sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

No olho do furacão



Existem pessoas que escrevem sem saber por que escrevem. Não acreditam que serão lidos, ou até mesmo, se seu trabalho será notado nas estantes das livrarias. Muitas vezes nem acreditam no interesse de uma Editora e, por conseguinte, tampouco de uma livraria. O que não foi o caso de Bruna Lombardi, famosa como modelo fotográfico e como atriz de TV e cinema. Ainda mais com o incentivo de um escritor consagrado, como foi o caso de Rubem Fonseca, quem lhe deu o empurrão desafiador para que escrevesse seu primeiro romance, depois de já ter publicado três livros de poesias. Veja a história e como surgiu "Filmes Proibidos", romance da escritora Bruna Lombardi e o que avaliou a temida crítica.

Este artigo foi extraído da revista Isto É de 5 de dezembro de l990, escrita pelo jornalista Alcino Leite Neto, págs.: 70, 71 e 72.

No olho do furacão
Bruna Lombardi lança seu primeiro romance e diz que escreve com o caos em volta de si.


Enquanto chove, ela diz: "Quero ser uma obscura mulher do século XX." Foi um século longo, sem grand finale. Nele, Bruna Lombardi já viveu 37 anos, sob o signo de Leão, amiga dos animais, das sete artes, dos livros. Quando era garotinha, a janela de seu quarto dava para uma paisagem de telhados que se amontoavam lá fora. Passava as horas lendo. Em outras, fingia ser atriz de cinema. Leu tanto como se tivesse que ser salva pelos próprios livros, ela conta. A obscura menina afogava. "E todas aquelas pessoas, os escritores, me estendiam a mão, me resgatavam do pesadelo."

Bruna estava almoçando no Rio de Janeiro com o escritor Rubem Fonseca quando ele lançou o desafio? Escreva um romance. Ela se afogou. Não queria. Mas a ideia foi tomando conta da ex-manequim, da atriz, da poeta Bruna Lombardi. Era 1986. Três anos depois o romance estava pronto: Filmes Proibidos. Ela diz que quase enlouqueceu até que colocasse o ponto-final no livro. Quis parar várias vezes, desistir. Não conseguia. Que coisa a levava adiante? A vaidade? "A vaidade sem dúvida é uma coisa muito movedora, mas no caso seria burrice. Uma apresentação na tevê dá muito mais retorno que vãs palavras num livro." Então, a imortalidade, fazer parte da história da literatura? "Não acredito na imortalidade, o que sobra é a atrocidade dos museus, sua falsidade, sua forma de redimir a história do erro."

Não, ela não sabe que coisa a fez continuar o livro. Ela suspeita: "Acredito que existe um elo de generosidade, um movimento que transforma leitores em escritores como forma daqueles agradecerem a estes por tanta coisa que foram capazes de dar, escrevendo. É nisto que acredito, não vejo outra explicação para alguém que passa uma noite em claro procurando uma palavra." Ela passou algumas. Mas em geral dormia cedo, não acordava tarde, por volta das 8h, às vezes abandonava o livro, outras vezes escrevia o dia inteiro. Largou a tevê, deixou de lado a poesia - era só Filmes Proibidos.

Ela não sabia escrever romances. Não conhecia direito a arquitetura, como ela diz. "Mesmo se você leu muito, isto não significa que você vai saber fazer. Não é olhando uma casa que você aprende a construí-la." De vez em quando, batia nela a crise. O diagnóstico era simples, doloroso: uma sensação de inutilidade absoluta do que estava fazendo. "Mas esta sensação só nascia no meu contato com os outros, com este mundo onde a literatura dá a impressão de ser tão marginal, tão desimportante, era como fazer uma escultura numa ilha deserta." A crise passava quando ela esquecia que o livro poderia ser publicado, excluía a possibilidade de ser lida.

O livro foi nascendo: uma mulher de 30 (sem nome), uma metrópole, um mundo, uma história de amor, inúmeras obsessões, personagens e histórias "em perdição", isto é, no ritmo das coisas contemporâneas - fugazes. A metrópole só podia ser São Paulo. "É uma cidade de tamanhos contrastes, tanta solidão, tanta luta, que me comove demais. Acho que o livro é registro do meu amor extremo por São Paulo." Também por tudo que é contemporâneo, terrivelmente contemporâneo. "Isso me invade, bips, flippers, vídeos. Como não relatar tanta interferência?" Em suma, o caos, o exterior rebelado. "Sou uma pessoa que escreve com o caos em volta de mim." E dentro de si? "Talvez eu tenha necessidade de fazer uma literatura pacífica, por isso."

Já tinha acontecido antes. Um belo dia, Bruna disse: acabou, acabei. Das outras vezes fora mentiras, pura preguiça. Não agora. "Tinha chegado ao meu limite." The end. No dia seguinte, uma sensação absolutamente estranha, "meio pós-operatória". Filmes Proibidos estava pronto. Ela dera o máximo. O livro era até onde podia ir. "Este trabalho, o período que eu me dei de pesquisa, de escrita, é o meu limite. Se ele não é melhor, é porque eu não sou melhor que isto. Posso progredir no próximo, ou regredir. Mas, agora, ele é o que eu sou, o que eu posso."

Rubem Fonseca foi o primeiro leitor. Lógico. Fez comentários gerais, nada em específico. Bruna não revela quais. Redobrou sua proposta: "Agora você volta para casa e começa a escrever outro." Bruna foi rápida: "Nem morta." Não passou muito tempo, já estava pensando no próximo romance. Mas não quer escrevê-lo agora. Vai continuar seus estudos de atuação e roteiro em cinema, em Los Angeles.

Quer escrever para cinema, a profissão de seu pai, o diretor de fotografia Ugo Lombardi, italiano de Roma que emigrou para o Brasil em 1948, para o Rio de Janeiro, onde Bruna nasceu. Quando o pai foi convidado para trabalhar na Vera Cruz, a indústria de cinema que se tentou fazer em São Paulo, Bruna e a mãe vieram com ele. A menina cresceu na Paulicéia. 

Começou a escrever poemas, fez filmes amadores, transformou-se em modelo de fotos e comerciais e acabou convidada pela Globo para estrelar Sem Lenço, Sem Documento, novela de Mário Prata. Foi sua primeira aparição na tevê, da qual se tornaria uma das imagens mais famosas. Lançou três livros de poesia e uma história para crianças. Não sonha em pertencer ao meio literário: "O que é isto? Não sei bem, não tenho compromisso com nada." Sobre o julgamento da crítica é taxativa? "Não me assusta a ideia de que as pessoas não gostem do que eu escrevo de mim. Sou uma pessoa tão dura comigo que ninguém vai me dizer nada que eu já não tenha dito." Talvez por isso não se assustou quando soube que a escritora Hilda Hilst tinha dito que Bruna Lombardi era uma grife, não uma escritora. "Eu adoro o que a Hilda escreve, levo a opinião dela em conta. Mas eu não tenho intenção de me poupar. Se tivesse não iria cair na vida desse jeito", ela diz. Enquanto isso chove.
A crítica
Muito clima, pouca literatura

Filmes Proibidos, o primeiro romance de Bruna Lombardi, tem mais timing, clima e teoria do que boa literatura. Se é que a grande literatura não virou coisa do passado, então, para existir, ela exige extemporaneidade, ou seja, uma visada absolutamente singular capaz de selecionar o enxame de coisas e sentimentos que reivindicam sua presença na obra. Nos filmes de Godard - para ficar na referência privilegiada do livro, o cinema - a narração é perdulária, mas a escritura é concentrativa. Sem o movimento interior. À Procura do Tempo Perdido seria somente uma enorme crônica de costumes. O drama de Bruna não é o excesso de citações - é sua desmesurada ambição de dar conta da coisa atual, personagens, objetos, emoções, assumindo no próprio texto a volubilidade de tudo que nos cerca.

Seja em Wim Wenders, Coppola ou Biade Runner, a tessitura do tempo, de um tempo, é bastante nítida. 

Desatar seu fio é construir a narração. Mudam os cenários, mas a vida é repetição. O fake de Las Vegas permanece como trompe-l'oeil de um filme como No Fundo do Coração (de Coppola): na frente da cena, não temos mais que as atribulações do amor, afinal eternas. Alice nas Cidades é menos contemporâneo por seus trens, fotos ou aeroportos do que pela suspensão da ação. Wenders investe todo seu interesse neste tempo "em aberto" que permite a assunção da personagem, não de sua psicologia, mas de uma espécie de física dos sentimentos.

Exemplos ao acaso, alguns dos inúmeros que passam pela cabeça da personagem central e narradora de Filmes Proibidos, cujo nome não é apresentado. No final do romance, ela dirá: "... todos esses clichês cinematográficos na minha cabeça." Está fazendo seu exorcismo, idêntico ao da escritora, sob o risco de abandonar a leveza: "Por que de repente tudo fica tão pesado?" O romance cresce aí, adensa-se, quase se absolve. Mas feito o balanço, deixou pouca coisa além de um amontoado nervoso de histórias, muitas delas - e muitas de suas personagens - mais tentadoras que a narrativa central.

Filmes Proibidos é o relato de uma espera (este mito tão feminino, diz o livro). Da solidão, da perseverança, da obsessão que envolve a espera, um movimento em tudo contrário à realidade narrada, onde "as coisas não duram, se desfazem". 

É também um livro sobre a resistência à espera, a incapacidade de esperar. O romance vive o conflito em sua própria estrutura. Não deixa as personagens crescerem, as situações se abismarem, apoiando-se tão somente no movimento tão plano da personagem central.

Em meio a tudo aquilo que proclama aos gritos a sua existência, gatos, néons, tevê, crianças, só a literatura é capaz de fazer cada coisa esperar a sua vez. Desta expectativa, desta seleção, talvez dependa o futuro mesmo da literatura, inclusive a de Bruna Lombardi. (ALN)

Em breve uma ampla reportagem, seguida de uma proveitosa entrevista com o escritor Sidney Sheldon, vale a pena esperar, será logo.


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Imagens: Google Imagem