sábado, 5 de julho de 2014

Há 10 anos morreu Marlon Brando, mas sua estrela continuará brilhando


Assim que me propus a registrar no Bússola Literária os 10 anos da morte de Marlon Brando, conversei com alguns amigos, principalmente do ambiente de trabalho sobre esse controvertido, embora talentoso astro do cinema. Para minha surpresa, poucos ouviram falar dele. Em relação aos filmes dos quais atuou, lamentavelmente nenhum havia visto sequer, O Poderoso Chefão, tão badalado e que lhe rendeu o seu segundo Oscar em 1973. Mesmo em se tratando de pessoas que se consideram antenadas e conectadas, desconheciam este ator que desempenou papéis notáveis no cinema. Daí autoquestionei-me: será que Elvis Presley e Bruce Lee, tiveram atuações mais expressivas que Marlon Brando? Quantos neste mesmo diapasão, por esse mundão de Deus, se encontram empunhando a mesma nota musical dó? Se é que podemos chamar desinformação a circunstância de desconhecer o valor de uma nota musical, desenhada nas linhas de um pentagrama valioso na partitura que irá dar brilho e sons melódicos, para uma sonata ou um belo arranjo orquestral. Seria mais apropriado considerarmos o substantivo, lástima, desventura.

Há 10 anos morre Marlon Brando, aos 90 anos e, a história do cinema se resume num epílogo: antes e depois de Brando. A revista Time, em 1999, citou Marlon Brando, junto a Charles Chaplin e Merilyn Monroe, entre as cem pessoas mais importantes do século passado. Nasceu em 3 de abril de 1924 e morreu em 1º de julho de 2004, em um hospital de Los Angeles por insuficiência respiratória.

De temperamento irrequieto e rebelde, tinha o dom da interpretação nas veias e na alma. De 1943 a 1944, estudou teatro no New School em Nova York, onde aprendeu o método “Stanislavsky”, que imprime uma técnica diferenciada, onde o ator se identifica de forma psicológica com o personagem, ou seja, incorpora aquele a quem está representando. Mas foi com Stella Adler a única professora nos Estados Unidos que realmente tivera contato com Stanislavsky, do Actor’s Studio, que Brando encontrou o seu caminho, tornando-se em pouco tempo, uma revelação no teatro e no cinema.

Marlon Brando foi um talento que o cinema até hoje tem como referência. Astros como James Dean, Paul Newman, Robert De Niro, Sean Penn, Al Pacino, Gene Hackman, buscaram inspiração e projeção seguindo o exemplo de interpretação e o legado inigualável de Brando.

No mesmo instante em que era considerado um gênio, sua outra face obscura e imprevisível tomava forma, tornando-o indomável e insurgente. Quando conquistou o seu segundo Oscar, em 1973, pelo filme “O Poderoso Chefão”, enviou uma representante indígena para recebê-lo e falar em seu nome, um discurso de protesto, escrito por ele mesmo, contra o modo que os Estados Unidos e Hollywood, tratavam de forma discriminatória os nativos americanos.

Sua maneira de pensamento lógico e de comportamento, era tão imprevisível que certa vez, declarou à revista Time, uma das mais respeitadas e lidas nos EUA, que ser uma estrela de cinema não é nada importante, Gandhi, Freud e Karl Marx, estes sim, eram importantes. Atuar era uma atividade tola e chata. Todo mundo sabe representar e exemplifica: “Quando queremos algo, quando queremos que alguém faça algo, nossas atitudes são uma representação, portanto, atuamos o tempo todo.”

O cineasta Martin Scorsese, o jornalista Weden Carlos e muitos outros críticos e amantes do cinema o considerou como sendo o maior ator de todos os tempos. Scorsese chegou a dizer: “Existiu o cinema antes e depois de Marlon Brando.” 

Várias divas do cinema e socialites norte-americanas, não resistiram ao seu encanto e o seu poder de sedução. Por vários motivos, dentre eles, sua aparência máscula, vigorosa e suas impetuosidades nada convencionais. Seu primeiro casamento foi com Anna Kashfi, depois foi com a atriz Movita Castaneda e finalmente com uma nativa de Bora Bora, Tarita Teriipia. O número de filhos até ele desconhecia, estima-se que 16, mas reconhecidos foram apenas 11: Christian, do seu relacionamento com Anna Kashfi; Miko Brando e Rebecca, filhos com Castaneda; Teihotu e Cheyenne, com Terita Teriipia; Nina, Myles e Timothy Brando, com Maria Ruiz; e outras duas filhas Maimiti Brando e Raiabua que pouco as conheciam.

Marlon Brando deixou uma herança avaliada em US$ 21,6 milhões, entre imóveis de luxo, valiosa coleção de obras de artes e roteiros de cinema. Todo esse patrimônio foi dividido entre os 10 filhos vivos, já que Cheyenne não pertencia mais ao mundo terreno. Excluiu da bolada, conforme testamento, a filha adotiva Petra Brando Corval e o seu neto Tuki Brando, filho de Cheyenne.

O início do desapego profissional e consigo mesmo, começou em 1980, quando se retirou para a ilha de Tetiaroa, na Polinésia Francesa, um balneário de luxo na ilha que comprou no Taiti em 1966. Nesse período Marlon Brando, ganhou peso (40 quilos) causado pela comilança desmedida, sendo várias vezes, fotografado usando largo sarongue polinésio. Seu corpo foi cremado em cerimônia privada em Los Angeles e suas cinzas jogadas ao mar, na ilha Tetiaroa de sua propriedade. Morre um astro gênio de Hollywood, mas sua estrela jamais deixará de brilhar.


Talento de Marlon Brando fez dele um dos atores mais marcantes do cinema
Por Inácio Araújo
Especial para o UOL




Marlon Brando nasceu para brilhar e sabia disso. Era o aluno mais brilhante da classe no Actor’s Studio, mas também indisciplinado e, segundo colegas, preguiçoso. Isso não o impediu de revelar já em seu filme, “Uma Rua Chamada Pecado” (1951), não apenas o carisma e a beleza máscula, como também o imenso talento.

A história chegara ao cinema pelas mãos de seu mestre no Actor’s e no teatro, Elia Kazan, e o filme era uma adaptação da peça de Tennessee Williams que Brando interpretara durante dois anos, em 1947 e 1949, na Broadway, sempre sob a direção de Kazan.

“Uma Rua Chamada Pecado” representou sua primeira indicação ao Oscar de melhor ator, que perdeu para Humphrey Bogart em “Uma Aventura na África”. Com Kazan rodaria ainda “Viva Zapata” (1952), e dois anos depois, em 1953, “Sindicato de Ladrões”, que rendeu seu primeiro Oscar de melhor ator.

Marlon Brando não precisava fazer grande esforço para ser grande. Foi um magnífico Marco Antonio em “Júlio César” (1953), de Joseph L Mankiewicz – adaptado de Shakespeare – e, com a mesma desenvoltura, o motoqueiro de “O Selvagem” (1953), que podia não ser um grande filme, mas marcava, junto com James Dean, a figura do jovem rebelde.

O sucesso parecia entediar Marlon Brando. Suas interpretações tornaram-se, com o tempo, mecânicas. Impunha-se o carisma. Havia exceções, como o belo “Casa de Chá do Luar de Agosto” (1956), de Daniel Mann. O faroeste “A Face Oculta” (1961), dirigido por ele mesmo: uma realização caprichada, mas também caprichosa, demorada, dessas de deixar o produtor enlouquecido. O legado ainda hoje parece formidável – para ele e para Karl Malden, seu parceiro de Actor’s Studio.

Na virada dos anos de 1960 e 1970, com o mundo se esquerdizando, Brando parece ter encontrado a si mesmo, o que concretizou numa série de belos papéis. Em “Queimada (1969), de Gillo Pontecorvo, depois em “O Poderoso Chefão” (1972) e “Apocalypse Now” (1979), com Francis Ford Coppola, e em “O Último Tango em Paris” (1972), de Bernardo Bertolucci.
Foi como se os novos tempos representassem um novo desafio para Brando, como se precisasse voltar ao investimento dos primeiros tempos. Mas Brando já era uma outra pessoa. Contemplado com um segundo Oscar, por “O Poderoso Chefão”, mandou para recebê-lo uma índia, em sinal de protesto contra o genocídio praticado pelos brancos e o tratamento atual aos nativos da América do Norte.

A partir dos anos 1980, a carreira de Brando se caracterizou, sobretudo, por participações especiais, em que recebia grandes cachês por pouco tempo de filmagem. Vendia seu nome, resumindo, sabia do seu valor de troca e parecia se incomodar cada vez menos com seu valor de uso.

Nos últimos anos de vida, aliás, vários dos papéis que aceitou foram para pagar os advogados que representavam os seus filhos. Brando disse certa vez que fora um péssimo pai, e os fatos o confirmavam. Um de seus filhos passou anos preso, por assassinato do cunhado. A filha se suicidou.

Tudo que de sóbrio já anunciava o personagem do “polaco” Kowalski em “Uma Rua Chamada Pecado” ou “Um Bonde Chamado Desejo”, no teatro e na vida, parecia ressurgir no corpo desse homem agora envelhecido, entristecido e, sobretudo, imensamente obeso: como se o ódio a si mesmo devesse se manifestar em sua imagem.

Em 1º de julho de 2004, Marlon Brando se despede da vida terrena, envolto em sua própria sombra. Ninguém mais tinha dúvida de que sua vida turbulenta se refletira em uma das presenças de ator mais criativas e marcantes de todos os tempos.



François Forestier descreve Marlon Brando em biografia
por André Barcinksi
Folha Ilustrada

O jornalista francês François Forestier não se esquece de seu primeiro encontro com Marlon Brando: “Ele era magnético, elétrico, encantador e, ao mesmo tempo, tinha algo de repulsivo. Eu podia ouvir na minha cabeça: Perigo... perigo... perigo...”.
Marlon Brando (1924 – 2004) foi o maior ator de sua época, mas sua vida foi uma sucessão de tragédias. Lindo, seduziu centenas de mulheres e homens, dormiu com metade de Hollywood e destruiu a vida de muita gente. Uma filha se matou, assim como várias amantes. O filho foi acusado de assassinato. Por onde passou, o ator deixou corações arrasados e vidas despedaçadas. No final de sua vida terminou sozinho, obeso, deitado num sofá, sem receber nem os amigos.
Forestier, crítico de cinema da revista francesa ”Le Nouvel Observateur”, levou dois anos para escrever “Marlon Brando – A Face Sombria da Beleza”, uma biografia curta e arrasadora sobre o ator que mudou o cinema. 

O livro foi amadurecendo durante três décadas, durante as quais ele entrevistou dezenas de amigos do ator. “Brando era extraordinariamente sedutor, e cada testemunha estava feliz em compartilhar suas histórias comigo. Este homem tinha tantas amantes que o livro poderia parecer um catálogo telefônico”, conta Forestier. Justifica sua admiração por Marlon Brando: “Era um ator incomparável e uma pessoa abominável, um monstro. Me interesso por monstros, acho que eles são nosso verdadeiro lado humano. Tentei revelar a monstruosidade do seu mundo.”
O autor diz que ficou impressionado com a forma egoísta com que Brando tratava mulheres e filhos. “Ele simplesmente não se importava com ninguém. Era um monstro do ego, um monstro de infelicidade, um poço de solidão, sem bússola moral, sem senso de direção”, avalia Forestier. E acrescenta: “Nos últimos anos de sua vida, estava apenas se inclinando sobre a autodestruição, arrastando todos os seus filhos. Algumas pessoas sonham com a criação de um mundo em chamas. Brando sonhou em fazê-lo desaparecer num buraco negro.” 

Forestier descreve os filmes estrelados por Brando, e é curioso perceber como o grande ator de obras-primas como “Sindicato de Ladrões” (1954) e “O Poderoso Chefão” (1972) também se meteu em abacaxis. Revela ainda o autor da biografia: “O mito de Brando é tão esmagador que ele se torna mais importante que seus filmes. A verdade é que um bom ator, está no seu melhor em filmes ruins. Sua arte transcende tudo. Se você gosta de Brando, esquece os abacaxis que estrelou”, expõe sua amargura em relação a Marlon Brando, Forestier.
Até hoje, diz o jornalista, não há ator que se compare ao talento de Marlon Brando. “Há um período, antes de Brando e, depois de Brando. Ninguém o igualou até hoje. Ele era o deus dos atores e o diabo também”, conclui.



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