Pode parecer oportunismo a transcrição desse riquíssimo bate-papo cordial com o pai da psicanálise para esta publicação. Convenhamos, Bússola Literária não poderia ser omisso diante de um acontecimento com tamanha importância: A última extraordinária entrevista de Sigmund Freud, concedida ao poeta e escritor alemão-americano, George Sylvester Viereck, está incluída no seu livro: Glimpses of the Great, publicado em 1930 e republicada no livro: A Arte da Entrevista: Uma antologia de 1823 aos Nossos Dias, organizado por Fábio Altman (Scritta 1995) – Será essa nossa justificativa um processo de autoanálise consciente ou inconsciente?
“Setenta anos de idade me
ensinaram a aceitar a vida com alegre humildade.” Quem fez essa declaração foi o
professor Sigmund Freud, o grande explorador austríaco do lado oculto da alma.
Assim como o trágico herói grego Édipo, cujo nome está tão intimamente ligado
aos princípios fundamentais da psicanálise, Freud confrontou a Esfinge sem
receio. Como Édipo, ele decifrou o enigma. Pelo menos, nenhum mortal chegou tão
perto dos segredos do comportamento humano quanto Freud.
Freud é para a psicologia o que
Galileu foi para a astronomia. É o Cristóvão Colombo do inconsciente. Ele abre
novas perspectivas, sonda novas profundezas. Freud alterou todas as relações na
vida, decifrando o sentido oculto das regras do inconsciente. Conversamos na
casa de veraneio de Freud em Semmering, uma montanha nos Alpes Austríacos, onde
os vienenses elegantes adoram se reunir. A última vez que vira o pai da
psicanálise, ele estava em sua casa simples na capital austríaca. Os poucos anos
que separavam a minha última visita desta de agora multiplicaram as rugas na
sua testa e aumentaram a sua palidez acadêmica. Seu rosto estava abatido,
sofrido. A mente estava ativa, o espírito firme, a cortesia impecável como
sempre, mas um leve problema de fala me preocupou.
Parece que uma doença maligna
no maxilar superior necessitara de uma operação. Desde então, Freud usa um
aparelho mecânico para facilitar a fala. Na verdade, não há diferença entre o
uso desse aparelho ou de óculos. Ele deixa Freud mais constrangido do que os
visitantes. Depois que conversamos com ele por algum tempo, o aparelho se torna
quase imperceptível. Nos dias em que Freud está bem, nem se percebe a presença
dele. Mas para Freud, ele é causa de constante irritação.
Sigmund
Freud: Eu detesto o meu maxilar mecânico porque a luta com o
mecanismo consome uma força preciosa. Mas é melhor ter um maxilar mecânico do
que nenhum. Ainda prefiro viver a morrer. Talvez os deuses sejam generosos
conosco, tornando a vida mais desagradável à medida em que envelhecemos. No
final, a morte parece mais tolerável do que os muitos problemas que temos que
enfrentar.
–
Freud se recusa a admitir que o destino tenha sido rancoroso com ele.
Sigmund
Freud: Por que, eu devia esperar por algum tipo de privilégio? A
idade, com seus visíveis desconfortos chega para todos. Ela atinge um homem
aqui, outro lá. O seu golpe sempre atinge uma parte vital.
Sigmund
Freud: Não me revolto contra a ordem universal, afinal vivi mais
de setenta anos. Eu tive o que comer. Desfrutei de muitas coisas – do
companheirismo da minha esposa, dos meus filhos, do pôr-do-sol. Eu vi as
plantas crescerem na primavera. Algumas vezes recebi um aperto de mão amigo.
Uma ou duas vezes encontrei um ser humano que quase me entendeu. O que mais eu
posso querer?
George
Sylvester Viereck: O senhor é famoso. O seu trabalho influencia a
literatura de todo o mundo. O homem olha para si e para a vida com olhos
diferentes por sua causa. E, há pouco tempo, quando o senhor fez 70 anos, o
mundo se uniu para homenageá-lo – com exceção da sua própria universidade!
Sigmund
Freud: Se a Universidade de Viena me aceitasse, eu teria me
sentido muito constrangido. Não há razão para eles me aceitarem ou à minha
doutrina porque eu estou com 70 anos. Não dou nenhuma importância ilógica aos
números. A fama só chega quando já estamos mortos, e para ser franco o que
acontece depois da morte não me interessa. Não aspiro à glória póstuma. A minha
modéstia não é nenhuma virtude.
George
Sylvester Viereck: O fato do seu nome ser lembrado não significa
nada para o senhor?
Sigmund
Freud: Absolutamente nada, mesmo que ele seja realmente lembrado,
o que não é certo. Eu estou mais interessado no destino dos meus filhos. Espero
que a vida deles não seja tão difícil. Não posso torna-las muito mais fácil. A
guerra praticamente acabou com a minha modesta fortuna, as economias de uma
vida inteira. Entretanto, felizmente, a idade não pesa tanto para mim. Eu ainda
sou capaz de seguir em frente! Meu trabalho ainda me dá prazer. Estou muito
mais interessado nestas flores do que no que possa acontecer comigo depois que
eu morrer.
George
Sylvester Viereck: Então, no fundo, o senhor é um pessimista?
Sigmund
Freud: Não, não sou. Só que eu não permito que nenhuma reflexão
filosófica me tire à alegria das coisas simples da vida.
George
Sylvester Viereck: O senhor acredita na continuidade do ser após a
morte, seja lá de que maneira for?
Sigmund
Freud: Eu não penso nesse assunto. Tudo o que nasce, um dia morre.
Por que então eu também não morreria?
George
Sylvester Viereck: O senhor gostaria de retornar à vida, assumindo
uma nova forma? Em outras palavras, o senhor não gostaria de ser imortal?
Sigmund
Freud: Para ser franco, não. Quem identifica as razões egoístas
que se escondem sob o comportamento humano não tem a menor vontade de voltar. A
vida, movendo-se em círculos, ainda seria a mesma. Além disso, mesmo que o
eterno retorno de todas as coisas, como disse Nietzsche, nos vestisse com novas
roupas, que utilidade isso poderia ter sem a memória? Não haveria ligação entre
o passado e o futuro. No que me diz respeito, estou muito satisfeito em saber
que o eterno absurdo de viver terminará um dia. Nossa vida se resume a uma
série de obrigações, uma luta sem fim entre o ego e o seu ambiente. O desejo de
um prolongamento excessivo da vida me parece absurdo.
George
Sylvester Viereck: O senhor não aprova as tentativas do seu colega
Steinach de prolongar o ciclo da existência humana?
Sigmund
Freud: Steinach não faz nenhuma tentativa para prolongar a vida.
Ele simplesmente luta contra a velhice. Ao aumentar a reserva de forças que
temos dentro de nós, ele ajuda o corpo a resistir à doença. A operação de
Seinach às vezes detém os acidentes biológicos, como o câncer, nos seus
primeiros estágios. Ela torna a vida mais tolerável. Mas não a torna mais
feliz. Não há razão para que o homem queira viver mais. Mas temos todas as
razões para querer viver com o mínimo de desconforto possível. Sou bastante
feliz, porque não sinto dores e sou grato aos pequenos prazeres da vida, aos
meus filhos e às minhas flores!
George
Sylvester Viereck: Bernard Shaw diz que vivemos muito pouco. Ele
acha que, se quiser, o homem pode prolongar o tempo de vida humana, se a força
de vontade suplantar as forças da evolução. A humanidade, segundo ele, pode
recuperar a longevidade dos patriarcas.
Sigmund
Freud: É possível que a morte em si não seja uma necessidade
biológica. Talvez os homens morram porque queiram morrer. Assim como o amor e o
ódio pela mesma pessoa coexistem dentro de nós, a vida é uma mistura do desejo
de viver com o desejo ambivalente de morrer. Da mesma forma que um elástico
tende a voltar ao seu formato original, toda matéria viva, consciente ou
inconscientemente, anseia pela inércia completa e absoluta da existência
inorgânica. Os desejos de morrer e de viver convivem lado a lado dentro de nós.
A morte é a companheira do amor. Juntos, eles governam o mundo. Essa é a
mensagem do seu livro, Além do princípio
do prazer. No início, a psicanálise achava que o Amor era o sentimento mais
importante. Hoje, sabemos que a Morte tem a mesma importância. Biologicamente,
todo ser humano, não importando a intensidade do seu desejo de viver, anseia
pelo Nirvana, pelo fim da febre chamada vida, pelo seio de Abraão. O desejo
pode ser disfarçado por rodeios. Entretanto, o objetivo final da vida é a
própria extinção!
George
Sylvester Viereck: Essa, exclamei, é a filosofia da
autodestruição. Ela justifica o automassacre. Levaria à conclusão lógica do
suicídio mundial previsto por Eduard von Hartmann.
Sigmund
Freud: A humanidade não escolhe o suicídio, porque as leis da sua
natureza não aceitam o caminho direto para a própria meta. A vida deve
completar o seu ciclo de existência. Em qualquer ser humano normal, no final, o
desejo de morrer prove ser mais forte. Nós podemos considerar a ideia de que a
morte nos chega por vontade própria. É possível que derrotássemos a morte, não
fosse pelo aliado que ela tem dentro de nós mesmo. Nesse sentido, talvez seja
certo dizer que toda morte é um suicídio disfarçado.
Sigmund
Freud: Estou escrevendo uma defesa da análise leiga, a psicanálise
praticada por leigos. Os médicos querem tornar ilegal a análise feita pelos que
não são médicos registrados. A história, essa velha plagiadora, se repete a
cada nova descoberta. Os médicos, a princípio, combatem qualquer nova verdade.
Depois eles tentam monopolizá-la.
George
Sylvester Viereck: O senhor teve um grande apoio dos leigos?
Sigmund
Freud: Alguns dos meus melhores alunos são leigos.
George
Sylvester Viereck: O senhor pratica a psicanálise com muita
frequência?
Sigmund
Freud: Claro. Nesse exato momento, eu estou trabalhando em um caso
difícil, esclarecendo os conflitos psíquicos de mais um paciente interessante.
Minha filha também é uma psicanalista, como o senhor pode ver...
– Nesse momento, a senhorita Anua Freud surgiu seguida por seu paciente,
um rapaz de 11 anos, de feições obviamente anglo-saxônicas. O menino parecia
muito feliz, esquecido do conflito da própria personalidade.
George
Sylvester Viereck: O senhor se autoanalisa?
Sigmund
Freud: É claro. O psicanalista deve se autoanalisar com
frequência. Ao nos analisarmos, nos tornamos mais capazes de analisar outras
pessoas. O psicanalista é como o bode expiatório dos hebreus. As pessoas
colocam a culpa dos seus pecados nele. Ele deve exercer a sua arte com
perfeição para se livrar do peso colocado sobre ele.
George
Sylvester Viereck: Sempre me pareceu que a psicanálise desperta em
todos aqueles que a praticam o espírito da caridade cristã. Não há nada na vida
humana que a psicanálise não nos permita entender.
Sigmund
Freud: Pelo contrário – enfureceu-se Freud, as feições assumindo a
severidade arrebatada de um profeta hebreu – entender não é perdoar. A
psicanálise não apenas nos ensina o que temos que suportar, ela também ensina o
que temos que evitar. Ela nos diz o que deve ser eliminado. A tolerância do mal
não é, de maneira nenhuma, uma consequência do conhecimento.
–
De repente eu entendi porque Freud brigara tão seriamente com os seguidores que
o abandonaram, porque ele não consegue perdoar aqueles que se afastaram do
caminho da psicanálise ortodoxa. O seu senso de integridade é uma herança dos
seus ancestrais. Uma herança da qual ele se orgulha, assim como, se orgulha da
própria raça.
Sigmund
Freud: Minha língua é o alemão. Minha cultura, minhas conquistas
são alemãs. Considerei-me um alemão do ponto de vista intelectual, até que
percebi o crescimento do antissemitismo na Alemanha e na Áustria alemã. Desde
então, não me considero mais um alemão. Prefiro me considerar um judeu.
George
Sylvester Viereck: Estou feliz Professor, que o senhor também
tenha os seus complexos, que o senhor também exponha a sua mortalidade.
Sigmund
Freud: Os nossos complexos são a fonte da nossa fraqueza e, com
frequência, também da nossa força.
George
Sylvester Viereck: Quais seriam os meus complexos?
Sigmund
Freud: Uma análise séria levaria, pelo menos, um ano. Talvez
demorasse até mesmo uns dois ou três anos. O senhor tem dedicado muitos anos da
sua vida à caça de leões. O senhor tem procurado, ano após ano, as grandes
personalidades da sua geração, invariavelmente homens mais velhos.
George
Sylvester Viereck: Isso é parte do meu trabalho.
Sigmund
Freud: Mas também é uma preferência. O homem importante é um
símbolo. A sua busca é afetiva. O senhor está à procura do homem importante que
irá tomar o lugar do seu pai. Isso é parte do complexo que o senhor tem em
relação ao seu pai.
-
Neguei a afirmação de Freud com veemência. Entretanto, após refletir, parece-me
que pode haver alguma verdade, insuspeita para mim, na sua sugestão casual.
Talvez seja o mesmo impulso que me levou a ele.
George
Sylvester Viereck: No seu trabalho O Judeu Errante, o senhor estende essa busca ao passado. O senhor é
o eterno Explorador do Homem. Eu queria poder ficar aqui durante o tempo que
fosse necessário para ver o meu interior através dos seus olhos. Talvez, como a
Medusa, eu morresse de medo ao ver minha própria imagem! Entretanto acho que
conheço bastante a psicanálise. Eu ria prever, ou tentar prever, as suas
intenções.
Sigmund
Freud: A inteligência de um paciente não é um empecilho. Pelo
contrário, às vezes, ela facilita o trabalho.
–
Nesse aspecto, o mestre da psicanálise difere de muitos dos seus adeptos, que se
ressentem de qualquer dedução feita pelos próprios pacientes sob os cuidados
deles. A maioria dos psicanalistas emprega o método da “livre associação” de
Freud. Eles encorajam o paciente a dizer qualquer coisa que lhes venha à
cabeça, não importando o quanto o que dizem possa ser idiota, obsceno,
inoportuno ou irrelevante. Seguindo pistas que parecem não ter importância,
encontram os dragões psíquicos que assustam o paciente, afugentando-os. Eles
não apreciam o desejo de cooperação ativa do paciente, pois têm medo que,
quando descoberta a direção da sua investigação, os desejos e a resistência do
paciente lutem inconscientemente para manter seus segredos, desviando o caçador
psíquico da sua pista. Freud também reconhece esse perigo.
George
Sylvester Viereck: Às vezes eu penso se nós não seríamos mais
felizes se conhecêssemos menos o processo que forma os nossos pensamentos e
emoções. A psicanálise tira o encantamento da vida, quando segue a pista de
cada um dos sentimentos até os seus complexos básicos. Não ficamos mais felizes
ao descobrir nosso lado selvagem, criminoso e animal.
Sigmund
Freud: O que o senhor tem contra os animais? A comunidade animal é
infinitamente melhor do que a humana.
George
Sylvester Viereck: Por quê?
Sigmund
Freud: Porque os animais são muito mais simples. Eles não sofrem
de personalidade dividida ou desintegração do ego, problemas que surgem da
tentativa do homem de se adaptar a padrões de civilização que são sofisticados
demais para o seu mecanismo intelectual e psíquico. O selvagem, assim como o
animal, é cruel, mas ele não tem a maldade do homem civilizado. A maldade é a
vingança do homem contra a sociedade, pelas restrições impostas a ele. É essa
vingança que dá vida ao reformista profissional e às pessoas intrometidas. O
selvagem pode cortar a sua cabeça, comê-lo, tortura-lo. Mas ele vai poupá-lo
das pequenas provocações que, às vezes, tornam a vida em uma comunidade
civilizada quase intolerável. Os hábitos e as idiossincrasias mais desagradáveis
do homem, como a trapaça, a covardia e a falta de respeito, são produzidos pela
sua adaptação incompleta a uma civilização complicada. É o resultado do
conflito entre os nossos instintos e a nossa cultura. As emoções intensas
diretas e simples de um cachorro, ao abanar o rabo ou latir quando é
contrariado, são muito mais agradáveis! As emoções de um cachorro me fazem um
dos heróis da antiguidade. Talvez seja por isso que nós inconscientemente damos
aos cães nomes de heróis da antiguidade como Aquiles ou Heitor.
Sigmund
Freud: De jeito nenhum. A psicanálise simplifica a vida. Nós
atingimos uma nova síntese depois da análise. A psicanálise cria uma nova ordem
para o labirinto onde estão perdidos certos impulsos, e tenta conduzi-los para
o lugar ao qual pertencem. Ou, usando outra metáfora, ela é o fio que conduz o
homem para fora do labirinto do seu próprio inconsciente.
George
Sylvester Viereck: Em uma visão superficial, parece, entretanto,
que a vida humana nunca foi tão complexa. E, a cada dia, alguma nova ideia,
apresentada pelo senhor ou por um dos seus discípulos, torna o problema do
comportamento humano mais enigmático e contraditório.
Sigmund
Freud: Pelo menos a psicanálise nunca fecha as portas para uma
nova verdade.
George
Sylvester Viereck: Alguns dos seus alunos, mais ortodoxos do que o
senhor, se agarram a qualquer declaração que o senhor faça.
Sigmund
Freud: A vida muda e a psicanálise também. Estamos só no princípio
de uma nova ciência.
George
Sylvester Viereck: Eu acho a estrutura científica que o senhor
criou muito complexa. E os elementos dessa estrutura, como a teoria da
substituição, da sexualidade infantil, do simbolismo dos sonhos, etc., parecem
permanentes.
Sigmund
Freud: No entanto, torno a dizer, nós só estamos começando. Sou
apenas um principiante. Consegui trazer à tona muito do que estava enterrado
nas camadas mais profundas da mente. Mas, enquanto eu só descobri alguns templos,
outros podem descobrir um continente.
George
Sylvester Viereck: O senhor ainda dá grande importância ao sexo?
Sigmund
Freud: Eu respondo com as palavras do grande poeta Walt Whtman: “Mas não haveria nada, se não houvesse o sexo”.
Entretanto, como já disse, hoje em dia, eu dou a mesma importância ao que está
além do prazer – a morte, a negação da vida. Esse desejo explica porque alguns
homens gostam da dor – ela representa um passo em direção à morte! O desejo da
morte explica por que todos os homens procuram o descanso eterno, por que os
poetas agradecem:
“Onde quer que os deuses
estejam,
Não há vida que viva para
sempre
Os homens mortos nunca
renascem,
E até o rio mais enfastiado
Segue confiante na direção do
mar.”
George
Sylvester Viereck: Shaw, como o senhor, não deseja viver para sempre,
mas ele acha o sexo desinteressante.
Sigmund
Freud: Shaw – respondeu Freud, sorrindo –, não entende o sexo. Ele
não faz a mais remota ideia do que seja o amor. Não existe nenhum
relacionamento amoroso real nas suas peças. Ele transforma o caso de amor de
César – talvez a maior paixão da história – em uma piada. Deliberadamente, para
não dizer maliciosamente, ele despe Cleópatra de todo o seu esplendor e a
rebaixa à condição de uma mulher insignificante, petulante e exagerada. A razão
para a estranha atitude de Shaw em relação ao amor e para a sua negação do
impulso primordial de todas as ações humanas, o que tira de suas peças o
atrativo universal apesar da sua grande inteligência, está na natureza da sua psicologia.
Em um de seus prefácios, Shaw enfatiza o aspecto ascético da sua personalidade.
Posso ter cometido muitos erros, mas tenho certeza que não errei ao enfatizar a
predominância do instinto sexual. Porque o instinto sexual é tão forte que se
choca com muita frequência contra as convenções e salvaguardas da civilização.
A humanidade, em defesa própria, procura negar a importância suprema do sexo.
Analise qualquer emoção humana, não importa o quanto ela esteja distante da
esfera do sexo, e o senhor vai encontrar com certeza, em algum lugar, o impulso
primordial, ao qual a própria vida deve a sua perpetuação.
George
Sylvester Viereck: É certo que o senhor conseguiu incutir o seu
ponto de vista sobre todos os escritores modernos. A psicanálise deu nova força
à literatura.
Sigmund
Freud: Ela também recebeu contribuições da literatura e da
filosofia. Nietzsche foi um dos primeiros psicanalistas. É incrível o quanto a
intuição dele se antecipou às nossas descobertas. Ninguém identificou com mais
clareza as razões para o comportamento humano e a luta do princípio do prazer
pelo eterno domínio. O seu Zaratustra diz:
“Desgraça
Grite:
Vá
Mas
o prazer implora por eternidade,
Implora
insaciável, profunda eternidade.”
Pode ser que a psicanálise seja
menos discutida na Áustria e na Alemanha do que nos Estados Unidos, mas a sua
influência sobre a literatura, no entanto, é enorme. Thomas Mann e Hugo von
Hofmansthal nos devem muito. Schnitzler acompanha, em grande parte, o meu
desenvolvimento. Ele expressa através da poesia muito do que eu tento
transmitir cientificamente. Mas o doutor Schnitzler não é apenas um poeta, ele
é também um cientista.
George
Sylvester Viereck: O senhor não é apenas um cientista, é também um
poeta. A literatura americana está impregnada pela psicanálise. Rupert Hughes,
Harvey O’Higgins e outros são seus intérpretes. É quase impossível abrir um novo
romance recente sem encontrar alguma referência à psicanálise. Entre os
dramaturgos, Eugene O’Neill e Sydney Howard devem muito ao senhor. “The Silver
Cord” (O Cordão de Prata), por exemplo, é uma mera dramatização do complexo de
Édipo.
Sigmund
Freud: Eu sei disso, sou grato pelo reconhecimento, mas temo pela
minha própria popularidade nos Estados Unidos. O interesse dos americanos pela
psicanálise não é muito profundo. A grande popularidade leva à aceitação
superficial sem uma pesquisa séria. As pessoas apenas repetem o que escutam no
teatro ou leem nos jornais. Eles pensam que compreendem a psicanálise, porque
conseguem repetir o nosso jargão! Eu prefiro o estudo mais intenso da
psicanálise nos centros europeus. Os Estados Unidos foram o primeiro país a me
reconhecer oficialmente. A Clark University me conferiu um grau honorário
quando eu ainda estava condenado ao ostracismo na Europa. No entanto os Estados
Unidos contribuíram muito pouco para o estudo da psicanálise. Os americanos são
generalizadores inteligentes, mas raramente são pensadores criativos. Além
disso, os médicos americanos, bem como os austríacos, tentam apropriar-se do
campo. Deixar que a psicanálise permaneça somente nas mãos dos médicos será
fatal para o seu desenvolvimento. A formação médica pode ser tanto uma vantagem
quanto uma desvantagem para o psicanalista. Ela é uma desvantagem quando certas
convenções científicas aceitas se tornam arraigadas demais na mente do
estudante.
–
Freud precisa dizer a verdade a todo custo! Não consegue se forçar a lisonjear
os Estados Unidos, onde tem a maioria dos seus admiradores. Não consegue, mesmo
estando em desvantagem, fazer as pazes com a profissão médica, que até hoje o
aceita com grande relutância. Apesar da sua integridade inflexível, Freud é
muito cortês. Ele ouve qualquer sugestão com paciência, sem jamais tentar
intimidar o entrevistador. É raro um convidado partir sem algum presente, uma
lembrança da sua hospitalidade! A noite chegara. Estava na hora de pegar o trem
de volta para a cidade que um dia abrigara o esplendor imperial dos Habsburgos.
Freud, acompanhado pela esposa e pela filha, subiu a escada que ligava o seu
retiro nas montanhas à rua, para se despedir de mim. Ele me pareceu triste e
sombrio, quando acenou pra mim.
Sigmund
Freud: Não me faça parecer um pessimista – completou depois do
último aperto de mão. Eu não desprezo o mundo. Expressar insatisfação para com
o mundo é só uma outra maneira de cortejá-lo, para conseguir plateia e
aplausos! Eu não sou um pessimista, não enquanto tiver meus filhos, minha
mulher e minhas flores! As flores felizmente não têm personalidade ou
complexidades. Adoro as minhas flores. E não sou infeliz – pelo menos, não mais
do que outras pessoas.
–
O apito do meu trem soou na noite. O carro me levou à estação com rapidez. Aos
poucos, a figura levemente curvada e a cabeça grisalha de Sigmund Freud
desapareceram ao longe. Como Édipo, Freud olhou fundo nos olhos da Esfinge. O
monstro propõe seu enigma para qualquer viajante. O andarilho que não souber a
resposta será cruelmente agarrado e atirado contra as rochas. Mesmo assim, ela
talvez seja mais gentil com aqueles que destroem do que com os que adivinham
seu segredo.
Imagens: Internet
A propósito, você já acessou a fan page do meu livro infantil Juju Descobrindo Outro Mundo? Não imagina o que está perdendo. Acesse: http://minilink.es/3fnx.
E o site da Juju Descobrindo Outro Mundo, já o acessou? Se eu fosse você iria conferir imediatamente. Acesse: http://minilink.es/3frc
2 comentários:
Não poderia deixar de Passar por aqui,
olhar e admirar todo esse encanto
que o Bússola Literária nos oferece com
sua leitura, e, para finalizar só tenho a dizer
que gostei, gostei muito.
Parabéns querido amigo Dilson.
Beijos Ju Loren
“Onde quer que os deuses estejam,
Não há vida que viva para sempre
Os homens mortos nunca renascem,
E até o rio mais enfastiado
Segue confiante na direção do mar.”
Obrigado talentosa poetisa Ju Loren, pela carinhosa visita e o amável comentário. Esperamos contar com sua presença mais vezes. Fraternal abraço.
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