Um chá com sabor de pimenta
Viúva de Jorge Amado deve suceder a ele como imortal. Mas nem todo mundo gosta a ideia
Viúva de Jorge Amado deve suceder a ele como imortal. Mas nem todo mundo gosta a ideia
Texto: Flávia Varella
Extraído da revista Veja de 29 de agosto de 2001, págs. 143/144
Fotos: Internet
Desde a introdução do suflê de goiabada diet no cardápio de seu chá das quintas-feiras, os imortais da Academia Brasileira de Letras não se empolgavam tanto na discussão de um assunto. A questão é: quem vai suceder a Jorge Amado, morto no começo do mês? (agosto/2001) A cadeira vaga, a de número 23, é uma das mais nobres da instituição. Não houvesse ela sido ocupada até agora pelo popularíssimo e renomado Jorge, ainda seria preciso levar em conta outros antecedentes: seu patrono é José de Alencar e o primeiro ocupante foi ninguém menos que Machado de Assis, o maior escritor brasileiro. No fundo de cada coração imortal, calava o desejo de assentar ali uma figura de peso da literatura contemporânea. Fernando Sabino, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan e Moacyr Scliar eram alguns dos autores sonhados. Os candidatos que se apresentaram, no entanto, são de estirpe bem diferente. Primeiro veio Paulo Coelho, o ex-mago que resolveu aspirar à respeitabilidade literária. Em seguida, o apresentador Jô Soares anunciou suas pretensões na televisão, durante um diálogo constrangedor com a imortal Nélida Piñon. Tendo os dois desistido da ideia, quem se apresentou em seguida foi Zélia Gattai. Uma candidatura inatacável, à primeira vista. Ela foi a companheira inseparável de Jorge Amado e, caso seja eleita, será a primeira viúva a suceder ao marido. Durante alguns dias, tudo pareceu estar resolvido. Até que o jornalista Joel Silveira, de 82 anos, lançou-se às armas. "Zélia não quer ser eleita, quer ser aclamada", fuzila Silveira. "Sua arrogância, como se tivesse herdado a cadeira por direito divino, iritou-me tanto que me tornei candidato." Além da goiabada diet, o chá das quintas ganhou uma boa pimenta.
Ex-correspondente de guerra e autor de 38 livros, entre os quais o volume de memórias Na Fogueira (1998). Silveira não está sozinho em sua candidatura. "Isto aqui não é capitania hereditária nem condomínio de viúvas", esbreveja Lêdo Ivo um dos poucos acadêmicos que revelam abertamente sua opinião. O que incomoda os simpatizantes de Silveira é o ar de chantagem emocional da candidatura Zélia. Votar nela teria se tornado mais do que uma escolha, uma maneira de homenagear Jorge Amado. Não votar nela seria uma espécie de ofensa. "Acho até que ela vai ganhar, mas será nesse clima de tributo ao marido", diz Carlos Heitor Cony, que se declara eleitor da escritora. Outra eleitora de Zélia que preferiria vê-la concorrer em ocasião menos delicada é a ex-presidente da Academia Nélida Piñon. "Se ela vencer, vai ficar parecendo que não é por mérito, mas por sucessão", lamenta Nélida.
A própria Zélia já identificou o problema. Na primeira entrevista que deu como candidata, tratou logo de afirmar que só se sentiria confortável se fosse escolhida como base em sua trajetória de escritora. Essa trajetória diga-se de passagem, não é nem muito melhor nem muito pior do que a de boa parte dos imortais - entre eles lembremos, há personagens como Ivo Pitanguy, que como escritor é um ótimo cirurgião plástico, ou o ilustre desconhecido Tarcísio Padilha. Zélia é autora de doze livros publicados e mais um escrito, pronto para edição. Sua obra mais conhecida é Anarquistas Graças a Deus, transformado em minissérie pela Rede Globo no começo dos anos 80. Recentemente, ela voltou a frequentar as listas de mais vendidos com outro volume de memórias. Città di Roma. Sem ir tão longe quanto Joel Silveira, que qualificou a autora de "subliteratura de terceira categoria", pode-se dizer com tranquilidade que a literatura de Zélia é simpática - e nada mais.
No final da semana passada (que antecede a 29 de agosto de 2001), uma enquete entre os imortais dava a Joel Silveira cerca de 10 votos, num total de 39. Ao mesmo tempo, corria a notícia de que o ex-ministro da Educação Eduardo Portella, patrono da candidatura de Zélia, controlava o voto da metade de seus confrades. "Cada um é dono de sua cédula", desconversava ele. "Isto aqui é uma casa de vedetes." Mas, seja qual for o resultado do pleito, quem se importa de verdade, além dos imortais e daqueles que cobiçam uma cadeira na vetusta instituição? Há muito tempo a Academia Brasileira de Letras não produz nada de relevância cultural. Gera no máximo algumas fofocas curiosas, como a atual. E mesmo assim só de vez em quando.
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A dama ressurge
Sucesso da minissérie A Muralha traz à tona a autora Dinah Silveira de Queiroz
Extraído da revista Veja de 9 de fevereiro de 2000, pág. 130
Fotos: Internet
Livros que são adaptados para a televisão vão parar, quase infalivelmente, nas listas dos mais vendidos. É esse o caso de A Muralha, de Dinah Silveira de Queiroz. O acontecimento merece ser saudado nem tanto por causa da obra, um tanto datada em seu estilo rebuscado, mas por trazer à tona a autora, uma figura curiosa da cultura brasileira no século XX. Nos anos 40 e 50, a escritora paulista chegou a ser uma das mais vendidas do Brasil, ao lado dos hoje consagrados Jorge Amado e Érico Veríssimo. Seu livro de estréia, Floradas na Serra, publicado em 1939, quando a escritora tinha apenas 29 anos, foi um best-seller instantâneo, que teve diversas edições esgotadas posteriormente e virou filme. A Muralha publicada originalmente em capítulos pela revista O Cruzeiro, em 1954, e depois em livro, repetiu o sucesso editorial de suas obras anteriores. Antes de virar minissérie da Globo, ganhou várias versões para o rádio e, no final dos anos 60, virou novela de TV, numa adaptação assinada por Ivani Ribeiro e estrelada por Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg. É fácil entender por que os livros de Dinah vão parar com tanta facilidade nas telas, no rádio e na televisão. Seus enredos são repletos de movimento, e há várias sugestões sexuais, embora a escritora mantenha o decoro na liguagem.
Dinah não era uma mocinha ingênua e indecisa como suas heroínas. Segundo o acadêmico Antonio Olinto, amigo da escritora, ela era uma mulher refinada, "com ares de dama paulista", e fazia grande sucesso em sociedade. Um ponto de destaque da biografia de Dinah é que ela foi a primeira mulher a pleitear uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Sua inscrição, em 1970, foi rechaçada pelo presidente da entidade na época. Austregésilo de Athayde, com base no regimento da ABL. Tal fato provocou uma polêmica nacional que levou a uma mudança no regulamento da casa. A primeira a se beneficiar da mudança foi Rachel de Queiroz, parente distante de Dinah, eleita para a academia em 1977. Só em 1980 a autora de A Muralha ganharia uma cadeira, mas teve pouco tempo para saborear a glória. Morreu em 1982, de câncer.