Texto (crônica) enviado pelo biólogo
e agora também se dedicando a escrever
Pedro Henrique Baima Paiva.
Eu recomendo.
Eu tinha apenas 12 anos a primeira vez que vi o jardim. Meus pais sempre visitavam aquele país da América do Sul. Um país exótico e ensolarado com pessoas risonhas que caminhavam puxando seus carrinhos de compras e conversavam entre sonoras gargalhadas. Para um garoto acostumado com o gelo como eu aquele matiz de cores proporcionado pelos raios do sol impressionava muito. Na ultima vez que voltamos juntos, porém, um trágico acidente marcou nossas vidas para sempre, e a minha talvez mais que a de todos. Voávamos há horas e nosso destino já se agigantava no horizonte quando uma estranha descarga elétrica acertou o avião que em pane despencou do céu em um espiral de fumaça e terror. O fogo foi visto primeiro, depois escutamos as explosões, três ao que me lembro, e na última delas senti meu corpo ser agarrado e jogado para fora do aparelho. Tudo aconteceu muito rápido e a partir de agora leitor, desconfie dos fatos extraordinários que vou contar, pois até para mim parecem invenções de uma mente perturbada pelo medo e desespero frente à morte eminente. Minhas lembranças da queda em si são muito confusas, pois em meu delirante salto para o chão um arquipélago me esperava para esborrachar, mas isso não aconteceu e eu acordei em cima de uma folhagem tão densa que tive que deixar meu casaco para me livrar dos galhos torcidos que com um efeito de molas amorteceram meu impacto fatal. Caminhei alguns minutos, mas não tinha nem sinal do local onde o avião havia caído, onde provavelmente era agora o túmulo dos meus pais. Desesperado e com sede sentei na sombra de uma flamejante árvore de troncos retorcidos e flores com pétalas vermelhas como o fogo, de sua copa caiam grandes capsulas onde amadureciam suas sementes. Em seus galhos pássaros multicoloridos saracoteavam como num jantar de comadres. Eles não estavam sozinhos, ao pé de outra grande árvore próxima a mim, agora se destacavam entre as folhas secas serpentes rajadas que brilhavam como uma pulseira de brilhantes. Lagartos, insetos, mamíferos; era uma inimaginável reunião de animais que parecia insana para mim. Entre cores e cantos entoava uma bela melodia e o vento trazia a mais deliciosa combinação de aromas que meu nariz nórdico havia alguma vez experimentado. Como em uma dança selvagem, todos os animais seguiam em fila indiana para um aglomerado de rochas próximo e com batidas ritmadas produzidas por seus pés no chão eles pareciam dançar uma coreografia animalesca. O ambiente mágico que se fez em minha volta camuflou o motivo de eu estar ali e me despertou uma sensação que não posso com palavras explicar. Ao que parece, logo estava eu naquela fila medonha de animais dançando aquele espécie de mantra produzido pela soma de todos os sons em minha volta juntos. O clímax daquela sandice produzida pela minha mente em choque parecia se aproximar quando um gambá com uma longa calda e pelos brancos em cima dos olhos se levantou em duas patas e como um cortesão recebeu todos ali com uma longa e engraçada reverência. Com a mão esquerda estendida nos encaminhou para uma fenda na rocha que eu ainda não havia reparado. Era como um grande portão sólido adornado com inscrições entalhadas na pedra. Não sei que língua era aquela, mas seus símbolos pareciam reluzir à luz do sol e combinavam como uma senha mágica que se repetia como luzes de natal. Ainda em fila, fomos todos adentrando aquelas rochas. Naquele momento eu já não sabia se estava sonhando ou estava realmente ali com todos aqueles bichos. Na minha frente, um grande macaco dava o ritmo fazendo um som grave com sua garganta no compasso daquela canção. Perto dele um sapo preenchia o som com seu coaxar e mais adiante besouros tremiam suas asas dando um efeito especial à música, todos ali participavam de alguma forma. Lá dentro, senhoras e senhores, o fantástico saltava aos olhos, pois cercado pelas pedras monumentais, nada mais havia ali, senão o mais maravilhoso jardim conhecido na Terra. Uma aquarela de cores se espalhava por uma vasta área, meu Deus como era enorme, meus olhos se encheram de imagens de árvores antigas como aquela própria ilha esquecida no oceano. Frutas nunca vistas antes pendiam dos galhos fartamente abastecidos. No meio daquele vale corria um límpido rio, de águas calmas que só se agitavam com o fuzuê dos bichos que se refrescavam em suas margens. A vida ali era tranquila, estava refletido nos olhos de todos. As flores espalhadas por todos os lados se exibiam ainda com as gotas do orvalho sobre suas corolas reluzentes. Em volta de uma majestosa cachoeira vários animais se reuniam, eram tamanduás, macacos, patos e ao que parece, até uma onça pintada, que como conchas usavam as duas mãos para derramarem aquela água sobre suas cabeças e depois como se brincassem todos juntos, molhavam-se e mergulhavam diante daquele véu de noivas formado pelas águas e a espuma daquela maravilhosa queda d’água. Revoadas de pássaros faziam uma bela apresentação no céu que parecia uma pintura de tão azul e com poucas nuvens que flutuavam aqui e acolá. Antes de caminhar em direção a cachoeira onde uma reunião se formava me ajoelhei na margem do rio e sorvi um delicioso bocado daquela água que me revigorou o espírito. Senti uma estranha sensação percorrer meu corpo como se sob efeito de algum elixir sobrenatural que dá energia e uma inexplicável paz no coração. Não resisti e em gargalhadas e muita felicidade pulei dentro do rio e me banhei feito criança que era. Depois de um tempo que não sei precisar, sai dali e percebi que os animais faziam mais uma vez uma fila, mas agora de volta ao portão em que entramos. Perto da cachoeira, a reunião de animais começava a se desfazer quando eu vi entre corpos aquele anjo penetrar uma caverna escondida por de trás das águas; não sem antes dar uma olhadela para trás e com um sorriso carinhoso se despedir de todos que ali estavam reunidos. Só a vi por alguns segundos, mas posso descrever que não existia ali nenhuma criatura que imitasse sua beleza. Com uma pele branca como o leite seu lindo corpo formava uma silhueta perfeita, longos cabelos negros e encaracolados lhe caiam sobre os ombros e seus olhos eram cheios de paz, ternura e amor. Extasiado com tamanha beleza não consegui mover um músculo do meu corpo. Depois disso não me lembro de mais nada. Quando abri meus olhos já estava na cama de um hospital, onde mais tarde fiquei sabendo que estavam também meus pais, vivos. Muitos anos depois li em um livro velho a história de uma rainha que um dia construiu um lindo jardim, e por conta da ganância e cobiça dos homens que o queria para eles, ela e seu jardim um dia sumiram diante dos olhos de todos como mágica. Antes de se dissipar no ar, a rainha jurou que o precioso jardim nunca seria descoberto pelo homem, pois o segredo para achá-lo há muito tempo havia sido perdido; o amor e respeito pela natureza.
Imagens: Fotosearch