sábado, 22 de agosto de 2009

Vasculhando a Estante Nº 02


A mágica de atrair leitores - J.K. Rowling

Texto: Carlos Graieb

Artigo extraido da revista Veja de 12/04/2000, pág. 150

Fotos: John Foxx Images, Wikidoido
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Era uma vez uma moça de longos cabelos ruivos chamada Joanne K. Rowling. Em 1996, às vésperas de completar 30 anos, ela estava mais para gata borralheira do que para princesa encantada. Divorciada e falida, passara diversos anos na base do seguro-desemprego. Embora vivesse na Escócia, país famoso pelos seus castelos, sua casa era tão velha que não tinha calefação. O frio castigava sua filhinha. Para aquietar a menina, ela a punha num carrinho de bebê e rumava para o café da esquina, aquecido e confortável. Enquanto a criança dormia Joanne escrevia um romance infantil. Contava a história de um bruxo mirim, Harry Potter, que tinha uma estranha cicatriz em forma de raio na testa. Depois de muito trabalho, ela completou o livro. Nove editoras recusaram os originais. A décima, que os aceitou, pagou uma bagatela como adiantamento. E foi aí que... Abracadabra! Harry Potter mostrou ser capaz de um poderoso feitiço. Ele virou mania entre as crianças inglesas. Ganhou em seguida os Estados Unidos. E não parou de conquistar leitores, desembarcando em diversos países com sua vassoura voadora. Nesta semana (compreendida ao dia 12/04/2000), com o lançamento de Harry Potter e a Pedra Filosofal (tradução de Lia Wyler; Rocco; 263 páginas; 22 reais), o jovem mago chega finalmente ao Brasil. Todo mundo está de olho para saber se ele repete sua principal mágica: tirar crianças da frente da televisão e mergulhá-las na leitura de um saboroso romance.

Desde que ela mesma se converteu em Cinderela, J.K. Rowling tratou de dar segmento às aventuras de Potter. No todo, promete escrever sete livros, cada um cobrindo um ano de aprendizado do personagem na vida de feitiçaria. O segundo e o terceiro já saíram e o quarto está previsto para ser lançado em julho na Grã-Bretanha. O sucesso é estrondoso. No mundo todo, a série vendeu 30 milhões de exemplares. Para se ter uma ideia, tal número supera em muito a produção anual de livros juvenis no Brasil, que tem ficado em torno dos 20 milhões, segundo a Câmara Brasileira de Livro. Nos Estados Unidos, onde a febre alcançou suas maiores proporções, Harry Potter provocou uma revolução no mercado. Os três livros do mago foram parar no topo da prestigiosa lista de best-sellers do jornal The New York Times. Arrastaram consigo outras obras de ficção infantil. É a primeira vez na história que romances para crianças ocupam tanto espaço entre os mais vendidos, deixando para trás campeões como John Grisham. O mais curioso é que os adultos também aderiram ao fenômeno. Segundo a imprensa americana, uma antiga tradição foi reativada: famílias inteiras se reúnem para ler histórias em voz alta.

Centenas de artigos já foram escritos para desvendar o segredo de Harry Potter. Na verdade, não há segredo. Boa escritora, J.K. Rowling criou um personagem com o qual as crianças conseguem se identificar. Além disso, utilizou com muita graça os elementos tradicionais dos contos de fadas, com seus seres imaginários e peripécias fantásticas. Filho de feiticeiros, Harry fica órfão quando seus pais são mortos pelo terrível Voldemort, o mega-vilão da saga. Ele é entregue para um casal de tios, que o tratam com crueldade. Ao completar 11 anos, porém, Harry recebe uma carta que o convida a se tornar frequentador da escola de bruxaria Hogwarts, cujo lema é "Não cutuque um dragão adormecido". Localizada numa dimensão paralela, Hogwarts exige que os alunos se vistam com capa e chapéu pontudo e ainda que leiam tratados como As Forças das Trevas: um Guia de Autoproteção. A escola expõe os bruxinhos a todo tipo de aventura. À medida que Horry Potter envelhece, as questões com que defronta também vão mudando. No quarto romance, ele arranja uma namorada. J.K. Rowling, já avisou, também, que em breve ele terá de lidar com a morte de um amigo. Como notou o psicólogo austríaco Bruno Bettelheim, num estudo clássico sobre os contos de fadas, o que importa nesse tipo de história não é a "moralidade", por maiores que sejam, podem sempre ser superadas. Harry Potter faz exatamente isso: supera as encrencas e chega fortalecido ao final de cada história. Por ser "convencional", no bom sentido, é que ele faz sucesso.

Sucesso, entretanto, não significa unanimidade. Nos Estados Unidos, uma facção "anti-Potter" já se organizou. Irritadas com professores que passaram a ler os livros para seus alunos, famílias de religiosos entraram com ações na Justiça dizendo que bruxaria é um tema que deveria ser proibido nas salas de aula. Há processos em oito Estados e, em breve, a Justiça terá de tomar uma decisão a respeito do assunto. Outra inimiga de J.K. Rowling é a escritora americana Nancy Stouffer. Ela acusa sua concorrente escocesa de ter plagiado o livro The Legend of Rah and Muggles, lançado em 1984. Segundo Nancy, não apenas o sobrenome Potter foi roubado de sua obra como também a palavra "muggles". Rowling utiliza esse termo para se referir aos humanos que não têm poderes mágicos. A tradução brasileira optou por "trouxas", por oposição a bruxos.

Se vencer - o que é pouco provável -, Nancy Stouffer poderá receber uma indenização milionária, já que os negócios em torno de Harry Potter se expandem em velocidade vertiginosa. Existem brinquedos sendo fabricados inspirados na série e Hollywood comprou os direitos de filmagem dos dois primeiros livros. Até o começo deste ano (2000), ninguém menos do que Steven Spielberg estava com o projeto nas mãos. Mas o desejo de J.K. Rowling de dar palpites no roteiro acabou afastando o cineasta, que prefere trabalhar com total independência. No lugar dele, entrou o diretor Chris Columbus, de Uma Babá Quase Perfeita e O homem Bicentenário. No Brasil, o maior desafio que Harry Potter terá de enfrentar será a concorrência de um outro menino-bruxo: Nino, o herói de Castelo Rá-Tim-Bum. Nascido como programa de televisão da Rede Cultura, Castelo Rá-Tim-Bum também gerou livros de bastante sucesso. A série de doze histórias, lançada pela editora Companhia das Letras, vendeu mais de 250.000 exemplares até o momento. Os números mostrarão se o feitiço escocês é mais forte do que a mandinga nacional.



Carlos Gomes além de O Guarani


Texto: Okky de Souza


Artigo extraído da revista Veja de 14/01/1998, pág. 81.


Fotos: Internet


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Carlos Gomes sempre foi discutido, comentado, apreciado ou odiado por uma única ópera: O Guarani, aquela cuja abertura é prefixo do programa A Voz do Brasil. Isso porque, até agora, não havia gravações disponíveis das outras óperas do compositor. A partir da próxima semana (após o dia 14/01/98), o selo Master Class coloca nas lojas série de CDs que vem preencher a lacuna. São gravações raras, que estavam em poder de colecionadores. No segundo semestre, o lançamento da ópera Joana de Flandres, jamais gravada, completará o pacote. Além da importância cultural, esse relançamento tem o mérito de revelar para o apreciador de música uma informação que apenas os especialistas conheciam: Carlos Gomes é muito melhor do que se pensava.


Depois e O Guarani, sucesso de público na Itália em 1870, o compositor colecionou fracassos. Não que a qualidade de sua produção tenha decaído. O que ocorreu foi um descompasso entre o compositor e o gosto popular. Longe de viver dos louros da estréia. Gomes preferiu seguir ousando. Ouvida hoje, Fosca (1873), ópera seguinte a O Guarani e que foi um desastre de público, é ainda melhor que sua antecessora. Traz inovações como o dueto de vozes femininas recurso que logo a seguir seria usado por Ponchielli em sua Gioconda e mais tarde por Puccini. "Em Fosca, apesar da instrumentação pesada, de grandes efeitos, a orquestra não encobre os cantores em nenhum momento - coisa rara nas obras da mesma época", explica o maestro Luiz Fernando Malheiro, que em novembro passado regeu uma montagem da ópera em Sófia, na Bulgária. Em O Condor (1891), Carlos Gomes recorre a um rendilhado de cordas e sopros para reforçar a intenção etérea do libreto, recurso inédito no melodrama italiano.


O temperamento instável do compositor brasileiro, que brigou com quase todos os empresários musicais de sua época, e o preconceito de que fora vítima por ser um imigrante e mulato podem ter contribuído para afastar sua obra do repertório lírico. Mas é inegável que ele tenha uma identidade marcante quando comparado a seus rivais do período. Daí a curiosidade atual em torno das pouco conhecidas óperas do campineiro. Depois que Placido Domingo o apadrinhou, encenando O Guarani por duas vezes, chegou a vez de Roberto Alagna, a maior voz da nova geração. Ao lado de sua esposa, a bela e talentosa soprano Angela Gheorghiu, o "quarto tenor" promete gravar neste ano (1998) um CD com árias e canções de Carlos Gomes. Com seu prestígio, pode recolocar o nome do compositor brasileiro no circuito internacional da ópera.

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