O trabalho literário da
escritora e poetisa Brunah Gonçalves, tem muito a ver com o inegável talento
do diretor de cinema Alfred Hitchcock - responsável por filmes de grandes
sucessos -, aonde a trama vai sendo desvendada de forma progressiva ao longo da história, só se definindo cuidadosamente no final.
O suspense é a sua artéria aorta,
e a sua criação temática é o diapasão em que se transcorrem as cenas, seu
tônico o mistério. Como foi o caso de Psicose e os Pássaros – um assustador
assassinato num banheiro e um chuveiro; e uma cabine de telefone envolvida pela
fúria polvorosa dos pássaros aterrorizando uma indefesa moça.
Para o leitor que gosta do
suspense, do mistério, do desenrolar indecifrável de uma trama capaz de te
transferir para o ambiente da narrativa, num piscar de olhos, até mesmo de
forma imperceptível e involuntária, “O Encontro Perfeito” de Brunah Gonçalves
é uma belíssima opção para preencher o seu tempo com algo realmente
interessante e arrebatador.
Embora as condições em que se
encontra a personagem, estejam distantes de um convívio prazeroso de uma cidade
iluminada, o pântano, ou até mesmo uma floresta macabra faz todo sentido.
Outro detalhe curioso e intencional
do texto é a maneira que a escritora Brunah Gonçalves consegue dar na
sequência da história, sem se perder e sem deixar escapar mínimos detalhes,
como o clima e as sensações que envolvem o corpo de uma pessoa no momento do
medo, do susto, do inesperado.
Sobretudo, em torno do clímax
e o comportamento da personagem, deparando-se com insólitas surpresas que
surgem de forma gradativa como uma tempestade ruidosa, e as situações
tenebrosas e místicas do conteúdo a que se propõe delinear no decorrer dos
acontecimentos.
Você deve conferir e se
transpor para o inusitado. Tenho certeza de que o seu dia não será o mesmo e o
habitual, o dia seguinte será, com certeza, seu retorno ao texto para conferir algum detalhe que
por ventura não absorveu devidamente. Sendo assim, boa leitura e até amanhã.
Vamos que vamos...!
O encontro perfeito
Eu só me lembro da neblina muito fria, que vinha
não sei de onde... Tudo estava muito claro. Mas existia muita neblina que me
impossibilitava de enxergar. Estava de pé, mas só me lembro de estar ali, de
pé, olhando para a neblina e nada mais. Não me lembro do antes... De nada do
antes. Eu era aquilo, eu era aquela, aquele momento... Nada mais.
Decidi andar... Fui caminhando sem saber o porquê e sem saber para onde. Só
caminhei. Caminhei lentamente e apreensiva. Olhei para minhas vestes e era um
lindo vestido branco. Comprido até aos meus pés, que estavam descalços. Sentia
a areia fina debaixo dos meus pés, como uma areia de praia. Não sei se estava
na praia... Eu não sabia de nada. Só seguia em frente e sentia tudo em minha
volta.
Meus cabelos estavam soltos, levemente ondulados até minha cintura. Eram escuros. Não sei exatamente a cor, mas eram escuros... Segui, sentindo o frescor da areia, que não estava molhada. Segui... Meu peito começava a ficar apertado e minha respiração a ficar complicada. Não estava com falta de ar, mas o ar que eu respirava parecia pesado. Não existia cheiro ruim, existia apenas o cheiro de neblina. Ou, cheiro nenhum.
De repente - bem baixinho - comecei a ouvir alguma coisa. Vinha de longe, mas estava cada vez mais perto. Parei... Parei e fiquei com os olhos arregalados. Comecei a prestar atenção no som. Era estranho, pois eu não conseguia saber o que era. Era um som... Mas que tipo de som? Não sei. Minha cabeça estava pesada e a neblina atrapalhava o raciocínio.
O som foi ficando cada vez mais forte. Ele se aproximava de mim. Ele aproximava-se e eu começava a perceber que se tratava de uma música. Era uma melodia... Era uma linda melodia! Uma música de ar pesado, mas que trazia uma sensação de paz.
Estranho...! Um piano e uma linda voz rouca, o que
dizia não sei. Não reconhecia aquelas palavras. Mas a música era linda. De
repente, senti que ela me abraçava. Sim, a própria música me abraçava.
Tirava-me para dançar.
Comecei a me mexer, ali mesmo onde eu estava. Minha
mão foi levada por ela. A música me envolvia pela cintura e me fazia dançar. E,
eu dancei... Dancei uma linda canção, com a própria canção.
O cenário era a neblina e o figurino não poderia
ser melhor. Meu vestido branco, de tecido leve, se mexia delicadamente e me
deixava graciosa. Não me via, mas eu me sentia e tinha certeza de que estava,
realmente, muito graciosa. Então dançamos, nós duas, eu e ela: a doce e
misteriosa canção.
Eu sorria... Era uma sensação tão maravilhosa estar ali. Estar em um lugar desconhecido, me fazia encantada. O desconhecido me deixava extasiada e inebriada. Não tinha medo de nada. Fui abraçada por um lugar. Sim, um lugar. E pelo vazio que se fazia cheio de beleza e leveza. Nada era pesado. Nem mesmo a voz rouca que trazia a canção, nem mesmo as batidas do piano e dos violinos. Que enquanto dançava reconheci que havia também o som do violino na canção.
Não me lembro do antes. Nem me lembro se já existiu um antes. Mas tinha certeza de que aquela sensação, nunca havia sentido. Era a melhor sensação que poderia sentir. Maravilhoso, essa é a palavra que pode definir aquele momento.
De súbito, uma voz... Uma voz que não vinha da doce canção. Era uma voz de gente, como a minha. Uma voz aflita. Tive medo! A canção parou e eu fiquei com um leve aperto em meu peito. Um aperto de medo. A voz, de longe, mas não tão longe, chamava-me: Elizabete...! Elizabete...! Elizabete... E parou... Só me restou o eco, o oco, o nada...
O silêncio tomou conta do lugar por alguns
instantes. Como se o silêncio estivesse ali para me fazer pensar: “a voz não me
era estranha.” Mas, não me lembrava. Tentava lembrar, mas não conseguia.
A voz se foi e a canção retornou. Veio retomar a dança interrompida pela voz desconhecida. Meu sorriso voltou e a leveza também. Mas eu ainda não me esquecia da voz. Ela estava gritando em minha cabeça. Não sei, mas parecia que ainda me chamava.
Continuei a dançar. E flutuei... Flutuei de verdade. Fui parar em cima de uma pedra. Era uma montanha. Não tinha árvores, só o grosso da pedra úmida. A neblina também estava presente, sem me deixar ver nada mais que a própria neblina.
A neblina se abriu levemente e me mostrou um espelho. A música continuava, mas como pano de fundo. Agora... Agora eu estava a limpar a neblina do espelho. Eu era curiosa, Não sei por quê. Parecia que tudo que eu fazia era porque estava a obedecer pedidos de alguém. Não eram ordens, mas pedidos. Mas de quem...? Não sei. Realmente, não sei. Só sei é que aquilo, aquele lugar, me fazia bem.
Limpei o espelho e dei de cara comigo mesma... Era linda. Pálida, mas linda. Um ser gracioso, exatamente como eu havia imaginado. Um sorriso... Um lindo sorriso de mim para mim mesma. Me amei... Atrás de mim só tinha neblina... Meus olhos, tão puros e expressivos... A única cor que existia em meu rosto era o vermelho, causado pelo frio. Minhas bochechas e meu nariz fino estavam levemente rosados.
De repente, não mais que de repente, uma figura magra, branca, mas com uma roupa escura, surgiu atrás de mim. Fiquei a olhar pelo espelho. Minha boca ia se abrindo e meus olhos começaram a se arregalar.
Meu coração foi ficando com as batidas muito
apressadas, aceleradas. Minha respiração vinha com tanta força que eu achei que
estava a ponto de explodir. De ter um colapso, ou algo do tipo.
Minhas mãos estavam duras, minhas pernas bambas...
E de repente, não mais que de repente, a mão daquela mulher estava em meu
ombro. Uma mão magra e levemente fria... Eu senti um arrepio profundo, que
vinha de dentro para fora e outro de fora para dentro. Achei que fosse
desmaiar. Não sei como não desmaiei.
Era uma mulher. Uma linda mulher. Ela era um pouco mais alta do que eu e vestia-se com um lindo vestido longo, preto, de renda. Ela tinha olhos escuros e um rosto magro e pálido, com uma boca delicada, mas os lábios levemente grossos. Os seus cabelos eram escuros, com uns cachos delicados. Era linda!
Ela fez com que eu me virasse para ela. Ficou me olhando nos olhos, eu estava morrendo de medo. Meus olhos nem sequer piscavam... Mas, ela me disse: - Elizabete fique calma! - Como ficar calma? – Perguntei-me. Não consegui ficar calma. Ela se aproximou e beijou-me na testa. Senti seu beijo gelado, mas era um beijo macio... Então, com suas mãos segurando as minhas, me acalmei. A doce canção ainda rolava, mas, estava mais longe, mais leve, suave.
Suas palavras vieram a mim, com a mesma voz da canção, rouca e aveludada. Ela disse: - Não tenha medo, querida. Não precisa ter medo. Eu não farei nada com você. Continua: - Você veio até mim, então eu estou aqui. Estamos juntas. Mas, fique tranquila. Obedeci. Fiquei tranquila, ela me agradeceu com um lindo sorriso. Foi sintomática minha reação: retribui o sorriso.
Perguntei, mas minha voz saiu tremula, porém doce: - Quem é você? Que lugar é esse e... Desculpe... Não me lembro de nada.
Ela disse: - Você
se lembra do que tem que se lembrar, querida Elizabete. Nada mais do que tem
que se lembrar. Sou uma amiga... Sou sua amiga. Acredite em mim, minha querida.
Sua voz era encantadora. Assim como a canção, que ainda existia. Sua voz era
encantadora.
A voz que havia me chamado da outra vez, uma voz máscula, me chamava novamente. Chamava pelo meu nome. Era de longe que escutava a voz,
mas ela me causava certa angústia... Não sei bem explicar.
A mulher me olhou e disse, por entre um sorriso: - Você deve voltar. Sentirei sua falta Elizabete... Mas deve voltar.
Sem nada entender, questionei-me: - Voltar para onde? Que voz é essa que me deixa angustiada e curiosa ao mesmo tempo? Não sei se quero voltar para onde quer que seja, pensei.
A mulher, que não sei o nome, voltou a repetir agora ainda, mais enigmática: - Você deve voltar querida. Você entenderá tudo na hora certa, não se preocupe. Você deve voltar, pois você veio na hora errada. Volte para onde veio, e na hora certa retornará a este lugar e a mim.
Eu, totalmente confusa, assenti com a cabeça. E a mulher, me deu um forte abraço e um beijo na testa novamente e fez um gesto para que eu seguisse em frente. Eu segui em frente. E quanto mais eu seguia em frente, à voz máscula se aproximava de mim. Ou, eu me aproximava dela. É...! Acho que era eu quem me aproximava dela.
Olhei para trás, para ver se conseguia enxergar a linda mulher, mas, eu não via nada além da fria neblina. Então, voltei a olhar para frente. E a canção me acompanhava.
Depois... Depois não ouvi mais a canção. Não senti frio e nem vi mais a neblina. Só abri os olhos.
Abri meus olhos tão devagar... Eles pareciam que
haviam ficado fechados por muito tempo. Será? Não sei... Ainda não sei. Quando
abri os meus olhos, senti a voz máscula, bem alta, gritando: - Elizabete... Elizabete, meu amor, você
voltou. Graças a Deus!
Era um homem loiro e de olhos claros (Azuis). Ele segurava minhas mãos.
Aos poucos fui recordando de tudo: Do lugar onde estive; da neblina, da canção e da linda mulher. Lembrei-me também do que havia acontecido antes de ter chegado naquele lugar.
Era um homem loiro e de olhos claros (Azuis). Ele segurava minhas mãos.
Aos poucos fui recordando de tudo: Do lugar onde estive; da neblina, da canção e da linda mulher. Lembrei-me também do que havia acontecido antes de ter chegado naquele lugar.
Agora, me encontrava deitada na areia da praia. O
homem que estava ali, ao meu lado, era o David Miguel, meu o marido, com o
qual, havia acabado de me casar e naquele momento, estávamos em lua de mel.
David Miguel beijava-me a testa e os lábios... Alguém vestido de branco, provavelmente um médico, colocava-me deitada em algo macio, transportando-me para dentro de um carro.
Nesse momento comecei a perceber com nitidez o que havia ocorrido. Foi um acidente. Estava com meu marido num Jet ski. Íamos à grande velocidade rumo a uma ilha. Riamos muito, quando ele se distraiu e descontrolou-se e batemos numa pedra.
David não sofreu quase nada, mesmo tendo nós batido
de costas a uma enorme pedra. O Jet ski, rodopiou até bater com a traseira na
pedra. Fui mais gravemente atingida. Ele só sofreu leves fraturas. Mas eu... Eu
fiquei desacordada por cinco horas. Com sangue a escorrer pelo meu rosto.
Cheguei ao hospital, fui medicada e colocada em observação. Meu estado ainda era grave, mas tinha consciência de tudo. Minha cabeça doía muito, mas me lembrava de tudo... Lembrava-me daquela mulher... Não podia esquecê-la.
Lembrava-me da morte. É...! Eu fiquei amiga da morte, estive com ela, dancei com ela, escutei sua voz... A morte não me causava medo, ela me amava. A morte me amava tanto quanto a vida. A vida não me deixou partir, porque a vida me ama também.
A morte, essa me ama tanto, que me permitiu viver.
Sabia que eu precisava viver mais, porque David esperava por mim em vida, que
eu o amo e preciso dele. A morte provou que me ama, mas provou acima de tudo,
que preciso viver. Amo a vida! Mas passei a amar também a morte. Amo a morte,
porém preciso viver. Encontrei-me com a morte na hora certa.
A lembrança do meu encontro com a morte é tão boa, que irei recordar desse encontro para sempre. Mas não deixarei que essa lembrança tome conta de mim, pois tenho uma vida que precisa ser vivida com todo amor que tenho por ela.
David... Sinto neste momento, que ele me olha, do lado de fora do quarto, e sinto também, que eu o amo muito. Adormeço e não sinto mais nada. Dessa vez não irei me encontrar com a morte, só irei dormir e descansar, para depois acordar com mais força, com mais vida.
Por: Bruna Gonçalves (Escrito em: 27/11/2013).
Enviado por Brunah Gonçalves em 27/11/2013
Reeditado em 27/11/2013
Código do texto: T4588625
Classificação de conteúdo: seguro.
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Imagens ilustrativas: Google Image
Um comentário:
Linda história, maravilhoso encontro.
São sensações maravilhas que tantas outras pessoas
também já viveram e sentiram.
Amei fazer o desfecho dessa leitura e só tenho a dizer que,
quem teme a Deus, não teme a morte.
Parabéns a escritora Bruna Gonçalves.
Parabéns querido Dilson
por mais este encanto tão fascinante,
como tanto outros no Bussola Literária
Juloren
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