Na
publicação anterior de Bússola Literária deu-se destaque aos “22 livros que são
diamantes para o cérebro”, agora a ênfase será para os “22 filmes que são
diamantes para o cérebro”. Dentre os filmes citados por Rafael Teodoro, cheguei
a ver: Cidadão Kane, Casablanca, No Tempo das Diligências, 8½ e O Pagador de Promessas.
A
partir de uma análise criteriosa feita pelo jornalista Rafael Teodoro, para a
Revista Bula deste mês de janeiro, na qual, ele faz sua própria escolha e
considerações dos 15 filmes que compõem a continuação de “diamantes para
o cérebro”, como forma de evidenciar o trabalho iniciado pelo jornalista Euler de
França Belém sobre livros, aproveitei da oportunidade e inclui outros sete
filmes, para assim, completar o número relativo à proposta inicial.
Que eu aprecio cinema,
nem preciso afirmar, é o óbvio. Por gostar de filmes, não significa que sou
crítico ou “expert” no assunto, pelo contrário sou apenas um simpatizante pela “sétima
arte”. Então com base no que me veio à
mente, e que marcou minhas preferências pelo conjunto da obra, escolhi este
filmes que se segue:
Nunca te vi. Sempre te amei, de David Hugh Jones
O seu título original é 84 Charing Cross Road, produção britânica de 1987. David Hugh Jones dirigiu o filme com a excelência de
atentar para mínimos detalhes. Conseguiu além de mostrar a realidade do
pós-guerra vivida pelos habitantes londrinos, a ambientação com sua atmosfera
densa, onde a falta de alguns gêneros alimentícios e materiais de primeira
necessidade tornaram-se coisa rara. Trata-se de uma trama envolvente e gostosa
de se ver, pela empatia dos seus personagens principais. Para quem gosta de
ler, e tem o cuidado de observar data de publicação, número de edição e
raridades literárias, é uma boa orientação profissional. A escritora Helena
Hanff, interpretada por Anne Bancroft e o gerente da livraria especializada em
edições raras, Frank Doel, é interpretado por Anthony Hopkins. O roteiro é
baseado no livro homônimo de Helene Hanff.
A Noviça
Rebelde, de Robert Wise
É uma produção norte-americana de 1965, considerado por muitos críticos como
sendo um dos mais envolventes musicais já produzidos. O filme ganhou o Oscar de
melhor filme em 1966. Sua trilha sonora foi nomeada ao Grammy de melhor álbum
do ano. Escolhido pela Biblioteca do Congresso americano para ser preservado no
Registro Nacional de Filmes em 2001. E suas cenas tiveram locações em Salzburgo na Áustria, e na região da
Baviera alemã. Tem como atores principais Julie Andrews e Christopher Plummer.
A história conta as peripécias e a ternura de uma noviça (Julie Andrews) que se
dispões a trabalhar como governanta na casa de Von Trapp (Christopher Plummer)
para zelar e educar sete crianças. Excelente filme e sua trilha sonora, além de
belíssima e cantada até hoje com muita simpatia.
Laranja
Mecânica, de Stanley Kubrick
Seu título original é “A Clockwork
Orange”. Trata-se de uma produção britânica de 1971. Laranja Mecânica tornou-se um
clássico do cinema mundial e um dos filmes mais famosos e influentes de Stanley
Kubrick. Escrito por Anthony Burgess, narra a história de Alex (Malcolm
McDowell) que depois de ter cumprido dois anos de prisão, é liberado na
condição de se submeter ao tratamento Ludovico, terapia experimental que causa
aversão às drogas e às tendências criminosas. Enfim, o tratamento o faz
rejeitar tudo que ele mais gostava como mulheres, violência sexual, músicas
clássicas, principalmente ouvir a 9ª Sinfonia de Beethoven, sua música
favorita. O filme pra sua época foi inovador e discutiu temas comportamentais
importantes.
Cantando na
Chuva, de Gene Kelly
Produção norte-americana de 1952, sob o título original de “Singin’in
the Rain”, canção de Arthur Freed e Nacio Herb Brown. O filme ocupa posição de
destaque como, a primeira colocação na “Lista dos 25 Maiores Musicais Americanos” de todos
os tempos, idealizada pelo American Film Institute (AFI), divulgada em 2006.
Foi dirigido por Gene Kelly e Stanley Donen, tendo como protagonista principal
o próprio Kelly, que também foi quem desenvolveu toda a coreografia. O filme
transcreve o retrato alegre de Hollywood, principalmente no que se refere à
mudança do cinema mudo, para a utilização da sonorização através da fala na
interpretação do roteiro.
O Império
dos Sentidos, Nagisa Oshima
Trata-se de uma produção
franco-japonesa de 1976. O filme é todo ambientado no Japão de 1936 e inspirado em uma história real.
Todas as cenas de sexo apresentadas pelos personagens são reais. Sada (Eiko
Matsuda), uma ex-prostituta, inicia um ardente caso com Kichizo (Tatsuya Fuji),
seu atual patrão. O que parecia apenas uma diversão libidinosa, logo se
transforma em uma intensa relação administrada pela obsessão do prazer. Para os
amantes não existem fronteiras na busca do ápice pela mais completa sensação do
envolvimento sexual. Alguns críticos consideraram o filme como pornô, outros
sem dar muitas explicações, um trabalho de arte "cult".
Ben-Hur, de
William Wyler
Produção americana de 1959, baseada no romance do mesmo nome,
escrito por Lew Wallace. O filme conta a vida de Judah Ben-Hur, interpretado
por Charlton Heston e transcorre em Jerusalém no início do século I. O seu
antagonista é Messala interpretado por Stephen Boyd. Ambos se conhecem desde a
juventude. Contudo, por questões banais do ponto de vistas, Messala condena o
amigo a viver como escravo em uma galera romana, passando por terríveis
privações. Mas como em toda história desse gênero a vingança deve existir, as cenas além violentas tem um sentido humano/fé e amor intrínsecos muito fortes.
Bonito filme, contém um número enorme de figurantes e o figurino digno de uma super
produção épica.
A Primeira
Noite de um Homem, de Mike Nichols
Sem dúvida o maior destaque do filme se
prende na sequência das cenas sustentadas pela trilha sonora, composta pela
dupla Simon & Garfunkel. “The Sound of Silence” e “Mrs. Robinson” são as
principais canções tema do filme. “A Primeira Noite de um Homem”, é uma
produção americana de 1967, interpretada por Dustin Hoffaman, Anne Bancroft e Katharine Ross,
escrita por Calder Wllingham e Buck Henry, baseado no livro do mesmo nome. O
filme foi também o responsável pelo início da carreira de Dustin Hoffaman, um
dos mais importantes do “Cast” americano.
15 Filmes que são diamantes para o
cérebro
Por
Rafael Teodoro – Revista Bula
Recentemente,
o jornalista Euler de França Belém, ao elaborar uma lista com sugestões de
livros para o Natal, defendeu a tese de que bons livros são, na verdade,
“diamantes para o cérebro”. Acredito que essa premissa – com a qual concordo
inteiramente – possa ser estendida também para o cinema. Talvez com muito mais
razão para o cinema, forma de expressão que, posto que goze de amplo apelo
popular, tem perdido progressivamente a pretensão do “fazer artístico”, a
privilegiar-se a lógica da produção em escala industrial de “blockbuster”. Com
isso, cada vez mais temos cinéfilos autodeclarados que desprezam a leitura da
Pauline Kael (às vezes, nunca ouviram falar dela), mas não hesitam em cultuar
bobagens infantis. O resultado é o declínio da inteligência do público que,
perdido no meio de tantas referências esparsas, ou simplesmente influenciado
por críticos de cinema de pouca credibilidade intelectual, passa a absolver a
pobreza narrativa fílmica, entretido com efeitos especiais mirabolantes, muitos
dos quais a causar uma sutil, porém agressiva, paralisia cerebral.
Essa
introdução serve para justificar a presente lista. Trata-se de uma tentativa de
orientar o leitor da Bula – por certo, alguém que preza pelo que há de mais
refinado no campo da cultura – no mar de referências cinematográficas. Como sói
acontecer, a lista é estritamente pessoal: ela elenca obras que agradam ao meu
gosto estético na arte cinematográfica. Basta pensar que, tivesse outro autor
assinado a lista, as referência decerto mudariam (talvez ele viesse a público
afirmar que “Curtindo a Vida Adoidado”, do diretor John Hughes, é superior aos
filmes de Godard, opinião que eu nunca endossaria). A lista também é limitada:
são apenas 15 filmes, o que incontornavelmente deixará de fora muitas obras
relevantes (inclusive procurei misturar obras canônicas, sempre referidas, a
outras mais atuais, como sugestões incomuns ao leitor da Bula). O que importa é
que são quinze bons filmes que, da mesma maneira que os bons livros podem muito
bem servir como generosos diamantes para o cérebro.
A Felicidade Não se Compra, de
Frank Capra
O
mais belo filme de Natal de todos os tempos. Essa é uma definição perfeita para
“A Felicidade Não se Compra”. Mas o filme de Capra vai além. Filmado em 1946, é um retrato
do apogeu estilístico da “Era de Ouro” de Hollywood, quando os filmes eram
feitos para enaltecer as qualidades morais do indivíduo, além de elevar a
autoestima da população. A fábula da cidade de Bedford Falls, do homem que é
visitado por um anjo ao bater as portas do suicídio, é um daqueles casos raros
em que um filme é capaz de salvar vidas.
Era Uma Vez em Tóquio, de Yasujiro
Ozu
Filme que assinala a maturidade
artística de um dos maiores cineastas do século 20,
o japonês Yasujiro Ozu. Com sua câmera parada, Ozu tinha a pretensão de captar
a vida em sua fluidez natural. Nascia à estética do anticinema, oposição à
grandiloquência hollywoodiana. O resultado é um filme lento (talvez o mais
lento da história), a contar a saga do casal de idosos que viaja a Tóquio para
rever seus filhos. E é exatamente esse compromisso inarredável com os detalhes
que torna tão importante resgatar o cinema de Ozu: como estamos a viver na era
da modernidade líquida (BAUMAN), no bojo da qual a velocidade fragiliza os
laços humanos, a lentidão narrativa de “Era Uma Vez em Tóquio” contraria o
porvir, a configurar-se num invulgar ato de resistência do artista (que
enfrenta as pressões estéticas do seu tempo) e do público (que assim demonstra
seu amor à potencialidade narrativa do cinema).
A Fraternidade é Vermelha, de
Krzysztof Kieslowski
O problema com trilogias fílmicas é o
risco que o diretor corre de não conseguir sustentar um padrão elevado de
qualidade em todas as películas (vide o exemplo de Francis Ford Coppola, que,
após dirigir com brilhantismo as duas primeiras partes de “O Poderoso Chefão”,
falhou miseravelmente ao encerrar a saga da família Corleone). O polonês
Krzysztof Kieslowski, felizmente, evitou esse risco. Sua ambiciosa Trilogia das
Cores já tinha produzido dois filmes exitosos (“A Liberdade é Azul” e “A
Igualdade é Branca”) quando veio à luma “A Fraternidade é Vermelha”, de 1944.
De fato, Kieslowski reservou o melhor de sua trilogia inspirada nas cores da
bandeira francesa para o capítulo final. Ao narrar à história do juiz
aposentado que espiona seus vizinhos, o diretor posiciona a bela Valentine como
epicentro da compaixão fraternal que se pode transmudar no amor contrito – o
único capaz de redimir a solidão e a tristeza de toda uma vida.
Cidadão Kane, de Orson Welles
Este
é um caso curioso de um filme que me parece prejudicado pelo prestigio que
alcançou merecidamente junto à crítica. Incensado como “o melhor filme de todos
os tempos”, enriquecido com centenas de teses acerca da correta interpretação
do “Rosebud”, admirado pela técnica do diretor, empregada na condução de uma
narrativa complexa, muita vez falta quem diga que a história do magnata que
constrói um império jornalístico e tenta ingressar na vida política é bastante
atual, especialmente no Brasil, que é pródigo em formar seus “Cidadãos Kane”. A
diferença é que por aqui a vida pessoal desses magnatas não costuma ser infeliz
como a de Charles Foster Kane. O “Cidadão Kane” brasileiro não tem escrúpulos.
Close-up, de Abbas Kiarostami
O
Irã é um país muito conhecido dos brasileiros pela polêmica política externa
que adota. É uma pena que se resuma a isso. A milenar cultura persa, de que o
povo iraniano é herdeiro, é riquíssima. Tão rica quanto o cinema que se faz por
lá. “Close-up, filme de 1990 do diretor Abbas Kiarostami, é um exemplo
primoroso disso. A história de Sabzian, um homem tão apaixonado por cinema que
forja a própria identidade autoral para enganar uma família, entrelaça
documentário e ficção de maneira brilhante, a permitir uma salutar reflexão
quanto aos limites da impostura (na vida como na arte cinematográfica).
A Separação, de Asghar Farhadi
Outra
pérola recente do cinema iraniano. Um filme de 2011 que põe o dedo na ferida
das tradições familiares de um país de moral teocrática rígida. O processo de
divórcio do casal Nader e Simin serve como pretexto para atualizar a discussão
em torno da fragilidade dos laços humanos num mundo de instituições
anacrônicas. Decisões dramáticas, em princípio de consequências unilaterais,
reverberam em estereotipagens consagradas (o papel da mulher na família) e na
vida de terceiros, a causar o desfazimento não só da relação conjugal, mas a
separação de muitos outros valores.
Casablanca, de Michael Curtiz
A
história de encontros e reencontros da vida retratada com uma beleza poética
indescritível. Um amor genuíno, que a guerra separou em Paris, tem a chance de
acertar as contas em Casablanca (Marrocos). Rick, o insensível proprietário do
bar, defronta-se com a amargura do amor perdido, que torna a assombrá-lo com a
volta de Ilsa, que ele descobre casada com Victor Lasziu, o líder da
resistência que planeja escapar à perseguição nazista. Estaria Rick disposto a
ajudar Laszio, mesmo que isso acarretasse a perda do amor de sua vida? É o tipo
de pergunta que só pode ser respondida em “Casablanca” ao som de “As Time Goes
By”.
No Tempo das Diligências, de John
Ford
John Ford eternizou-se em 1956
com “Rastros de Ódio”, sua obra-prima, presença constante na lista dos melhores
filmes de todos os tempos. Mas o diretor dos filmes de faroeste começou a dar
mostras do seu talento bem antes. Com “No Tempo das Diligências”, de 1939,
Ford funda os estereótipos que permeariam boa parte das narrativas ambientadas
no Velho-Oeste a partir de então: o xerife impoluto, o banqueiro cainho, o
bêbado inconveniente, o anti-herói sedento de vingança, o ataque dos índios às
diligências, as belas mulheres que convém proteger (e esposar). Eis aí um
elenco de personagens carismáticos que, uma vez reunidos numa diligência, terão
de enfrentar os perigos da travessia enquanto aprender a difícil arte da
convivência humana.
Onde começa o inferno, de Howard
Hawks
O título nacional pomposo (mas que eu
adoro) ignora o quanto de humor Hawks inseriu no seu filme. Os estereótipos que
“No Tempo das Diligências” ajudou a fundar em 1939
apresentam-se já consolidados neste filme de 1959:
o xerife Chance, seu ajudante alcoólatra Dude, o vaqueiro egoísta Colorado Ryan
(que faz, quando em quando, o papel de anti-herói), a beldade Feathers. É um
filme que mostra como as relações locais de poder podem subjugar a autoridade
do Estado – tese figurada no grupelho, liderado pelo xerife, que tenta resistir
heroicamente à invasão à delegacia comandada pelo poderoso rancheiro Nathan
Burdette. A cena em que Colorado e Dude, sitiados na delegacia principiam a
cantar “My Rifle, My Pony and Me”, de Dean Martin, é tão cativante que dá
vontade de pegar o violão e cantar junto!
Ladrões de Bicicleta, de Vittorio
de Sica
Fortemente
influenciado pelas consequências que a 2ª Guerra Mundial impôs à população italiana na
década de 1940, o movimento neorrealista tem em “Ladrões de
Bicicleta”, de 1948, um de seus exemplares mais bem realizados. O
diretor Vittorio de Sica conduz a narrativa de maneira pungente. O desemprego
assola o país arrasado pelo conflito bélico. Os homens saem à cata de trabalho,
necessitados que estão de pôr comida na mesa de suas famílias. É nesse contexto
pobríssimo que Ricci consegue, após muita dificuldade, um emprego. Sua função é
colar cartazes nas ruas. Seu instrumento de trabalho é a bicicleta. Ricci se
desfaz de toda sua parca economia. Compra uma bicicleta, mas ela é roubada.
Desesperado, temente ao desemprego, Ricci parte com seu filho Bruno numa
jornada incansável pelas ruas da cidade, a farejar o rastro do ladrão. Se
falhar, sua pena (e a de sua família) é a miséria. “Ladrões de Bicicleta” é,
sem dúvida, um dos filmes mais tristes de todos os tempos. Uma obra-prima.
8½, de Federico Fellini
O
que torna “8½” tão especial é a ousadia do diretor. Com esse
filme, Fellini desconstrói os modelos narrativos lineares do cinema. Para
desenvolver a trama derredor do cineasta Guido Anselmi, atormentado por uma
crise criativa que obstaculiza suas ideias, impedindo-o de conceber novos
filmes, o diretor italiano optou por criar uma atmosfera onírica, que a todo o
momento leva o expectador a questionar se o que vê é sonho ou realidade (ou
mesmo nenhum dos dois). É um filme de difícil compreensão por parte do público
que acostumou a pensar que uma história deve ter começo, meio e fim (ainda que
alguns dos elementos estejam investidos na urdidura narrativa). Em 8½, tudo que há são
metáforas visuais fantasmáticas que se misturam em lembranças oriundas duma
mente atormentada por uma tríade de fracassos: o artístico, o moral (repressão
religiosa) e o amoroso (as mulheres que não soube amar).
Drive, de Nicolas Winding Refn
“Drive”, do dinamarquês Nicolas Winding
Refn, é um exemplo maravilhoso de como um blockbuster de ação, quando bem
dirigido, pode atingir a excelência fílmica. A história do dublê de cinema que
à noite trabalha como piloto de fuga, ajudando bandidos, impressiona pelas
referências estéticas (fortemente inspirada nos filmes da década de 1980),
pela fotografia (a cidade escura) e pelo ritmo da narrativa, que alterna
lentidão e celeridade, delicadeza e violência extrema. A cena do beijo no
elevador entre o motorista (o protagonista não tem nome) e Irene é de uma
sensibilidade artística tão grande que vale mais que todas as comédias
românticas já produzidas em Hollywood.
Deixa
Ela Entrar, de Tomas Alfredson
A exploração do mito do vampiro numa
perspectiva antivampiresca. Parece contraditório? Pois é, já que o suspense “Deixa
Ela Entrar”, do sueco Tomas Alfredson, consegue se apropriar da figura
estereotípica do vampiro (no caso, a vampira Eli) qual uma ponte para
desenvolver uma trama psicologicamente violenta sobre o bullying e a solidão
pubescente. Mérito do diretor, que, para criar um clima sombrio e atemorizante,
não precisou socorrer-se do “terror de açougueiro”, despejando litros de sangue
e violência gratuita, prática cretina que veio a vulgarizar-se na indústria.
Experimente convidar a namorada para ver o filme, alegando tratar-se de
spin-off europeu de “Crepúsculo”, e surpreenda-a com um lindo tratado
psicológico sobre a crueldade e a solitude humanas.
Aguirre
– a Cólera dos Deuses, de Werner Herzog
No século 16,
conquistadores espanhóis partem numa expedição em busca do Eldorado. Mas a
selva amazônica reserva-lhes muitos perigos além dos ataques dos nativos. O
ambicioso Lope de Aguirre assume o comando e lidera o grupo numa incursão
suicida em busca de ouro. Esse é o mote desta produção alemã, em 1972,
de alta densidade psicológica. Seu diretor Werner Herzog prima pela abordagem
da loucura, ao filmar cenas lindas de uma natureza selvagem que aprofunda o
isolamento e a angústia dos conquistadores, na medida em que os aproxima mais e
mais da morte. Destaque para a atuação de Klaus Kinski. Sua personagem Aguirre
quase não fala; toda sua demência é denunciada por uma postura corporal trôpega
e um olhar insano como poucas vezes se viu no cinema. Coisa de gênio.
O
Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte
O cinema brasileiro contemporâneo tem
rendido muita porcaria (essas comédias escrachadas, que mais parecem
telenovelas globais com uma hora e meia de duração, são vergonhosas), mas muita
coisa boa também (“Lavoura Arcaica”, de Luiz Fernando Carvalho, “Cidade de
Deus”, de Fernando Meirelles, “O Som ao Redor”, de Kleber Mendonça Filho, e as
duas partes de “Tropa de Elite”, de José Padilha, são ótimos exemplos de cinema
nacional de qualidade). Apesar disso, faço gosto em citar “O Pagador de
Promessas”, de1962. Eis aí um
filme mais lembrado pela premiação que levou (a Palma de Ouro em Cannes) que
propriamente assistido. Na verdade, a película de Anselmo Duarte, que narra à
jornada do Zé do Burro, o campônio que atravessa o sertão baiano a carregar a
cruz redentora de sua promessa, é uma bonita representação da riqueza cultural
brasileira, sem descuidar da crítica mordaz à burocracia eclesiástica que
corrói a fé ao erguer muros discriminatórios e excludentes dos devotos.
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Imagens: Google e Revista Bula