terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Diário de Um Delirante

Eu não sei, porque nunca passei por esta situação: letargia, delírio, ou algo parecido... Mas creio eu, que a sensação de letargia profunda, não nos leva a lugar algum. Nem mesmo em pensamentos. Estaremos como mortos. Lógico, que são apenas suposições. Como disse, não conheço esse estágio mental.

Já li vários romances evidenciando o espiritismo, onde as pessoas se transferem do próprio corpo e se encontram em lugares nunca antes presenciado, ou em lugares que, talvez, através de sonhos possa tê-los visto. Mas também, estou me referindo de forma hipotética. Nada concreto... Com lógica.

O Conto “Diário de Um Delirante”, do escritor Pedro Henrique Baima Paiva, foca a situação em que uma criança num desses momentos de delírio, vaga por lugares fantásticos e improváveis. O seu conteúdo não tem a pretensão de mostrar, caracterizar, criar tese e nem mesmo causar um burburinho em torno de uma realidade aturdida.

Contudo, é interessante viajar pelos lugares e situações onde se transcorre a narrativa. As surpresas vão criando vida, uma após outra, e é aí que o improvável habita. Em determinado momento, você se sente presente nas cenas, até sentindo os sintomas de espanto e perplexidade com tanta flutuação de símbolos e elementos que uma mente talvez normal, não seria capaz de registrar. Isto, levando-se em conta o realismo subentendido dos fatos.

Tenho que admitir que dos inúmeros autores que tive a oportunidade de ler, ainda não havia lido um texto como este “Diário de Um Delirante”. Sabe aquelas histórias de desenho animado, onde o bem e o mau se confundem? Melhor ainda, lembra-se do livro, ou do filme o “Maravilhoso Mágico de Oz”, de L. Frank Braum, em que a personagem Dorothy Gale encontra com os seus três novos amigos em busca de soluções com o Feiticeiro de Oz?

Outra obra literária que nos remete ao Conto do Pedro Henrique é Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. Onde o personagem Chapeleiro Maluco, só se expressa por meio de enigmas. Enfim, o Conto “Diário de Um Delirante”, fará você fazer uma viagem interessante pelo mundo do surreal. Recomendo com todas as letras sua leitura. Seu comentário será bem-vindo. Vamos que vamos...


Pedro Henrique Baima Paiva é biólogo pela PUC Goiás; MBA Marketing pela Uni Anhanguera; é graduado em Ciências Sociais e Políticas Públicas pela UFGO; palestrante sobre sustentabilidade; servidor efetivo da Agência Municipal de Meio Ambiente de Goiânia; e Professor Universitário.



Diário de um delirante



Eu tinha apenas 12 anos a primeira vez que vi o jardim. Meus pais sempre visitavam aquele país da América do Sul. Um país exótico e ensolarado, com pessoas risonhas que caminhavam puxando seus carrinhos de compras e conversavam entre sonoras gargalhadas.

Para um garoto acostumado com o gelo como eu, aquele matiz de cores proporcionado pelos raios do sol, impressionava muito. Na última vez que voltamos juntos, porém, um trágico acidente marcou nossas vidas para sempre, e a minha talvez mais que a de todos.

Voávamos há horas e nosso destino já se agigantava no horizonte quando uma estranha descarga elétrica acertou o avião que em pane despencou do céu em um espiral de fumaça e terror. O fogo foi visto primeiro, depois escutamos as explosões, três que me lembro. E na última delas senti meu corpo ser agarrado e jogado para fora do aparelho.
Tudo aconteceu muito rápido e a partir de agora leitor, desconfie dos fatos extraordinários que vou contar, pois até para mim parecem invenções de uma mente perturbada pelo medo e desespero frente à morte eminente.

Minhas lembranças da queda em si são muito confusas, pois em meu delirante salto para o chão um arquipélago me esperava para esborrachar. Mas quando isso aconteceu, eu acordei em cima de uma folhagem tão densa que tive que deixar meu casaco para me livrar dos galhos torcidos, que com um efeito de molas amorteceram meu impacto fatal. Caminhei alguns minutos, porém, não tinha nem sinal do local onde o avião havia caído. Onde provavelmente era agora o túmulo dos meus pais.

Extasiado, com sede, sentei na sombra de uma flamejante árvore de trocos retorcidos e flores com pétalas vermelhas como o fogo. De sua copa caíam grandes cápsulas onde amadureciam suas sementes. Em seus galhos, pássaros multicoloridos saracoteavam como num jantar de comadres.

Eles não estavam sozinhos, ao pé de outra grande árvore próxima de mim, agora se destacavam entre as folhas secas, serpentes rajadas que brilhavam como uma pulseira de brilhantes. Lagartos, insetos, mamíferos. Era uma inimaginável reunião de animais que parecia insana para mim. Entre cores e cantos, entoava uma bela melodia e o vento trazia a mais deliciosa combinação de aromas, que o meu nariz nórdico havia alguma vez experimentado.

Como em uma dança selvagem, todos os animais seguiam em fila indiana para um aglomerado de rochas próximo, e com batidas ritmadas produzidas por seus pés no chão, pareciam dançar uma coreografia animalesca.

O ambiente mágico que se fez em minha volta camuflou o motivo de eu estar ali e me despertou uma sensação que não posso com palavras explicar. Ao que parece, logo estava eu naquela fila medonha de animais dançando um tipo raro de mantra, produzido pela soma de todos os sons juntos à minha volta.

O clímax daquela sandice produzida pela minha mente em choque parecia se aproximar, quando um gambá com uma longa calda e pelos brancos em cima dos olhos, se levantou em duas patas e como um cortesão recebeu todos ali, com uma longa e engraçada reverência. Com a mão esquerda estendida nos encaminhou para uma fenda na rocha, que eu ainda não havia reparado.

Era como um grande portão sólido, adornado com inscrições entalhadas na pedra. Não sei que língua era aquela, mas seus símbolos pareciam reluzir à luz do sol e combinavam como uma senha mágica, que se repetia como luzes de Natal. Ainda em fila, fomos todos adentrando aquelas rochas. Naquele momento, eu já não sabia se estava sonhando ou estava realmente ali, com todos aqueles bichos.

Na minha frente, um grande macaco dava o ritmo, fazendo um som grave com sua garganta, no compasso daquela canção. Perto dele um sapo preenchia o som com seu coaxar. E mais adiante besouros tremiam suas asas dando um efeito especial à música. Todos ali participavam de alguma forma. Lá dentro, senhoras e senhores em frenética agitação, saltavam aos olhos.

Cercado pelas pedras monumentais, nada mais havia ali, senão o mais exuberante jardim já conhecido na Terra. Uma aquarela de cores se espalhava por uma vasta área. Meu Deus! Como era enorme! Meus olhos se encheram de imagens de árvores antigas, como aquela própria ilha esquecida no oceano.

Frutas nunca vistas antes pendiam dos galhos fartamente abastecidos. No meio daquele vale corria um límpido rio, de águas calmas que só se agitavam com o fuzuê dos bichos, que se refrescavam em suas margens.

A vida ali era tranquila. Estava refletido nos olhos de todos. As flores espalhadas por toda a área se exibiam, ainda, com as gotas do orvalho sobre suas corolas cintilantes. Em volta de uma magnífica cachoeira, festejada por vários animais.

Eram tamanduás, macacos, patos e ao que parece, até uma onça pintada, que como conchas, usavam às suas duas mãos para derramar aquela água sobre suas cabeças, e depois como se brincassem todos juntos, molhavam-se e mergulhavam-se diante daquele véu de noivas formado pelas águas e a espuma daquela maravilhosa queda d’água.

Revoadas de pássaros faziam uma bela apresentação no céu que parecia uma pintura de tão azul. Nesse momento parece que o artista inspirado numa ópera de Tchaikovisky, compunha um iluminado balé, aplaudido pelos seus giros fantástico, com a magia magistral do seu pincel, tornava-se visível na tela, outra pintura surreal, embelezada pelas poucas nuvens que flutuavam aqui e acolá.

Antes de caminhar em direção da cachoeira, onde a reunião se formava me ajoelhei na margem do rio, e sorvi um delicioso bocado daquele líquido generoso que Deus nos deu, o qual revigorou o meu espírito. Senti uma estranha sensação percorrer meu corpo como se sob efeito de algum elixir sobrenatural, que dá energia e uma inexplicável paz no coração. Não resisti, e em gargalhadas e muita felicidade pulei dentro do rio e me banhei feito a uma criança que era.

Depois de um tempo que não sei precisar, saí dali e percebi que os animais faziam mais uma vez fila. Mas agora de volta ao portão em que entramos. Perto da cachoeira, a reunião de animais começava a se desfazer, quando eu vi entre corpos, aquele anjo penetrar uma caverna escondida por detrás das águas. Não sem antes dar uma olhadela em volta, e com um sorriso carinhoso de despediu.

Só o vi por alguns segundos, mas posso descrever que não existia ali nenhuma criatura que imitasse sua beleza. Pele branca como o leite, seu lindo corpo formava uma silhueta perfeita. Longos cabelos negros encaracolados lhe caíam sobre os ombros e seus olhos eram cheios de paz, ternura e amor.

Extático com tamanha beleza, não consegui mover uma músculo do meu corpo. Depois disso não me lembro de mais nada. Quando abri meus olhos, já estava na cama de um hospital, onde mais tarde fiquei sabendo que estavam também meus pais. Todos nós estávamos vivos. Ôbaaa!

Muitos anos depois li em um livro velho, a história de uma rainha que um dia construiu um lindo jardim, e por conta da ganância e cobiça dos homens que o queria, ela e seu jardim um dia, sumiram diante dos olhos de todos como mágica.

Antes de se dissipar no ar, a rainha jurou que o precioso jardim nunca seria descoberto pelo homem. E o segredo para achá-lo há muito havia sido perdido: “O amor e o respeito pela natureza.”


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Imagens ilustrativas: Google Image