel foi preso, apanhava firme: bastonadas, choques, afogamentos no balde, na latrina, pendurado, feito arara. O feitiço virou a esta merda não deixa marcas. Pior mesmo é que não tenho quem entregar – pensou.

Quando voltou à Embaixada, a Senhora do Embaixador o expulsou, chamando-o de sónófabich: gritando que ele devia ter sido mais macho naquele dia.

Os sequestradores foram presos. Salatiel escondeu-se num dos morros e ficou espetando bonecos. Sentia pena dos presos, mas, no fundo, era compaixão de si próprio, de seus bonecos, que não serviam para nada.

A volta do sequestrado foi singela e comovente.

A Senhora do Embaixador colocara todo o pessoal da Embaixada no jardim, logo ao amanhecer, vestidos com esmero. Formavam duas alas; a Senhora do Embaixador abria o cortejo com um vestido de chiffon branco e um chapeuzinho multicor, com véu, azul e cor-de-abóbora.

O sequestrado fora recolhido por um táxi e trazido até a porta da mansão, onde o aguardava uma avalanche de fotógrafos.

Abriu-se a porta do veículo: nada, não descia. Expectativa. A Senhora do Embaixador não se contém: quebrando o rígido protocolo, sai em desabalada carreira, balançando o corpanzil a cada passada. Chorava, mas o rosto iluminava-se de um certo vedetismo. O Embaixador assoma à janela do segundo andar e sua expressão é de desgosto, pela atitude informal da esposa.

O sequestrado titubeia, os fotógrafos são afastados pela polícia, a Senhora do Embaixador dá gritinhos histéricos. Confusão geral. Instante-emoção: Ele sai, senta-se nas patas traseiras, coça uma pulga e corre para uma árvore, urinando copiosamente.


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Imagens: Internet.