quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Patativa do Assaré


Estou muito contente de estar neste momento publicando este texto sobre o ecritor nordestino Patativa do Assaré, o qual considero ser muito expressivo tanto em abordagem, quanto pelo seu valor histórico. Sem dúvida uma preciosidade da literatura brasileira. O texto foi extraído da revista Almanaque Brasil de Cultura Popular, ano 1, nº 04 de julho de 1999. Seu autor não assinou.

Antônio Gonçalves Dias nasceu em Assaré no Ceará (05-03-1909 – 08-07-2002), foi poeta popular, cantor, compositor e improvisador brasileiro. Cego de um olho por causa de uma doença, com a morte do pai, aos oito anos passou a ajudar a família no cultivo da terra. Por volta dos vinte anos recebeu o apelido de “Patativa”, pela sonoridade de sua poesia comparável à beleza do canto da ave. Com o apoio de José Arraes de Alencar, por acreditar no seu potencial, o apóia e o incentiva a publicar o seu primeiro livro, Inspiração Nordestina em 1956, que em 1967 depois de obter alguns acréscimos no seu conteúdo passou a se chamar “Cantos do Patativa”. Outros livros foram publicados anos depois sempre com a aprovação popular.



Patativa do Assaré



O mais importante poeta popular do Nordeste carrega produção e lucidez invejáveis aos noventa anos. Já cego, quase surdo, ele fala da alma do sertão cearense, onde nasceu, criou-se e vive até hoje.

O país do poeta Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa, começa em Assaré, sertão sul do Ceará, a 623 quilômetros de Fortaleza. Para ele, um pedaço do Brasil de baixo, abandonado e pobre, em contradição com o Brasil de cima rico, uísque e cerveja. “Somos brasileiros, mas não donos do Brasil”, desabafa. “Eu não sou nada. Sou um caboclo analfabeto. Não mexi com escola, colégio, faculdade. Tudo meu é natural, mas tenho visão penetrante para ver as coisas assim.”

O artista popular gosta mesmo é do contato com a natureza ou ainda da prosa simples de um agricultor. Durante as recentes homenagens pelos 90 anos, Patativa ficou vexado. O corpo está cansado para esse tipo de pândega. Prefere voltar à serra de Santana, onde nasceu – 18 quilômetros de estrada carroçável – e matar dois coelhos de uma vez só: ver a família e carregar as baterias em conversas com os outros poetas da região.

No alto da serra, ele vê o mundo pelas lentes escuras que protegem dois olhos cegos. Vê com os ouvidos, também avariados pela idade, mas parcialmente funcionando pela força de um aparelho de audição. Afinal, lá longe canta um inspirador, o bem-te-vi. Entre um cigarro e um café preto, ele recita o sertão. A roça plantada, o cheiro do mato, o mugido da vaca. Patativa do Assaré inventa métricas. Nada de papel e lápis para o trabalho de criação. É a mente sadia, ainda lúcida e crítica, a filosofar sobre as coisas da vida e a guardar na memória, como computador.

Patativa fala da terra, do sertão imenso a se descortinar no horizonte da serra. Às vezes, vai mais longe. Fala de futebol, uma paixão ocasional, ou de política, da economia, da situação social do país. Mas o sertão é o tema maior. Poemas como Emigração e Triste Partida mostram isso. A questão da seca e a fuga de retirantes são o mote.

Tapioca de amendoim, ovo morno e fígado de capão. Se for peixe melhor que seja curimatã. Pela manhã, angu de leite. O cardápio, típico da região, pode ser surpreendente para a idade, mas Patativa não abre mão. Nem do prazer de ficar, em Assaré, sentado na cadeira de balanço, a tentar enxergar o outro lado da praça, onde está o Memorial Patativa do Assaré, inaugurado recentemente. O prédio do Memorial foi tombado pelo Patrimônio Histórico e ganhou telhado, madeiramento, portas, janelas, grades e uma demão de tinta. O poeta não consegue ver o prédio, mas há sempre um amigo a lhe dizer se está ou não aberto, de que cor são as paredes e se ficou bonita a reforma no velho sobradinho.

Tanto o friozinho da serra de Santana, como o calor sufocante de Assaré. Patativa quer os dois extremos em sua vida, como parte de seu lugar. No passado, visitou São Paulo, Brasília, as praias de Fortaleza. Tudo de encher a vista. Principalmente a força do mar, que ele só conheceu adulto. Mas deu meia-volta volver. Nada de cidade grande, de capitais, da loucura do trânsito. O negócio do poeta é se alimentar de sertão e devolver o alimento em forma de rima.



Foi em mil e novecentos
E nove que eu vim ao mundo.
Foi na serra de Santana
Em uma pobre choupana,
Humilde e modesto lar.

Foi ali onde eu nasci
E a cinco de março vi
Os raios da luz solar.

Foi ali que fui crescendo
Fui lendo e fui aprendendo
No livro da natureza
Onde Deus é mais visível
O coração mais sensível
E a vida tem mais pureza.

Com setenta anos de idade
O destino me fez guerra
Fui residir na cidade
Deixando a querida serra
Minha serra pequenina.

Mas um galo de campina
De trazer não me esqueci
Porque neste passarinho
stou vendo um pedacinho
Lá do sitio onde eu nasci.


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Imagens: Google imagem