O canal de notícias G1 do Grupo Roberto Marinho
publicou em sua matéria no dia seguinte à morte do escritor italiano, Umberto
Eco nasceu na cidade de Alexandria, no dia 5 de janeiro de 1932. Quando
pequeno, durante a Segunda Guerra Mundial, se mudou com sua mãe para um pequeno
vilarejo na região montanhosa de Piemonte. Seu pai, um contador que vinha de
uma família de 13 filhos, foi convocado para lutar em três guerras. Filósofo, semiólogo, romancista, autor de O Nome da Rosa, O Pêndulo de Foucault e O Cemitério de Praga, Umberto Eco morreu
aos 84 anos em sua casa, dia 19 de fevereiro de 2016, de câncer.
O
pai de Umberto Eco queria que ele estudasse direito, mas decidiu-se entrar na
Universidade de Turin, para estudar filosofia medieval e literatura, sendo mais
tarde professor na própria universidade. Também trabalhou como editor no canal
de televisão RAI, onde conheceu um grupo de escritores, pintores e músicos que
o influenciou na sua carreira de escritor.
Em setembro de 1962, Umberto se
casou com Renate Ramge, professora de arte alemã com quem teve dois filhos.
Naquela época, dividia o seu tempo entre um apartamento em Milão, onde tinha
uma biblioteca com 30 mil volumes e uma casa de veraneio perto de Rimini, na qual tinha outra biblioteca com mais 20 mil exemplares.
Em 1992 e 1993, foi professor na
Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Também lecionou nas universidades de
Oxford, Columbia e Indiana; Universidade de San Marino e na Universidade de
Bologna, onde era presidente da Faculdade de Ciências Humanas.
Conhecido pelo seu romance O Nome da Rosa, publicado em 1980,
Umberto Eco combina na sua obra, semiótica, ficção, análise bíblica, estudos
medievais e teoria literária. No qual conta a história do frei Guilherme de
Baskerville, enviado para investigar o caso de um mosteiro franciscano
italiano, cujos monges são suspeitos de cometer heresias. A história que se
passa em 1927, envolve mortes misteriosas, crueldade e sedução erótica. Em 1986,
Jean-Jacques Annaud, dirige o filme com o mesmo título baseado no livro,
estrelado por Sean Connery.
Entre suas obras mais
conhecidas, além dos romances que o consagraram e O Número Zero, publicado no ano passado, estão os ensaios: A
Estrutura Ausente e História da Beleza.
O jornalista e crítico
literário Ademir Luiz, em sua coluna Livros, hospedada na revista Bula,
publicou no final do ano passado, sob o título de "Umberto, um fraco eco de si
mesmo", excelente avaliação do trabalho literário de Umberto Eco, cujo
comentário Bússola Literária faz questão de transcrevê-lo na integra, dado o
valor do seu conteúdo.
Umberto, um fraco eco de si
mesmo
Umberto Eco é um gênio esgotado,
preguiçoso ou um fanfarrão? Ou tudo ao mesmo tempo agora? Sim, essa é uma
abertura provocativa e, deliberadamente bombástica, para tentar chamar sua
atenção. Porém, para, além disto, mais uma vez sigo o sábio conselho com o qual
o venerável mestre Antonio Candido abriu sua Literatura e Sociedade. “Nada mais
importante para chamar atenção sobre uma verdade do que exagerá-la.”
E a verdade é que sempre que
Umberto Eco lança um novo romance ele se torna figura onipresente nos cadernos
culturais. São entrevistas e mais entrevistas, resenhas e mais resenhas.
Normalmente, entrevistas repetitivas e resenhas mornas, elogiando a nova obra,
sem aprofundar muito. Logo depois, salvo em trabalhos acadêmicos sobre o autor,
pouco se fala sobre o tal livro. No inconsciente coletivo da intelectualidade,
Umberto Eco ainda é o autor de O Nome da
Rosa, que começa a ganhar merecido status de clássico, e personagem símbolo
da cultura ocidental, de algum modo substituindo Jorge Luis Borges, não por acaso
um de seus ídolos.
O que é muito justo. Parece-me
que, possivelmente, ele é o mais culto dos homens vivos. Quem poderia lhe ser
superior nessa inútil gincana de memória de elefante? Habermas? Harold Bloom?
Bento XIV? Nenhum deles, uma vez que, essas ilustres figuras são gente séria,
não se ocupando, pelo menos não publicamente, de assuntos que consideram
menores, tais como cultura pop e popular. Umberto Eco não possui tais
preconceitos, ou escrúpulos. Dá xeque-mate em seus concorrentes no quesito
versatilidade. Em inúmeras ocasiões demonstrou seus vastos conhecimentos sobre
cinema trash, desenhos animados,
literatura pulp, pornografia, fofocas
sobre subcelebridades em geral, histórias em quadrinho, a saga do Super-Homem,
o urso Zé Colméia, internet e assuntos afins.
Tudo convivendo lado a lado com
sua sólida formação em semiótica, filosofia, teologia, história, alta
literatura, artes, mitologia, conhecimentos consideráveis em ciências duras e,
como bom italiano, música erudita. E muito mais. Eco é uma espécie de Google
humano. Essa facilidade em unir cultura erudita e cultura de massa, de modo bem
humorado, transformou-o numa espécie de consciência geral do nosso tempo, um
tipo de Grilo Falante Pós-Moderno. O problema é que, receio, às vezes, ele
acredite mesmo nisso.
Em termos literários, Umberto
Eco não pode ser reduzido ao papel de autor de um livro só. Além de O Nome da Rosa, escreveu o ainda melhor,
O Pêndulo de Foucault. Um romance,
infelizmente, subvalorizado, mas com tema, personagens e enredo brilhantemente desenvolvidos.
Mas foi só.
Claro que esse “só” é maneira
de “dizer”. Produzir dois romances geniais, além de inúmeros livros teóricos
fundamentais para diversas áreas das Ciências Humanas, constituem feitos
colossais. Certamente, vão lhe garantir um lugar na História. Mas tenho sérias
dúvidas se é o suficiente para colocá-lo no panteão, entre os Grandes, os
realmente imortais, como o citado Borges, Mann, Kafka e outros Vips. Se tivesse
que apostar meu suado dinheiro, hoje, diria que não. Eco não entra para o
clube. O que também é justo, considerando que, assim como Roberto Carlos, Eco
passou os últimos 20 anos vulgarizando sua obra de ficção. É um esforço
gigantesco que resultou em milhares de páginas que variam entre o mediano e o
descartável. Li cada uma delas. Mais uma vez.
Umberto Eco
Quando lançou O Nome da Rosa, em 1981, Eco temia ter
se esgotado como ficcionista. Mas esse foi um projeto técnico, no sentido de
que o escreveu usando seus vastos conhecimentos de crítico literário e medievalista,
gigantesca capacidade de trabalho e intuição de leitor voraz. O Nome da Rosa é, acima de tudo, a
montagem de um complexo mosaico literário. Eco gastou tinta, dedos e cérebro
para escrevê-lo, não sangue, suor e lágrimas. Percebeu que poderia ser mais
pessoal em sua literatura e o resultado foi O
Pêndulo de Foucault, colocando nele tudo que lhe interessava, emprestando
aos personagens, inclusive suas memórias de infância, durante a Segunda Grande
Guerra. Demorou sete anos na tarefa. Depois desse livro, o sentimento de
esgotamento retornou. Desta vez estava certo.
Em 1994 publicou o
interessante, mas levemente decepcionante, A
Ilha do Dia Anterior. Tudo bem, não dá para produzir obras-primas como se
produz pizzas, por mais italiano que seja. Em 2000 veio o fraco romance
histórico Baudolino, um livro que
deixou a sensação de ter sido escrito às pressas, sem grandes pretensões, feito
para ser apenas uma aventura imaginativa. Interpretei-o com o respiro do
artista, a folga antes do canto do cisne. Quatro anos se passaram e saiu o
ambicioso A Misteriosa Chama da Rainha
Loana, obra lindamente ilustrada que tinha tudo para ser um novo triunfo,
mas que resultou em decepção: o tema, a questão da memória individual em
relação à memória coletiva, foi desperdiçado; os personagens pouco
desenvolvidos, o enredo ficou cheio de pontas soltas e tempos mortos,
apresentou um final preguiçoso ao estilo Saramago e Ítalo Calvino, do tipo “cansei
de escrever, vou terminar o livro”.
Comecei a ficar irritado.
Quando em 2010, foi lançado O Cemitério
de Praga, li-o cheio de desconfiança, embora, como sempre, esperançoso.
Infelizmente, mais uma pizza queimada: o enredo é inverossímil e mal
desenvolvido, os personagens antipáticos e sem carisma, a narrativa, mais uma
vez, preguiçosa e repleta de clichês. Umberto Eco tornou-se um imitador de si
mesmo. Pior, imitava Dan Brown, autor de O
Código Da Vinci, que por sua vez imitava e vulgarizava o Eco dos anos de
ouro.
Agora, em 2015, com o
lançamento de Número Zero, Umberto
Eco foi mais longe, ele não apenas imita e vulgariza o autor que um dia foi ao
escrever O Pêndulo de Foucault, como
se autoplagia toscamente. O enredo do novo romance, como foi amplamente
divulgado nos cadernos culturais, físicos e online, se passa em 1992, ano da
Operação Mãos Limpas, que, literalmente, limpou a Itália de diversos esquemas
criminosos que assolavam o país, mas que, como efeito colateral, gerou um vácuo
de autoridade que ajudou a colocar no poder o milionário da mídia Silvio
Berlusconi, uma mistura patusca de Roberto Marinho, Assis Châteaubriant e
Silvio Santos à italiana. O mau jornalismo e suas consequências parece ser o
tema. Poderia ser a má literatura.
Os problemas começam na
primeira página, onde é apresentado um mistério que já não é dos mais empolgantes
e que deveria iniciar o suspense da trama. Sua resolução, sugerida quase ao
final, é feita da maneira mais despojada e desinteressante possível. Entre uma
coisa e outra, o que encontramos é uma comédia de erros. O protagonista é o
cinquentão enxuto Colonna, um perdedor excessivamente consciente (fala sobre
isso o tempo todo), que trabalha como ghost-writer
(nêgre, como era chamado na Itália, antes da era do politicamente correto) e
tradutor de alemão. Esse é o tema do primeiro autoplágio que consegui
identificar, presente na página 15 da edição brasileira, um parágrafo que
lembra muito um trecho de O Pêndulo de
Foucault: “ou você traduz alemão ou se forma, as duas coisas juntas não dá
pra fazer”. Na página 64 é pio, encontramos um período que copia quase palavra
por palavra, em contexto diferente, um dos diálogos mais famosos de O Nome da Rosa, sobre herborismo. Na
página 92 o autor recicla um artigo da década de 1990 sobre a então recente
moda dos telefones celulares. E a coisa vai, em detalhes menores ou maiores.
Mas esses autoplágios são o
menor dos problemas. Com um pouco de boa fé e complacência podemos considerá-los
honestas autocitações, merecidas auto-homenagens, inocentes masturbação
intelectual, easter eggs ou mesmo que
o idoso autor simplesmente esqueceu-se que usou tais ideias em outros lugares.
Seriam apenas ecos de Eco em Eco. Justo.
O problema está na frouxidão no
desenvolvimento do tema e do enredo. O problema está na galeria de personagens
clonados, muito melhores em suas encarnações anteriores. O problema está nos
diálogos engraçadinhos, requentados de outros livros. O problema está na
abertura de assuntos, que ameaçam ser importantes, mas que são solenemente esquecidos.
O problema está nas teorias conspiratórias sem novidades. O problema está nos
coadjuvantes sem carisma e irrelevantes. O problema está nas discussões exageradamente
didáticas, que deveriam ser elucidativas e/ou eruditas, mas que parecem
resultados de pesquisas rápidas feitas no Google. O problema está na falta de
um clímax, ou, por outra, um clímax anticlimático. O problema está no desfecho
que deveria ser cínico, mas que se revela ingênuo, contando com um moral da
história.
Essas são minhas impressões
iniciais, diz o crítico literário Ademir Luiz, da revista Bula, sobre a obra de
Umberto Eco, Número Zero. Se tivesse que lhe atribuir nota, não seria zero. Não
faria isso nem para gerar um efeito esperto no texto, não me permito descer tão
baixo para chamar sua atenção. Fica no máximo com cinco de dez, sendo generoso.
Claro que estou escrevendo no calor do momento. Pode ser que o livro seja
reavaliado. Sempre é possível. Mas é o que temos para hoje.
Antes que me esqueça, há um
ponto positivo (ou não). Depois de uma sucessão de calhamaços, sempre entre
quatrocentas e seiscentas páginas, o novo livro só tem duzentas páginas, em
letras grandes e espaçadas. Não se perde muito tempo. Afinal, talvez a verdade
seja que eu sim, estou preguiçoso ou esgotado. Ou sou um leitor fanfarrão.
Para fechar, não podemos
descartar a possibilidade de que Eco não escreva os romances que assina desde a
década de 1990. É possível que o fato do personagem Colonna ser um ghost-writer seja uma pista, uma
piscadela irônica para os desocupados que ficam discutindo as causas do fim de
seu talento narrativo, ao invés de lerem literatura clássica de verdade. Talvez
Eco, humildemente, não se considere digno de entrar para o panteão e se sabote.
Talvez esteja realizando um longa performance artística, para denunciar o
caráter superficial da indústria cultural que transformou um professor
universitário em celebridade internacional. Talvez só fiquemos sabendo desse
projeto numa carta testamento.
Pode ser ainda que Eco só
esteja cumprindo contato, entregando um romance de vez em quando para editora,
para garantir alguns milhões de dólares a mais nos baús guardados nos porões do
castelo medieval que comprou.
Se qualquer uma dessas opções
for verdadeira, a resposta é que Eco é, definitivamente, um gênio fanfarrão.
Imagens: Internet.