Bem que poderia
ser uma estória de “Era uma vez…”, mas é uma história de quem de fato ama a
beleza de uma genealogia tão nobre e envolvente da natureza. O mundo encantado
de uma orquidófila, de uma apaixonada por uma espécie de beleza exclusiva,
contagiante e natural; viajante tenaz em busca da princesa do reino vegetal.
Sonho de cores que nem mesmo o arco-íris com sua beleza no céu, refletido pela
chuva rápida de verão, conseguem ofuscar a sua imperiosa exuberância. Só mesmo
quem a cultiva e se entrega de corpo e alma aos seus encantos, doando paixão e
dedicação, pode sintetizar esse amor singelo e intenso à magia das orquídeas.
Influenciada por
amigos e levada pela curiosidade, nossa personagem visitou uma exposição de
orquídeas. Qual Julieta de Shakespeare flechada por cupido, inebriando-se pelos
encantos do ambiente colorido e perfumado das orquídeas que jamais vira antes,
deixou-se seduzir como que conduzida por Orfeu em sonhos e devaneios, esboçando
inconfundível sorriso feito orquídea rara. Entre as bancadas de plantas,
hipnotizado segui seus passos, numa inesquecível jornada pelo tempo… fluindo
como o vento.
Diletante,
transformou-se a partir dali. Semelhante aos grandes descobridores de todos os
tempos, ela passou a fazer parte desses obstinados pesquisadores, estudiosos e
caçadores de raridades no universo das “orchis”. Como farejadores de tesouros
em busca de seus objetivos, não se dão por vencidos. Guerreiros destemidos no
mundo das plantas, sempre em busca de um novo olhar, de uma nova flor de rara
beleza e perfume embriagante.
Fosse ela
Theophrastus, aluno de Aristóteles, considerado por muitos como o pai da
botânica, que através de seu trabalho “Investigação sobre as plantas (ano 300
a.C.)” descobriu as “orchis”, e a elas deu esse nome, origem do nome de toda
família Orchidaceae. Ou mesmo a dócil índia Asteca ou Maia que utilizava com
maestria a fava da Vanilla para perfumar a bebida predileta de seus guerreiros,
feita a partir do cacau e que levou os invasores espanhóis quase a loucura para
obter a fórmula de seu preparo. Índia misteriosa, cheia de magia e sedução, das
florestas tropicais e equatoriais onde vicejam orquídeas sequer catalogadas. A
essa adoradora da beleza das orquídeas o nosso “sorriso”.
Transcendeu o
plano comum, juntando-se à superioridade das orquídeas, de flores com beleza
própria e inigualável. Ricas em lendas que contam à sua história. Como aquela
contada em terras da Indochina, cidade de Anam, sobre uma jovem chamada
Hoan-Lan, que se divertia em fazer penar suas paixões aos seus numerosos
adoradores. Após ser castigada pelo Deus das Cinco Flechas, deus que a tudo via
e tudo ordenava, julgou que era o momento de castigar tanta maldade, fazendo a
jovem volúvel apaixonar-se por Mun-Cay. E a partir daí, começa a sua saga de
abandono e desprezo…
Cedendo-se ao
assédio da bruxa de pés de cabra, esta o transforma em uma árvore de ébano. Com
a ajuda de um anjo que compadeceu-se de sua situação, permitiu como recompensa
do seu infinito amor, transformá-la em uma linda flor perfumada, agarrando-se
ao seu tronco para sempre. Transformou-se assim, em uma orquídea. Muitas
pessoas acreditam erroneamente que as orquídeas são parasitas, no entanto elas
apenas usam o hospedeiro para fixar suas raízes. Elas são em grande maioria
epífitas, isto é, vivem sobre outras plantas, mas não danificam as plantas
suporte.
Ah! O enigma que
teus olhos e sorriso vestem, como os exóticos desenhos de guardiães da floresta
que muitas flores formam, lembrando duendes ou querubins… fadas e anjos com
perfume de jasmim, canela, acre ou doce, mas hipnotizando sempre.
Na ampulheta do
tempo, viu-se com Charlie Chaplin, no filme Luzes da Cidade (City lights – 1931),
misto de comédia, drama, romance, parafraseando a intérprete Virginia Cherrill,
na história de um vagabundo, que após se apaixonar por uma florista cega, e que
acredita que ele seja milionário, tenta conseguir o dinheiro necessário para
que sua amada faça uma operação que lhe permita enxergar.
Pensou que essa
florista bem poderia no lugar de vender flores comuns, oferecer orquídeas, dado
a pureza do roteiro e a sutileza na condução de uma trama de bondade explicita,
sem nenhuma pretensão de se valer de tal atitude. Nesse caso, foi um ato de
amor. De pureza quase infantil, da alma de uma pessoa esquecida à própria
sorte, como vagabundo e como expoente marginalizado por uma sociedade
preconceituosa e hipócrita.
Entorpecida
pelos encantos da flor, visitou Confúcio (551 – 479 a.C.) por ter referenciado
seu perfume. Prova contundente de que, o fascínio provocado pela flor rompeu a
escuridão do tempo, iluminando a mente de pensadores, filósofos, historiadores,
amantes, amados e muitos outros.
Semelhante ao
comportamento leviano da humanidade, as orquídeas também mostram às suas
facetas, dividindo-se em centenas, talvez milhares de espécies diferentes, cada
qual com seu encanto particular e, o mesmo poder de hipnotizar levando emoções
e sentimentos na alma dos apaixonados. Nossa cigana orquidófila deixou-se
seduzir por essa magia.
Nos estudos
diários descobriu que a história da cultura das orquídeas começou no extremo
oriente, sobretudo, no Japão e na China, há cerca de 3 mil a 4 mil anos. A
palavra orquídea (lan) já aparecia no herbáceo chinês desde então. A primeira
referência à orquídea encontrada foi feita pelo Imperador chinês Sheng Nung, ao
dar alguns conselhos sobre o uso do Dendobrium com finalidade medicinal. No
século III, um manuscrito chinês de botânica menciona duas espécies que hoje
são conhecidas como Cymbidium densifolium e Dendrobium moniliforme.
Diz à lenda que
bruxas usavam as raízes tuberosas das orquídeas – semelhantes a testículos
humanos – no preparo de poções mágicas: as frescas para promover o amor; as
secas para provocar paixões.
Desde a Idade
Média, as orquídeas são populares por suas supostas propriedades afrodisíacas.
Preparados especiais utilizando as raízes ou pseudobulbos e folhas carnosas de
algumas espécies foram tidas como estimulantes sexuais, e até mesmo capazes de
auxiliar na produção de bebês do sexo masculino. Tornaram-se assim, sinônimo de
fertilidade e virilidade.
A própria
palavra orquídea tem uma conotação afrodisíaca, já que provém da palavra grega
“orchis” (testículo), porque para os primeiros botânicos gregos a forma das
espécies da região, parecia com o órgão reprodutivo masculino.
Continuando sua
viagem no tempo e pelos continentes, encantou-se com a “orquídea negra”
pertencente ao gênero Maxillaria, e nativa do Brasil, nordeste da Argentina,
América Central, Flórida (EUA), chegando até as Índias Ocidentais. A
brasileirinha Maxillaria schunkeana é uma das espécies do gênero Maxillaria,
endêmica das florestas do Espírito Santo. Conhecida no mundo todo como Orquídea
Negra, em virtude de sua cor ser de um vermelho púrpuro muito intenso, causando
a impressão de tratar-se de uma orquídea negra e tem aproximadamente um
centímetro de diâmetro.
Não resistiu ao
encanto da interpretação de Zé Ramalho em uma de suas canções “Orquídea Negra”
- “Você é a orquídea negra// Que brotou da máquina selvagem// É o anjo do
impossível// Plantou como nova paisagem. // Você é a dor do dia a dia// Você é
a dor da noite a noite// Você é a dor da agonia// A chibata, o chicote e o
açoite”.
Quando soube da
Polyradicion lindenii, ou orquídea fantasma, flor de uma brancura espantosa,
parecendo um holofote nos tons de cinza e verde do pântano da Faixa de
Fakahatchee, no estado da Flórida (EUA), seu habitat. Sonhou com a planta que
não tem folhagem, e de raízes quase invisíveis incrustadas junto à casca da
árvore. A flor parece estar suspensa no meio do ar como que por mágica. Há quem
compare à sua forma, a uma bela e etérea rã branca em vôo.
Planta de cantos
refinados, numa haste longa e esvoaçante, e de extremidades tão delicadas que se
estremecem com uma leve brisa, cria um movimento semelhante ao de um suposto
pequeno fantasma. Sua espécie, cujo nome é uma homenagem ao botânico belga
Jean-Jules Linden, que a descobriu em Cuba, no ano de 1844, é venerada e capaz
de levar os colecionadores quase à loucura e obsessão.
E agora? Onde
estará nossa musa num universo tão rico e praticamente infinito de tantas
orquídeas, no qual plantas e flores confundem-se com a cultura universal?
Assim a
aventureira orquidófila de sorriso sedutor, começou sua viagem sem destino, mas
com rumo definido. Conhecer o mundo encantado das orquídeas. Atualmente está
preparando uma expedição à Shangri-la. Acreditando que lá seus conhecimentos
irão penetrar outros ecossistemas, novas descobertas virão muito além das
lendas, mitos e magias. Transpondo-se de um universo real para outro
alvissareiro, porém, rico em conteúdo e expectativa. Será então, a sua primeira
viagem rumo ao “horizonte perdido”. Fantástico objetivo para uma nova jornada,
para um novo olhar, um sonho com as orquídeas.
Ou estaria ela
agora dançando ao som de violinos e castanholas? Na Africa nativa dos atabaques
e djembes, ou numa aldeia xinguana absorta na batida cadenciada de danças
tribais pela marcação de pés dos indígenas, enigmáticos povos do Xingú? Talvez
esteja nalgum lugar do interior de nossos sonhos, em meio à mata, descobrindo
uma nova orquídea, encarando o por do sol com seu “sorriso” cheio de mistérios.
Créditos fotos:
públicas na internet respeitando-se no espelho aquelas com autores como da
Polyradicion lindenii, por Jay Staton no website “photo.net”. Maxillaria
schunkeana, Phal. equestris e híbrido de Catasetum do acervo Orquidario Cuiabá.
Foto da dança da taboca, etnia kamayurá, povos do Xingú, Brasil de Henry Abreu.
Nota: A atual
classificação da Polyradicion lindenii é Dendrophylax lindenii (Lindl.) Benth
ex Rolfe.
Esta crônica Um
olhar, um sonho com as orquídeas, já esteve disponível no Bússola Literária,
desde 19 de julho de 2009. Agora, depois de passar por uma repaginada e,
revivê-la com várias modificações no seu texto em relação ao original. Pelo seu
conteúdo com várias citações científicas e filosóficas, quem sabe sirva como
objeto de discussão num fórum de debates, abrangendo não só, o seu conteúdo sob
forma de pesquisa, mas literário e ortográfico.
6 comentários:
Puxa! legal mesmo! gostei do visual enxuto e intimista de seu blog! Parabéns e Sucesso nas postagens literárias suas ou de outros visitantes!
Bem, como já comentei sobre esse texto quando ele foi originalmente publicado, aproveitarei para parabenizar pela iniciativa de criar um blog. Hoje a chamada blogosfera brasileira cresce a cada dia, mas ainda carece de blogueiros concisos que a elevem ao status que as outras blogosferas internacionais possuem. Muitos jornalistas e não-jornalistas (já que o diploma não serve pra mais nada né) fazem parte dessa comunidade, e você pode encontrar grandes nomes da TV, Revista e Jornais fazendo parte e dando sua contribuição. Eu até faria mais a minha parte se não fosse tão relapso e um pouco preguiçoso. Contudo eu lhe desejo as boas vindas à blogosfera brasileira e espero contribuiçoes valiosas vindas de você.
Abraço!
Amei o artigo sobre as orquídeas,inclusive pq eu ñ conhecia a orquídea negra e nem a fantasma,foi excelente...e parabéns pelo blog,a medida que vou lendo os teus artigos fico mais encantada.Agora vou continuar minha leitura...Bjs
Obrigado por ter gostado Brigi, eu também gostei, acho que fiz uma bela escolha ao escrever sobre esse tema. Além de vasto, é curioso e instigante, tem seus meandros e suas lendas que acredito mto. Continue nos visitando sempre que puder ok? Um abraço.
Nossaa, que mara esse blog, so apixonada por orquideas desde pequena e gostaria de saber se tem algum jeito de eu conseguir a Dendrophylax lindenii (Ghost orchid) se alguem souber me ajudem, Please, to desesperada.
Natie, primeiramente mto obrigado pela visita, nos deixou mto contentes. Depois pude perceber que o seu contato com o José Luiz do Orquidário Cuiabá, ter lhe prestado relevantes informações sobre este magnífico exemplar (Orquídea Fantasma), e a melhor maneira de se adquirir. Não poderia ter tido melhor informação, por se tratar de uma pessoa que conhece realmente do assunto, além de ser mto atencioso e prestativo. Portanto, acho que já teve as informações necessárias. Obrigado mais uma vez pelo seu gentil comentário.
Postar um comentário