Recebi esta semana, o livro
de poemas Atarantada, de Noélia Ribeiro. Não resisti à atração insinuante dos
seus versos de amor inquieto, envoltos num clima de ardentes desejos. Onde a
força expressiva do lirismo implícito, denota a existência de um frenesi
sintomático do sentimento declarado. Revelando a carência afetiva a despeito de
sonhos flamejantes. No entanto, o seu fascínio poético transcende a sonoridade
do vento, guiando o albatroz no seu voo sedutor, exibindo livre sua majestosa
elegância. Fazendo-se ressurgir do seu exílio fóbico, para se juntar aos
libertos. Como manifestantes silenciosos, riscam o colo das nuvens escrevendo
palavras extraídas da mente contemplativa.
Senti-me sendo transportado
no dilúvio da sua inquietação ardente e tempestiva. No mesmo momento em que descreve a lascívia, beija o amor, caminha pela praia, respira o orvalho da manhã,
sonha os sonhos de uma deusa, até lembrar-se do seu pai Raimundo, exprimindo
a mesma doçura do amor imutável. Este irresistível tour sobre um belo tapete voador, fez erigir-me na fortaleza de um colosso, aspirando o suave perfume do suor brotando
na pele depois de um clímax memorável.
Noélia tem a versatilidade segura e a beleza
de uma borboleta que escolhe com sabedoria a flor onde pousar. Está conectada a
uma mente saudável e intangível semelhante a do elefante que jamais esquece o
seu passado. Sua flor preferida, acredito eu, são os lírios, porque não dissimulam sua virilidade autêntica, nem se esconde nas brumas do anonimato. Se
destaca pela imponência dos seus filetes embrionários, tornando-se mais
entorpecedor que o cravo, casualmente visível na lapela de um “black-tie”, "blazer" ou paletó refinado em noite de gala. Entretanto, o seu tempo de deslumbre
é tão efêmero, quanto à vaidade do seu hospedeiro.
Assim que terminei de ler o
seu livro Atarantada, título que desconheço o motivo, sei apenas que não existe
nada de inexplicável no seu conteúdo. Passei a refletir sobre a essência das
poesias nele eternizadas. A partir daí, achei que deveria procurar interpretar
a subjetividade que as envolvem. Então, notei que havia chegado o momento de rever
o filme Sociedade dos Poetas Mortos, depois de muitos anos que o havia visto
pela primeira vez. O roteiro escrito por Tom Schulman transportou-me para uma
realidade notável, vivida pelos alunos da elitista Academia de Welton, em 1959,
arraigada a tradições conservadoras e arrogantes. Contradizendo o pensamento de alguns alunos das aulas de literatura, capitaneadas pelo professor de poesia John Keating, interpretado por Robin Williams, os quais acreditavam na ideia do “Carpe diem” – aproveite o dia,
aproveite a vida.
Eis aí, quatro poemas
extraídos do livro Atarantada, de Noélia Ribeiro:
Carne Viva
A carne é fraca
diante de tudo
o que pulsa e invade.
Sofre de repulsa
por formalidades.
diante de tudo
o que pulsa e invade.
Sofre de repulsa
por formalidades.
A carne é fraca.
Entra em cena
com alguns disfarces
mas não teme
mostrar a outra face.
Entra em cena
com alguns disfarces
mas não teme
mostrar a outra face.
A carne é repetente.
Escuta a lição
e não aprende.
Sabe somente
de inquietação.
Escuta a lição
e não aprende.
Sabe somente
de inquietação.
Para ela tanto faz
se o contentamento
vem a prazo ou à vista.
Este é o melhor momento.
A carne é hedonista.
se o contentamento
vem a prazo ou à vista.
Este é o melhor momento.
A carne é hedonista.
Não se alimenta apenas
de olhares furtivos.
A carne também é aberta
ao enlace permitido.
de olhares furtivos.
A carne também é aberta
ao enlace permitido.
Quando aprisionada,
a coitada sucumbe
de dor que não se aplaca,
pois, embora atrevida,
a carne é muito fraca.
a coitada sucumbe
de dor que não se aplaca,
pois, embora atrevida,
a carne é muito fraca.
As ondas
vão e vêm,
lavam meus pés
e o corpo também.
lavam meus pés
e o corpo também.
Só não lavam a alma.
O mar o
corpo acalma,
mas os pensamentos, não.
Estes vêm e vão
em ondas de aperreio.
mas os pensamentos, não.
Estes vêm e vão
em ondas de aperreio.
Imenso
mar do sudeste,
purifica meu corpo sem veste,
afasta os males da alma
e segura o timão dos devaneios.
purifica meu corpo sem veste,
afasta os males da alma
e segura o timão dos devaneios.
Veleidades
Sobre o
colchão lilás do meu sonho
dormem os homens
que meu pudor indeciso permite.
dormem os homens
que meu pudor indeciso permite.
Permanecemos a sós
naquele quarto
pequeno para meus voos,
grande para meus sonhos.
naquele quarto
pequeno para meus voos,
grande para meus sonhos.
No
colchão lilás do meu quarto
escrevo poemas de amor,
faço planos que não realizo,
leio Elisa, Nicolas, Carlos,
ouço Chico, Ella, Zeca
e sonho...
escrevo poemas de amor,
faço planos que não realizo,
leio Elisa, Nicolas, Carlos,
ouço Chico, Ella, Zeca
e sonho...
Assim
gosto de ser:
uma mulher sonhadora
que partilha com os outros
música, letra e prazer,
verdades e veleidades
em meu colchão lilás.
uma mulher sonhadora
que partilha com os outros
música, letra e prazer,
verdades e veleidades
em meu colchão lilás.
Se você aparecer sem avisar
Se você aparecer sem avisar,
poderá parecer-lhe estranho
ver-me Afrodite inaugurada
emergindo do oceano.
poderá parecer-lhe estranho
ver-me Afrodite inaugurada
emergindo do oceano.
Se você chegar de súbito,
poderá encontrar-me destemida
tomando de Eva a maçã
para dar a primeira mordida.
poderá encontrar-me destemida
tomando de Eva a maçã
para dar a primeira mordida.
Se você for caminhar pela
praia
sem antes comunicar,
poderá avistar-me qual Daniela,
louca para contracenar.
sem antes comunicar,
poderá avistar-me qual Daniela,
louca para contracenar.
Mas se você marcar um encontro
com data, hora e lugar,
surgirei imaculada.
E depois de um suave beijo
e do arrepio oculto do seio,
eu lhe direi de forma singular:
faz tempo que não o vejo.
com data, hora e lugar,
surgirei imaculada.
E depois de um suave beijo
e do arrepio oculto do seio,
eu lhe direi de forma singular:
faz tempo que não o vejo.
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Imagens: Google