Bússola Literária está contente poder retratar a carreira vitoriosa do quadrinista Mauricio de Sousa nos últimos anos. Esta é uma homenagem comemorativa ao seu aniversário de 80 anos. No dia 27 de outubro de 1935, nascia em Santa Isabel-SP, o mais notável expoente dos quadrinhos brasileiro, a ocasião merece um brinde, tim tim. Quando referimos os últimos anos, se deve ao vasto e variado material que você encontra disponível na Internet. Vão perceber que nem tudo foram flores para o nosso homenageado. Em seu caminho surgiram vários contratempos que o impediram dar sequência aos seus sonhos de incrementar projetos duradouros. Os motivos estão visíveis no decorrer da leitura.
Para esta publicação Bússola
Literária, teve o cuidado de evitar ser repetitivo, mas no decorrer das
pesquisas, vão notar que se trata de uma tentativa praticamente impossível,
mesmo porque, os personagens da Turma da Mônica estão em todos os quadrantes da
vida das crianças no Planeta. No entanto, tenho certeza que ficarão um pouco
mais conectados com o BL, não só pelo material escrito, mas, sobretudo pelos
vídeos.
Sabemos o quanto somos preguiçosos para estar acompanhando todas as ações e movimentações desse mega desenhista e empresário das HQs. Então vamos fazer um tour pela galáxia de Mauricio de Sousa e sua galerinha que contagia pela leveza de suas historinhas, tupiniquins e alienígenas em todo universo onde há uma criança ou adulto que um dia teve na infância a liberdade para brincar, correr e contemplar a alegria de ser feliz.
O Portal Japão, revista online
da comunidade japonesa no Brasil, publicou em 13 de janeiro de 2008, na sua
coluna Arte e Cultura, artigo assinado por "mkanno", sob o título: Mauricio de Sousa é definido para criar
mascote do Centenário, após concurso sem vencedor, em que esclarece a
tentativa frustrada da Associação para Comemoração do Centenário da Imigração
Japonesa no Brasil (ACCIJB), para definir a mascote do evento. Cerca de 200
trabalhos foram inscritos, no entanto, nenhum deles conseguiu exprimir a
essência do acontecimento, conforme imaginara a ACCIJB. Para essa missão,
procuraram o Mauricio, que se prontificou de imediato. “É uma honra e um
desafio que já considerava aceito. Estou pensando numa mascote que as pessoas
entendam e se identifiquem, e que, simbolize a magia do Centenário. Esse
trabalho é gratificante e gostoso. Requer cuidado e carinho, porque o
personagem está nascendo aos poucos, do coração”, explica Mauricio.
Por outro lado, o desenhista
tem motivos para estar contente com a missão. Desde 1963, Hiro, personagem nas
histórias rurais da Turma do Chico Bento, vem representando a comunidade
japonesa, através das HQs. Hiro ou Hiroshi é nissei e mantém as tradições
orientais dos seus ascendentes. Em 1994, outros dois personagens de origem
japonesa Nibus e Do Contra, também incorporaram às criações de Mauricio.
Inclusive Do Contra, foi inspirado no filho caçula do autor, com Alice Takeda,
descendente de nissei, com a qual tem outros dois filhos.
Do resultado
desse compromisso assumido com a ACCIJB, Mauricio criou as mascotes Tikara e
Keika. Em obidiência as perspectivas de inovações e ressaltando a tendência dos
mangás, a Turma da Mônica Jovem reforçou a parceria entre o Mauricio e o
mangaká (desenhista de mangás) Osamu Tezuka, falecido em 9 de janeiro de l989.
Na edição nº 43 da Turma da Mônica Jovem, traz um crossover entre os personagens da Turma e os do mestre desenhista
japonês Osamu, criador de obras como, A Princesa e o Cavaleiro, Astro Boy e
Kimba, o Leão Branco. Esta edição especial da Turma da Mônica Jovem é um
convite aos jovens brasileiros a visitarem o Japão pós-tsunami, para
presenciarem sua reconstrução. A qual demonstrou como essas ações foram felizes em
aproximar Brasil e Japão por meio da interação cultural.
Em reconhecimento à sua
contribuição com a integração cultural Brasil-Japão, Mauricio de Sousa, foi
agraciado com a Ordem do Sol Nascente,
Raios de Ouro com Roseta, honraria concedida diretamente pelo Imperador do
Japão, Akihito, para personalidades que notadamente contribuíram para a divulgação da
cultura japonesa em seus países. Esta comenda foi criada em 1875, pelo Conselho
do Estado e entregue ao desenhista pelo Cônsul Geral do Japão em São Paulo,
Noriteru Fukushima, a qual tem em seu nome a expressão “Sol Nascente”, que
simboliza a energia e o poder dos raios do Sol, simbolizando o Japão. O
processo de escolha é estudado por meses, sobre farto material captado a
respeito dos possíveis laureados, em total sigilo, para não despertar
expectativas. Neste processo, são colhidos materiais e testemunhos que
justifiquem a láurea e o homenageado é comunicado somente quando todos os
procedimentos estiverem concluídos.
A obra do autor é publicada em
32 idiomas e distribuída em 50 países. O maior mercado é a Indonésia, onde, por
muito tempo, acreditou-se que a Mônica era um personagem local. “Quando a
revista saiu lá, o país estava num regime ditatorial que proibia menção ao
português por causa da briga com o Timor Leste”, conta. Agora, a meta do
quadrinista, que vendeu 1,2 milhão de cópias de livros no Brasil em 2012 (o
número de revistas em bancas ele não informa), é se firmar no mercado de
animações para crescer no exterior, especialmente nos países de língua inglesa,
onde é inédito. “Estou me reservando para os Estados Unidos. É a última
fronteira”, brincou.
O jornal Folha de São Paulo na
edição de 13 de outubro de 2013, publicou no seu caderno Folha Ilustrada, por
meio dos enviados especiais, Cassiano Elek Machado e Raquel Cozer, matéria
sobre a Feira do Livro de Frankfurt, na qual Mauricio de Sousa e outros
cartunistas também estavam presentes. Nesta matéria Mauricio revela ter
sofrido boicote de distribuidora na Europa. Contou que, nos anos 80, publicou,
por quatro ou cinco anos, a Turma da Mônica na Europa, com tiragens de 50 mil
exemplares, vendidos especialmente na Alemanha.
Esclarece ainda: “Mas começamos
a esbarrar em esquemas existentes de empresas que publicavam quadrinhos
naqueles países, as quais temiam que a gente atrapalhasse.” Acrescentou dizendo ter
descoberto, com um jornaleiro português que morava na Suíça e conhecia seu
trabalho, que as bancas tinham “recebido ordens da principal distribuidora para
não vender e devolver todo o material à editora”, diz.
“O jornaleiro me mostrou as
revistas no fundo da banca. O grupo, não vou citar qual, temia que dominássemos
o mercado”, disse. Os quadrinhos eram publicados na Europa por selos ligados à
alemã Ehapa Verlag.” Disse ainda Mauricio, ele preferiu interromper as
publicações. Só agora, depois de iniciativas isoladas, Mauricio de Sousa está
voltando aos principais países do mercado europeu, segundo informou em
entrevista à Folha após o debate.
O jornal O Globo, publicou na
sessão Religião, da sua edição de 28 de novembro de 2014, matéria sob o título Mauricio de Sousa lança Meu pequeno
evangelho, livro da Turma da Mônica sobre o espiritismo. O livro traz
André, primo espírita do pai de Cascão, ensinando ao Cebolinha, Cascão, Magali,
Anjinho, Penadinho e aos demais, a doutrina codificada no século XIX pelo
francês Allan Kardec. A obra publicada pela Editora Boa Nova, lançada em
dezembro na livraria Cultura, na presença de Mauricio, ressalta a Turma da
Mônica aprendendo os ensinamentos de Jesus Cristo, contidos no Evangelho segundo o espiritismo,
principal obra do kardecismo.
Para esta nova fórmula de levar
os ensinamentos espíritas sobre o cristianismo às crianças, as 64 páginas do
livro foram ilustradas por Mauricio e idealizadas pelo designer peruano Luis Hu
Rivas e pelo administrador baiano Alã Mitchell, ambos espíritas. Na história, a
Turma da Mônica recebe a visita de André, primo do Seu Antenor, pai do Cascão,
seguidor da religião. Esta visita desperta nas crianças a curiosidade sobre os
conceitos do evangelho que todos podem usar no dia a dia, independente da
religião através da qual devotam sua fé. São mensagens de amor, caridade, pureza,
paz, felicidade, humildade, misericórdia, perdão... contadas de forma divertida
utilizando-se os personagens como mensageiros.
Em entrevista
a Alexandre Lucchese, do jornal Zero Hora, edição de 06 de dezembro de 2014,
cuja qual acreditamos ser a última com tamanha abrangência e consistência
publicada até o momento, o extraordinário Mauricio, fala da carreira e dos
planos para o futuro. A entrevista aconteceu durante a realização da 60ª Feira
do Livro, em Porto Alegre-RS, na qual o autor quadrinista, realizou uma sessão
de autógrafos que durou mais de três horas. Leia na íntegra a entrevista:
O senhor veio a Porto
Alegre para lançar um álbum comemorativo aos 50 anos da personagem Magali. Qual
foi a inspiração para essa que é uma de suas criações mais reconhecidas?
Mauricio: A Magali
não rejeita um bom prato, é alegre, sempre de bem com a vida. Ela tem muito a
ver com minha filha Magali, que é permanentemente festiva e muito brincalhona.
Foi em cima das características dela que, muitos anos atrás, eu criei a
personagem. Era um tempo em que estava precisando de personagens femininos. É
preciso lembrar que, quando ela apareceu, o grupo não se chamava Turma da
Mônica, e sim, Turma do Cebolinha – ele havia sido criado antes e mandava na
história. A Magali dos quadrinhos nasceu na mesma época da Mônica, também
inspirada em uma das minhas filhas. Na vida real, Magali tinha um ano e meio, e
a Mônica tinha dois anos e meio.
Mauricio: Sim, a
Mônica apareceu e roubou a cena com seu temperamento forte. No entanto, entre
os leitores, Magali tem tanta força quanto ela. Mônica é mais lembrada, mais
forte, mas Magali é mais carinhosa. Em qualquer lugar, se perguntarem que
personagem as crianças querem que eu desenhe as duas vão ter o mesmo número de
pedidos.
Além dos livros e
revistas, seus personagens estão em diversos empreendimentos e produtos
comerciais. O senhor imaginava que poderiam alcançar tanto sucesso?
Mauricio: Não. Na
minha vida inteira, evitei trabalhar com futurologia, porque se a expectativa
não fosse cumprida, ficaria frustrado. Mas desde sempre eu queria fazer
exatamente isso que faço. Já era meu desejo criar histórias em quadrinhos,
desenhos animados, parques temáticos, merchandising, tudo antes de construir
esses personagens que construí. A única coisa que não planejei há 50 anos foi a
internet, já que não havia como adivinhar que ela viria. Mesmo assim, em cima
das histórias da época, intuí que viria uma tecnologia que transformaria tudo.
As histórias em quadrinhos anteviram aspectos da
sociedade atual?
Mauricio: Vi os
primeiros sinais disso nas histórias de Alex Raymond (1909 – 1956), criador do
Flash Gordon. Ali havia de tudo: televisão, minissaia, viagem interplanetária.
As HQs anteviram muitas coisas que aconteceram, estão acontecendo e acontecerão
em diferentes campos: tecnologia, relações humanas, aspectos sociais. E até
coisas mais trágicas, como o fim do mundo, a crise da falta de água e o
desmatamento. Nas nossas histórias, fomos sempre muito suaves nas tomadas de
posição, mas há 50 anos Chico Bento já falava em ecologia, na importância do
cuidado com a natureza, que hoje é um dos temas da hora.
Quais foram as maiores
dificuldades para desenvolver esses temas?
Mauricio: Às vezes,
é preciso ter cuidado com as respostas, pois, quando você pergunta isso, a
primeira coisa que vem à mente é “puxa vida, se eu não estivesse no Brasil,
conseguiria tudo com mais facilidade”. Mas não posso me queixar, consigo fazer
muitas coisas aqui, mesmo vivendo em um lugar em que há tantos obstáculos.
Agora, uma grande frustração é que tenho os melhores personagens, cerca de 2,5
mil produtos em linha permanentemente e, no entanto, estou impedido de exportar
esse material para alegrar a criançada no exterior por causa do Custo Brasil.
Vários países, organizações, lojas e distribuidoras nos procuram, mas não
podemos atendê-los porque esbarramos em um sistema que não está preparado. Isso
talvez nos levará a uma situação que eu desejaria que não chegasse: vamos
precisar fabricar no exterior e exportar para o Brasil a Turma da Mônica em
produtos de outros países.
Um grande desafio parece
ser o dos parques temáticos. O Parque da Mônica foi fechado em 2010, deixando
dívidas de R$ 40 milhões. Por que isso ocorre?
Mauricio: Ainda não
existem brinquedos de tecnologia sofisticada no Brasil, e por isso é necessário
importar. Aí, de novo, o fantasma do Custo Brasil chega – fica pesado, a conta
não fecha, então não dá para fazer parques temáticos no Brasil. Não quero mais
ser dono de parques temáticos. Isso é uma coisa para grandes investidores,
grandes grupos que podem trabalhar com o que eu crio. O que estou fazendo,
neste momento, é a busca para fechar negócios com essa fórmula. Posso criar
tudo, dar cobertura, alimentar um parque inteiro com elementos e temas,
personagens e o que for, mas minha atividade propriamente dita deve ser cada
vez mais focada na criação de conteúdo. Só. Para o restante, é preciso
investidores. No cinema, ocorre o mesmo. Estamos negociando com organizações
que mexem com isso no mundo todo. No que diz respeito aos parques, a coisa
ainda está mais devagar, não temos grandes investidores. Mas essas novas
fórmulas irão sair do papel. Enquanto não saem, estamos investindo em desenhos
animados para a televisão, que não é um mercado tão pesado em termos de custos.
Um grande desafio parece
ser o dos parques temáticos. O Parque da Mônica foi fechado em 2010, deixando
dívidas. Na sua opinião, o Estado deveria apoiar empreendimentos como esses?
Mauricio: Não. Não
devemos contar com o Estado, nem no Brasil, nem em outros lugares do mundo. O
único país em que o Estado, em alguns momentos, foi decisivo, muito forte e
ajudou bastante foi o Japão. Lá, o governo torce, investe, faz com que os mangás
sejam um produto de exportação maravilhoso. Mas, mesmo assim, há crises. Não
crises do sistema, mas de excesso de artistas, ideias e personagens. Eles fazem
muito e, sempre que há excesso, alguém sofre. Sem dúvida, em algum momento,
nossos produtos também estarão no Japão. Estou abrindo um sistema para poder
trabalhar com maior liberdade em vários países, promovendo nossas criações em
escala mundial. No Brasil, já temos mais de 80% do mercado de publicações
infantojuvenis (de histórias em quadrinhos). Sem megalomania, vamos buscar a
expansão, devagarinho, fazendo o que dá. Sou jovem e tenho muito tempo de vida
pela frente. Acho que poderemos brincar bastante (risos).
Na hora de criar
histórias e personagens, como você faz para se comunicar com públicos de
diferentes idades e lugares?
Mauricio: É preciso
focar uma área do público e ir em direção a essa faixa. Eventualmente, nas
beiradas há uma pessoa que, por aproximação também pode gostar. O ideal é que o
conteúdo, o texto e a ideia sejam bons. E que você respeite o leitor, mas jogue a
mensagem com uma linguagem fácil, transparente. Se você fizer isso, pegará
publico sempre. Para facilitar um pouco a vida, eu tinha as histórias infantis,
que fizeram o maior sucesso, mas, em algum momento, estrategicamente tive de
criar um produto para os jovens, porque a criançada estava largando minha
revista com 10 ou 12 anos achando que “era coisa de criança”. E aí eles iam ler
mangá japonês. Então, resolvi criar o mangá caboclo, que é a Turma da Mônica
Jovem. Fiz esse trabalho nos mesmos moldes físicos dos mangás japoneses e, hoje,
a Turma da Mônica Jovem se tornou a nossa revista de maior sucesso.
Depois dessa incursão
junto aos jovens, qual é o próximo desafio da Turma da Mônica?
Mauricio: Já que
estamos na adequação de gostos e estilos, estou pensando na Turma da Mônica
Adulta, que vai nos dar um trabalho danado e assusta o pessoal do meu estúdio.
Sei que vou me arrepender desse negócio, mas já comecei o trabalho (risos).
Preciso de mais uns três anos para começar a colocar no papel. É bastante
tempo, mas é assim. A Turma da Mônica Jovem demorou uns cinco anos para ser
lançada. Demorou para que eu convencesse o pessoal do estúdio de que era
possível, viável. Lá, cada desenhista se sente um pouco dono da turma, então
todos ficam assim meio “Ih, meu Deus, vamos mexer! Por que mexer em time que
está ganhando?”. Mas precisamos mexer! É questão de maturação da proposta
editorial. Na medida em que o tempo passa, os gostos se alteram e a vida também
muda. Precisamos estar prontos para as mudanças, fazer parte delas, estar
dentro delas.
Em 2009, uma de suas
publicações para jovens, a revista Tina, causou repercussão ao sugerir que o
personagem Caio fosse homossexual. Como é lidar com os temas tabus?
Mauricio: Quando o
Caio surgiu, houve uma grita por parte do público: “Que pecado, que isso, que
aquilo...” Há, ainda, muito preconceito quando se trata de propostas ligadas a
qualquer coisa sobre a sexualidade. Como nossas histórias alcançam crianças,
quem compra as revistas são os pais delas, que geralmente são mais
conservadores do que os filhos ou mesmo os mais jovens. Então, realmente, tenho
que ter cuidados. Falo para o meu pessoal de criação e roteiristas que a Turma
da Mônica não deve levantar bandeiras, que essa não é a proposta das nossas
revistas. Se as bandeiras estiverem mais consolidadas, podemos voltar a
tocá-las, mas fazemos tudo no seu tempo.
Mauricio: Sim, é
totalmente diferente. A Mafalda faz críticas contundentes, é uma personagem
política. Já a Turma da Mônica brinca e faz algumas críticas veladas em alguns
assuntos. Gosto mais do Quino como chargista do que como quadrinista. Como
chargista, acho ele um dos melhores do mundo. Somos amigos, ele já foi ao meu
estúdio duas vezes para ver como criamos as coisas, como tudo funciona lá. A
Mafalda é um exemplo de como os quadrinhos, aparentemente infantis, podem mexer
nas vísceras de um sistema.
O senhor nunca buscou a
mesma contundência?
Mauricio: Desse
modo, nunca busquei. Seria perigoso para a sobrevivência do meu estúdio. Fomos
suaves. Em alguns momentos, como no período da ditadura militar, fizemos
algumas parábolas, histórias que o leitor poderia entender de outra maneira. O
Astronauta, por exemplo, tem uma história em que vai a um planeta onde cantar é
proibido e dá cana. Ele é preso por chegar lá assoviando e encontra um rapaz na
cadeia, preso por gostar de música, tocar guitarra e cantar. O Astronauta
descobre que o garoto é da família do dono do planeta, mostrando que
perseguição não tinha cor nem razão, não fazendo distinção na hora de prender e
castigar. Isso foi no tempo do Figueiredo. Já no tempo do Geisel, fiz a Turma
da Mata, na qual o Rei Leonino vigia toda a comunicação e a única coisa que lhe
escapa são as histórias em quadrinhos. Então ele resolve que quer vê-las antes
de serem publicadas e manda trazer o desenhista, um sujeito parecido comigo.
Ele chega com sua equipe, arruma um lugar para todos trabalharem e, com isso,
mostro como são feitas as HQs. Mas também
faço uma sugestão de como o controle acontecia no regime: não é o rei que precisa
ver as tiras. Há um local obscuro do castelo em que o ministro entrega os
desenhos para uma turma que fica ali oculta, em escuridão completa. São os
censores ou as eminências pardas, o pessoal que manda de verdade, dizendo se
deve sair ou não.
Isso não lhe rendeu
problemas?
Mauricio: Por
incrível que pareça, não. Fiquei esperando os censores passarem pelo estúdio
para me dar susto, mas não houve nenhum problema. Recentemente, conheci por
outros motivos um sujeito que fora secretário do Golbery do Couto e Silva,
tachado como o articulador dos destinos da ditadura. Quando ele me contou que
era secretário, perguntei: “Me mata uma curiosidade: vocês nunca viram tal e
tal história que eu fazia? Nunca houve nada comigo”. Ele me disse: “É lógico
que a gente via, mas era uma história em quadrinhos, com personagens infantis.
Já estava uma pressão danada sobre o governo, era preciso haver alguma pequena
válvula de escape. A gente achava que aquilo não era tão perigoso a ponto de
inflamar a população. Assim, você acabou se safando”.
O senhor disse
anteriormente que tem um dos maiores merchandisings infantis do Brasil. Uma das
críticas a esse tipo de publicidade é que ela estimula o consumo em crianças.
Mauricio: Tomara
que estimule bastante o consumo, porque os produtos são bons, a mensagem é
legal, está movimentando a economia, dando emprego para uma porção de gente.
Cerca de 30 mil pessoas trabalham na produção dos nossos artigos dentro de
diversas indústrias. Somo invadidos por empresas do mundo inteiro porque
deixamos esse vazio. Então tramitando projetos em Brasília para proibir
publicidade infantil, uso de personagens nos rótulos... Imagina: a embalagem de
uma boneca não poderá ter a imagem da própria boneca! São coisas tão absurdas
que não dá para compreender. Não dá para aceitar que deputados e senadores
estejam perdendo tempo em um país com tantos problemas sérios, com proibições
em uma área de produção que poderia nos tornar exportadores de conteúdo para o
Japão e a China. Se o Brasil tivesse facilidades na produção e na exportação,
logo poderia estar brigando com esses dois países, mas sucatearam as
indústrias. São heróis aqueles que seguem produzindo e investindo no Brasil.
Mas a crítica é que as
crianças não sabem diferenciar o que elas veem na publicidade do que é a
realidade, fazendo com que consumam sem o mesmo discernimento dos adultos.
Mauricio: Antes
mesmo das gritas atuais, eu já não fazia publicidade agressiva. Sempre tive o
maior cuidado do mundo. Além disso, há uma legislação atual para podar e tomar
providências sobre abusos. Mas há um pessoal que acha que o Estado deve
substitui os pais no cuidado com as crianças. O que estão tentando fazer é
puxar o pátrio poder para o Estado. Pensa: o Estado cuidar do que as crianças
podem ou não fazer. Isso dará um bode danado, vai prejudicar muito essa
criançada que não vai ter como brincar, como optar por um brinquedo, como
discutir um desejo. Estão ignorando os pais como grandes exemplos para as
crianças. Isso é desonesto com pais e mães.
Mauricio: Se eu não
a retirasse, seria linchado. Eu não fiz a foto, apenas a publiquei. A menina
tem apenas 12 anos, mas é muito bem informada, fazia propaganda para a
televisão. Ela e dezenas de crianças perderam trabalho na TV por conta dessa
grita toda. Alguns desses atores-mirins tinham papel importante para sustentar
famílias mais simples. Foram os primeiros a perder por conta dessa onda toda
contra a participação das crianças na publicidade. A retirada da foto não
representa uma mudança de opinião minha. Apenas pensei em proteger a menina.
Suas histórias infantis
permanecem usando elementos de um Brasil mais pitoresco, das crianças brincando
no campinho enquanto as mães preparam bolos e os deixam esfriar nas janelas.
Como seguir reproduzindo esse cenário para leitores que crescem cada vez mais
imersos em um ambiente povoado de tecnologia?
Mauricio: Eu misturo
tudo isso. Se você percorrer esse Brasil, vai encontrar crianças brincando do
mesmo modo que o Chico Bento, o Cebolinha e o Cascão. E também encontrará um
monte de garotos convivendo com alta tecnologia, jogando e criando jogos em
computador. As crianças estão sempre brincando de futuro, com alguma coisa que
poderão fazer com recursos melhores quando adultas. Por isso, não se pode
brecar a criança, sob pena de quebrar-se um espaço de criação que fará falta
ali adiante. As crianças devem ter a experiência do campinho, de brigar por
causa do bolo na janela e, ao mesmo tempo, também devem ter liberdade para
sonhar, para entrar em um caixote e ir para a Lua através da imaginação.
O senhor tem filhos e
parentes trabalhando em seu estúdio. Alguns administradores consideram essa uma
conduta arriscada. Como funciona isso no seu trabalho?
Mauricio: Não é
arriscado, é trabalhoso. Tenho 10 dedos para tomar conta de 10 filhos. Talvez
essa seja a cota ideal (risos). Você precisa ter alguns cuidados básicos. Por
exemplo, um filho não pode ser chefe do outro. Eles precisam trabalhar em áreas
distintas, para que um não esbarre muito no trabalho do outro, mas não o
suficiente para impedir que interajam. O pessoal que está na parte da criação
musical interage com o teatro, assim como o teatro interage com o cinema e o
desenho animado. Faço essa ginástica, e tudo acaba funcionando.
Para assistir as historinhas da Turma
da Mônica no YouTube, clique aqui e escolha o vídeo da sua
preferência. Para assistir o vídeo historinha da Turma do Chico Bento, clique
aqui.
A propósito, você já acessou a fan page do meu livro infantil Juju Descobrindo Outro Mundo? Não imagina o que está perdendo. Acesse: www.fecebook.com/jujudescobrindooutromundo.
E o site da Juju Descobrindo Outro Mundo, já o acessou? Se eu fosse você iria conferir imediatamente. Acesse: www.admiraveljuju.com.br
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