A
realidade é uma verdade que não permite erros. Quando estes ocorrem o preço é
muito alto a se pagar. Porém, entre centenas de seres que transitam na
imensidão do desconhecido, ou mesmo das descobertas. Às vezes, os levam a
conhecer o improvável. Inicia-se aí, sua luta ferrenha para sobreviver. Tanto
no aspecto moral como útil. De ter uma vida digna. Ser amado e respeitado por
seus familiares e amigos. Ou então se amargar na contramão da escabrosa
sobrevivência no mundo da ilusão, da surreal floresta do esquecimento.
Subtraído do convívio social em consequência de um dilúvio mental.
Nome
- o seu nome - deixará de ter significado até para o Censo Demográfico. Sua existência
passa a não ter sentido, nem através da sombra. Porque, o sol deixou de brilhar
sobre os seus ombros há muito tempo. Nada resta senão, repetir um ritual
diário, sem sentido algum para continuar vivendo. Pelo menos, aquele em que
está deparando frente a frete e tendo de suportá-lo, apenas para concluir seu designo
de existir.
As
clínicas de doentes mentais, de drogados, de recuperação da autoestima e
aconselhamento na busca de uma vida melhor e mais saudável, estufam os bolsos
dos seus responsáveis, sem uma resposta plausível e iluminada, capaz de
modificar esse quadro triste, embora muito verdadeiro.
Enquanto,
a venda que cega a sociedade, principalmente em relação ao descaso existente
nos meios capazes de fazer algo notável e louvável, ou pelo menos tentar
encontrar uma solução humana para o problema no sentido mais amplo, não passa
de pura utopia.
Bússola
Literária, através de um bem focado Conto: “O Homem Só”, de Renata Rothstein,
nossa amiga do Facebook. Analisa o assunto, nos dando a dimensão do abandono em
que uma pessoa, esquecida à própria sorte. Distante de si mesma, é obrigada a
se submeter a mais absurda renúncia, esquecido até da sua origem. Sobrevivendo
apenas de vagas lembranças que ainda se movimentam pelo cérebro ignoto, remoendo
anos de total orfandade.
Neste Conto, que mais parece um monólogo ditado por um anjo da guarda, desvenda a
tristeza de uma pessoa que convive com o seu anonimato absoluto, e ainda assim,
alimenta uma possível esperança, que há de iluminar o fim das incerteza.
Recomendo
sua leitura, porque sei que um dia, ouviu contar um fato semelhante, ou até
mesmo, presenciou por se encontrar próximo desta inóspita e insólita realidade.
Boa leitura. Caso achar conveniente, seu comentário será muito bem-vindo e
motivador. Vamos lá...
O
Homem Só
Era um
homem só. Apenas um solitário homem cansado. De tanto pensar, pesar os prós -
Que prós? - e os contras, pesar os pesares e pesar a vida, esqueceu que havia um
passado. Outra vida, que tinha vivido. Que tinha, enfim, desabado, desabafado,
acabado. Passado (?).
Despercebido
anos no vício - que não era vício, no singular, era pluralíssimo - como ele,
como a chuva, como o deserto. Tal e qual as pessoas ditas normais, que corriam
lá fora. “Atrás do que e para onde?” Ele se perguntava, ignorando que nem elas
saberiam a resposta. Mas, não estavam nem aí, para falar a verdade.
Verdade,
uma mentira. Desperto em si, deserdado de si, entediado como um poodle rosa, de madame com cabelo a caju,
ele só esperava a noite, a liberdade, a rua e o céu, o seu belo telhado. Ao
menos era o que quase sempre escolhia. O que lhe acolhia, ou o que era obrigado
a recebê-lo, quando era expulso, aos bofetões, por algum senhor zelador da
ordem. Irritado porque especialmente naquele dia, ele não estava - para variar
- no seu juízo perfeito.
O fato
é que em um triste dia, este mesmo homem imperfeito saiu, sem destino e com
pressa. E rua afora procurava louco e irreconhecível, na sua desconhecida
apagada saudade, um sonho, do qual achava, havia participado.
Mas as
ruas surgiam, uma após outra, esquinas sem nome escondendo lembranças e
recordando nomes que o homem não queria saber, mas que teimavam em soprar-lhe
nos ouvidos, sempre atentos às vozes que não existiam: "mamãe... Lucélia.
João, o meu pai. Hélio, o Helinho, meu amigo de infância. Isaura..." Sobressaltava-se,
ao ouvir a voz inexistente, tão sua conhecida, sussurrar esse nome.
Isaura
Gomes, a mulher dos seus sonhos reais, quase palpáveis, naqueles instantes de
lembrança. Isaura, seu único, grande e definitivo amor. Aquela que
fora capaz de levá-lo ao céu e entregá-lo ao inferno, sem data para retornar e buscá-lo.
Lembrava-se
mesmo vagamente dos cabelos pretos e ondulados, da voz quase irritante, do
semblante selvagem de quem lutou muito para chegar até ali. E não podia perder
tempo com um louco.
Louco!
Louco! Louco! Louc... A voz... Agora, ria-se dele e homem só, que, aliás,
atendia pelo nome de Armando. Apertava a cabeça com as costas das mãos, como
algum tipo de feitiço para afastar as vozes.
Acalmou-se,
e, como um carro se afastando na estrada e sumir no horizonte, lembrou. Uma
lembrança que era quase uma intuição, daquelas que nem se sabe se é lembrança,
sonho, viagem. Lembrou...
Amara
Isaura. Amara... Será mesmo que amara? Ou era o amor uma farsa, um pretexto
para acabar. Desafiar e levá-lo ao fundo do poço de uma vez por todas. Tudo aquilo, ele
fazia enorme esforço por acreditar.
A
cabeça de Armando nessa hora era só metade. Aberta para enxergar todos os
dissabores da vida - que ironia, chamar "isso" de vida. Nos poucos
momentos de paz; nos menos que eram muito, muito mais...
Dormiu,
ao relento. O vento espalhando um resto de pensamentos e um varredor invisível
de sonhos juntando tudo num canto, apontando e dizendo: "Aí os teus
sonhos, meu chapa. Se quiser pode pegar. Eu não pegaria..." Foi o
conselho. Armando seguiu, achou melhor.
E
irrefletidamente durante anos, esse resto de homem perdeu tempo. Do tempo que
ele não tinha. Esgotando-se no desperdício indecente, inclemente, como gota
d'água fugindo do oceano, cantando a delícia de partir, com a missão cumprida. Já
não importava a sorte, a morte, uma promessa ou uma missão mal resolvida.
No
sanatório só deram falta de Armando no quarto dia, procuraram mais três... Fecharam
a semana: sete dias. Sete, este é um número cabalístico. Esqueceram de vez de
Armando. O homem solitário de terno surrado e passado desconhecido, que -
diziam - estava mesmo irremediavelmente perdido, desde que aparecera por ali,
trazido por um serviço de recolhimento de moradores de rua.
Durante
muitos anos essa foi a sua única, úmida e tangível falta de sorte.
O
adeus, o corte, o misterioso sumiço daquele insensato homem que, embora
desaparecido da visão de todos, continuava existindo, pensando, sumindo e
morrendo. Em algum canto da via de estrelas, lá fora. Ou dentro, no seu mundo,
hoje perdido. Um passatempo de acordar e dormir, viver, sem jamais ser.
Como
tantos Armandos, fingindo... Fugindo e morrendo. Continuando, vivendo.
Uma
noite o homem só fechou os olhos e acordou com uma voz, quase irritante,
chamando baixinho seu nome: “- Armando...!" Abriu os olhos e viu os cabelos negros... O semblante,
agora bem mais suave. Era Isaura.
Estendeu-lhe
as mãos de dedos finos e ele se levantou. Não perguntou nada, só obedeceu.
Gotas
de chuva transparente e que não molhavam (estranho) caíam sobre ele. Sentiu-se,
simplesmente, parte de tudo o que não compreendia. Partiu
rumo à rua, rumo ao céu. A liberdade, enfim...
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Imagens ilustrativas: Google image