Caminhando pelo Sahara de sua subsistência, um beduíno errante resolve entregar-se ao descanso dos deuses. Merecidamente, afinal naquele dia já havia viajado por horas sob o sol causticante, e na sua seara de amor, lutas e conquistas o repouso se fez necessário, portanto, seria ali o lugar ideal para repor energias. Assim no oásis de seus encantos, sob a sombra fresca de uma tamareira e na solidão do pastoreio, cogitou instalar-se, expectante que o céu azul celeste do momento mostrasse no horizonte de seus olhos reluzentes, um pôr-do-sol cheio de presságios bondosos, uma visão poética do sol se pondo atrás das dunas, que ele se negava a não contemplar.
Cobrindo sua cabeleira, um turbante nácar expõe sua genialidade e sua elegância. Com pensamentos em êxtase, vagou por épocas belíssimas remetendo-se à sua infância junto à família, e das primeiras lições recebidas. Acessou fragmentos de sua jovialidade e num estalar de dedos, surgiu na sua mente um acontecimento que marcou muito sua vida, suas ações, seu respeito à natureza e a quem dela dependessem. O sabor adocicado da tâmara, feito uma assência de mel suave. Sua boca salivou abundatemente. Olhou para o céu todo iluminado por uma constelação de luzes poéticas, agradeceu ao Divino as bênçãos concedidas.
Ah, maravilha primorosa! Sonorizou num estufar do peito. Deliciou-se com o momento, pois, só ele e uns poucos conheciam a felicidade de sentir aquele sabor inarrável de dormir sentindo o aconchego de uma tamareira bem no abstrato mundo das ilusões, dos sonhos e da esperança. Abriu preguiçosamente os braços, bocejou calmamente, cerrou os olhos, pôs a alma vigilante e descansou o corpo dolorido pelas viagens de sua vida.
Durante o sono, com a visão encantadora de seu sonho muito desejado, atraído pela excitação da mente, encontrou-se com Malba Tahan. Através da manifestação dos sentidos, tornou-se impossível não se divisar frente a frente com o homem que calculava. Beremiz Samir exercitava com tanta determinação sua capacidade de fazer cálculos que aproveitando dessa sua faculdade tão extraordinária, resolveu ajudar o seu patrão nos negócios com as tâmaras. Passou então a contar todos os frutos dos cachos das tamareiras pelos oásis sob o seu domínio. Sua habilidade com a matemática era tão fascinante que já havia lhe permitido contar os pássaros em bando no céu; folhas das árvores durante o trajeto de sua viagem à Bagdá do Século XIII; e todas as abelhas de um enxame.
Como nômade conhecia muitas histórias e lendas sobre as tamareiras e o seu fruto, contadas por diferentes etnias, pesquisadores e andantes do árido deserto. Orgulhava-se de narrar aos viajantes menos esclarecidos às vantagens, curiosidades e crenças espirituais que elas representavam aos povos da imensidão desértica.
Não era estudioso de botânica, tampouco havia sentado num banco escolar tradicional. Sua sabedoria vinha de uma mente super privilegiada, adicionada as experiências da vida, que adquiriu nas andanças pelo árido deserto e de ter aproveitado as oportunidades como ouvinte e curioso do desconhecido. Absorvendo com entusiasmo às histórias contadas por outros como ele, também viajantes daquela ondulada, inóspita e arenosa região. Mas na sua maneira simples de expressar dava show de conhecimentos. Começava suas explanações desde o "b a bá" até os mais notáveis fatos ocorridos na vida dos povos do maior deserto do mundo.
Ao acordar deparou-se com uma pequena comitiva de mestres e alunos que faziam os seus trabalhos "in locuo" em busca de experiências além livros. Aproximaram-se dele e aproveitando da oportunidade de encontrar um indivíduo símbolo daquele território, se apresentaram - como se fosse uma entrevista em busca de curiosidades - e lhe perguntaram se estava disposto a contar algo que achasse relevante dos seus conhecimentos, a respeito daquele ambiente quente e de areias que esvoaçavam ao simples sopro do vento morno e quase sem trégua, capaz de mudar aquela paisagem ocre e seca de um dia para o outro.
Com muita disposição se prontificou a colaborar. Para ele era um prazer fazer aquele obséquio. Ao começar os seus relatos, coincidência ou não, com o seu recente sonho, escolheu a tamareira como foco de sua conversa e de sua importância na vida dos povos daquele mundo exclusivo dos bravos, já que estava usufruindo o bem-estar de suas sombras.
Lembrou-se providencialmente da página de uma revista americana que carregava com muito cuidado nos seus alforjes, que um sábio viajante havia traduzido para ele. Pegou o papel já amarelado, mostou-lhes com o objetivo de registrar a veracidade dos fatos e contou o seu teor, que dizia em determinado momento: - "Segundo a FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação - Os países asiáticos e africanos, principalmente Egito, República Islâmica do Irã, Arábia Saudita, Paquistão, Iraque e os países visinhos, juntos produzem aproximadamente 98% das tâmaras do mundo. Estados Unidos, Espanha e México produzem o restante. E que as tâmaras são um cultivo de subsistência de extrema importância em quase todas as regiões desérticas".
Continuou: - "Para milhões de pessoas constituem um importante alimento nutricional que contribui na segurança alimentar e é também parte vital da cultura e agro-biodiversidade da população".
A partir daí como se fosse uma preliminar de sua conversa estimulante, deixou fluir naturalmente o seu vasto conhecimento, dizendo que a tamareira é uma espécie de palmeira que nasce nas alturas, símbolo de retidão e vitória. As palmeiras crescem para cima e para baixo, suas raízes descem as mais profundas camadas até encontrarem solo rochoso onde se abraçam nas rochas tendo força para suportar os fortes ventos e tempestades do deserto, por isso sempre permanecem de pé.
Buscando nos seus conhecimentos científicos, aprendidos através dos encontros com intelectuais do deserto e pela sua ânsia de sabedoria, continuou dizendo que a tamareira ou datileira - Phoenix dactylifera - e uma planta de quinze a vinte metros de altura, surgindo às vezes em touças, com vários troncos partilhando o mesmo sistema radicular, em geral crescendo isolada. As folhas são frondes pinadas, com até três metros de comprimento, com pecíolo espinhoso e cerca de 150 folíolos. Cada folíolo tem cerca de trinta centímetros de comprimento e dois centímetros de largura.
Aproveitou o momento para indicar por intermédio dos gestos de suas mãos todas as tamareira daquele lugar onde se encontravam. Todos ali o ouviam extasiados com tamanha facilidade de lidar com as palavras e sabedoria. Com muita naturalidade anunciou que alguém havia lhe contado certa vez que o pesquisador brasileiro, Manoel Abílio de Queiroz, do Centro de Pesquisas Agropecuárias do Trópico Semi-Árido e o Centro Nacional de recursos Genéticos, ambos da Embrapa do estado de Pernambuco, região de relevante importância para a República Federativa do Brasil, doutor em melhoramento de vegetais, havia dito que: - "Uma boa surpresa foi à adaptação da planta no sertão. Começou a dar frutos com quatro anos depois de plantada. No Oriente Médio, isso acontece aos oito anos". Acrescentou ainda, que além do fator econômico, a tamareira também oferece vantagens ambientais. Elas fertilizam o solo, suavizam a temperatura e interrompem a progressão das zonas em processo de desertificação.
Destacou o nobre beduíno contador de histórias, com sua serenidade habitual e a voz carregada de informações elevadas, que a tamareira é uma planta extensivamente cultivada há milênios pelos seus frutos comestíveis. Sua área natural de distribuição é desconhecida, mas supõe-se originária dos oásis da região onde estavam. Norte da África. Embora outros viajantes com quem já houvesse conversado e que estiveram em lugares distantes à sua modesta imaginação, admitirem sua origem no sudeste da Ásia. E que elas têm fornecido alimento e abrigo aos egípcios, babilônios e assírios. E para os mais eloquentes com os assuntos bíblicos, afirmarem que serviu Moisés na sua saga de encontrar a Terra Prometida. E aos seguidores do Islamismo e da fé a Allah, crêem que o profeta Maomé na sua cruzada pelo deserto teve nas tâmaras o seu principal alimento.
Naquela altura de suas explanações e no êxtase e suas lembranças, esbanjou e esnobou de seus conhecimentos, enveredando para o científico mais uma vez, ao dizer que a planta se trata de uma espécie dióica que apresenta flores masculinas e femininas com o nascimento de palmeiras diferentes. Assim, só as fêmeas produzem frutos, polemizados pelo pólem fornecido pelos machos.
Continuou seu relato já em estado de exaltação pelo prazer de poder contar suas experiências para uma turma tão especial, dizendo: - "Segundo algumas informações que me chegaram pelos comerciantes brasileiros e de um livro que mantenho entre os meus guardados, traduzido para o idioma árabe, pela Universidade de Ciências Naturais do Cairo, conta a história da palmeira no Brasil. Diz que a tamareira foi introduzida no País há muitos anos, porém poucos foram os estudos sistemáticos realizados com a cultura. O primeiro registro de sua introdução data de 1928 quando algumas fontes reprodutivas chegaram a São Paulo e que alguns estudos foram realizados na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz onde foram originadas algumas variedades". Rapidamente tomou nas mãos o texto e comprovou o seu relato.
Depois de uma breve pausa, com o objetivo de dar uma boa respirada e verificar se os seus fieis ouvintes tinham alguma dúvida ou se estavam entendendo cada detalhe, de repente começou a sorrir, causando a curiosidade de todos. Misturando palavras desconexas com o seu riso, passou a contar a história de um laociano de nome Sansunnang Vaiollang, vindo da região de Luang Prabang no Laos, justamente o local considerado pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade.
De posse de uma foto mostrando várias tamareiras de sua terra. Ele olhou para as nossas plantas aqui e ria sem explicação. Depois de muito tempo foi que percebi que o motivo e tanta graça, era que as tamareiras da sua região eram anãs. Ele brincou com a situação dizendo-me que as deles eram muito jovens e que um dia seriam tão grandes quanto as nossas. Então começou a me contar, como se fosse realmente um grande entendido no assunto, dizendo agora com aparência demonstrando seriedade e exatidão, que a tamareira anã - Phoenix Rebelenni O'Brien - é uma pequena palmeira originária da sua região na Ásia, largamente cultivada, como planta ornamental nos trópicos e nas regiões subtropicais e temperadas. Possui estipe de dois a quatro metros de altura e com cerca de dez centímetros de diâmetro. As plantas femininas ocorrem geralmente agrupadas em grandes touceiras. Seus frutos alongados, com aproximadamente um centímetro e meio de comprimento, são numerosos, de coloração variando de vinho a preto quando maduros. Terminou sua exposição demonstrando uma pessoa além do senso de humor à flor da pele, um grande caráter.
Além das lendas e histórias de conteúdos mágicos o atencioso beduíno, contou aos curiosos que a tamareira é considerada árvore sagrada e mágica há milhares de anos. No Egito era uma espécie sagrada e a folha símbolo do deus Heh, que representa a eternidade. Mais tarde, passou a ser símbolo de fecundidade, fertilidade e vitória. As tâmaras também são usadas como doces ou quitutes afrodisíacos. Os egípcios as comem antes de fazer amor. E ainda tem como lenda a relacionada ao desterro da Virgem Santíssima no Egito, onde Maria procurou abrigo e descanso sob a sombra de uma tamareira, à qual se inclinou para que as tâmaras ficassem ao alcance de suas mãos.
Aquele smples e atencioso homem do deserto parecia em estado de graça na manifestação de seus conhecimentos, quando disse que Paleontólogos também deram a sua contribuição na rica história das tâmaras. Segundo esses pesquisadores incansáveis uma semente com cerca de dois mil anos foi encontrada nas escavações em 1963, no deserto da Judéia sendo plantada por cientistas israelenses e germinou segundo artigo publicado na revista especializada Science. A região é a mesma da antiga fortaleza do rei Herodes, em Masada, perto do Mar Morto. Na ocasião, os cientistas encontraram um grupo de sementes, que mantiveram em uma sala em temperatura ambiente com a intenção de estudá-las mais a fundo. O lugar era famoso por suas tâmaras com propriedades medicinais, também era o principal produto de exportação da região hoje ocupada por Israel.
Deu uma parada na sua fala, verificou atentamente a todos, depois olhou para o alto e notou quão tinha passado o tempo. O sol já estava no auge de seu posicionamento no céu, foi quando teve a noção de que a conversa que seria para poucos minutos, já se passara pelo menos um quarto do dia. Embora os mestres e estudantes estivessem satisfeitos e impressionados com os requintes dos esclarecimentos, fez questão de encerrar sua conversa com algo lúdico, ao contar que Ali Babá e os Quarenta Ladrões também se beneficiaram tanto da doçura do fruto quanto do repouso de sua sombra, nas imediações da caverna encantada de Sésamo.
Agora sob os encantos de Mil e Uma Noites de imagens e conteúdo, e de ter falado para uma turma de elevados padrões culturais, aquele seria o momento ideal de colocar-se a caminho de sua jornada. Não sabia quanto tempo duraria, mas tudo bem, já havia descansado por sete sois e sete luas no pastoreio de suas cabras. Assim o dever o aconselhava cumprir sua missão e seguir adiante.
Este relato bem que poderia ter sido apresentado por um dos alunos presentes naquele dia impar de memorável aprendizado, e servido de subsídios para seu trabalho escolar na Universidade sobre vegetais do árido e semi-árido. Entretanto, se algum dia encontrar um beduíno com estas características procure-se aproximar dele, se não for, não maldiga falta de sorte, todos eles têm uma história linda pra contar e verá que existe doçura no olhar e nas atitudes dos pacíficos de alma; bondade cultural da sua raça e no mel da tâmara.
Fonte da pesquisa: Internet.