sexta-feira, 9 de março de 2012

O Poeta, Kahlil Gibran


Mais um passo perfeito e vitorioso está sendo dado pelo Blog Bússola Literária, ao publicar mais um texto, de mais um notável escritor: Kahlil Gibran. Seu nome verdadeiro em árabe é Gibran Kahlil Gibran. Nasceu em Bsharri, nas montanhas do Líbano a uma pequena distância dos cedros milenares, a 16 de janeiro de 1883. Em 1894 foi morar em Boston-EUA, na companhia de sua mãe, o irmão Pedro e suas duas irmãs Mariana e Sultane, quando adotou a forma simplificada do seu nome, passando a se chamar simplesmente Khalil Gibran. Foi ensaísta, filósofo, prosador, poeta, conferencista, e pintor.

Gribran viveu apenas 48 anos, faleceu em Nova York a 10 de abril de 1931, por tuberculose, porém deixou um legado literário surpreendente. Sua obra acentuadamente romântica foi influenciada por fontes como a Bíblia, Nietzsche e Willian Blake, tendo como foco de suas criações principalmente o amor, a amizade, a morte e a natureza. Suas obras mais conhecidas entre nós são: O Profeta, A Voz do Mestre e Asas Partidas. Mesmo tendo uma vida relativamente curta, soube como poucos nos presentear com sua arte de escrever e revelar uma mente fantástica, com textos extraordinários e uma capacidade invejável de dizer o que gostaríamos de ouvir e ler.

O texto de Gibran que estamos publicando: “O Poeta” está sendo extraído do livro Segredos do Coração, tradução de Emil Farhat, Editora Record, 6ª Edição, páginas 67/70. Eu recomendo com louvor.



O Poeta

Kahlil Gibran



Sou um estranho neste mundo, exilado numa solidão contemplo um país desconhecido e encantador, e esta contemplação enche meus sonhos de visões de uma terra distante e grandiosa que os meus olhos nunca viram.

Sou um estranho no seio do meu povo, e não tenho amigos. Quando vejo alguém pergunto-me a mim mesmo: “Quem é ele, e de que maneira cheguei a conhecê-lo? E por que está ele aqui? E que lei ligou-me a ele?”

Sou um estranho a mim mesmo e, quando ouço, eu mesmo, falar a minha língua, meus ouvidos se surpreendem com a minha voz. Vejo meu íntimo sorrindo, chorando, esbravejando, afligindo-se; e minha existência espanta-se de minha substância, ao mesmo tempo que minha alma interroga meu coração. Mas eu permaneço desconhecido, engolfado em tremendo silêncio.

Meus pensamentos são estranhos ao meu corpo, e, quando me ponho diante de um espelho, vejo algo no meu rosto que a minha alma não vê e descubro nos meus olhos o que o meu interior não percebe.

Quando ando, distraído, pelas ruas da cidade rumorosa, as crianças me seguem, gritando: “Aí está um cego! Demos-lhe uma bengala, para que ele aprenda o seu caminho!”

Quando fujo delas, encontro um grupo de mulheres que se agarram às fímbrias das minhas vestes dizendo: “Ele é surdo como uma porta. Enchamos os seus ouvidos com a música do amor!”

E, quando corro delas, uma multidão de velhos aponta para mim, dedos trêmulos, em riste: “Ele é um louco que perdeu o juízo num mundo de gênios e fantasmas!”

Sou um estranho neste mundo. Percorri o Universo de canto a canto e não encontrei um lugar para descansar a cabeça. Não conheci um só homem dos que encontrei, nem quem me desse atenção.

Quando, pela madrugada, abro os olhos indormidos, encontro-me prisioneiro numa escura gruta de cujo teto pendem insetos e sobre cujo chão serpenteiam víboras.

Quando saio, ao encontro da luz, a sombra de meu corpo me acompanha, mas a sombra de meu espírito me precede e me conduz a um lugar desconhecido, buscando coisas além do meu entendimento e apanhando coisas que não me interessam.

À boca da noite, volto e deito-me na minha cama feita de penas e cercada de espinhos e entretenho e sinto desejos penosos e felizes; vêm-me esperanças dolorosas e fagueiras.

À meia-noite, espíritos de idades remotas e de civilizações já olvidadas entram pelas frinchas da minha gruta, para visitar-me. Contemplo-os, e eles a mim. Converso com eles, e eles respondem-me, sorrindo. Então tento agarrá-los, mas eles se esgueiram entre os meus dedos e desaparecem, como esvanece a névoa úmida que paira sobre os lagos...

Sou um estranho neste mundo. Não há ninguém no Universo que entenda a minha língua. Desenhos de bizarras recordações formam-se de repente, em meu espírito, e os meus olhos criam figuras esquisitas e fantasmas tristes. Ando por prados desertos, contemplando regatos que correm rápidos, de baixo para cima, das profundezas dos vales para o topo das montanhas.

Contemplo árvores florescendo, carregadas de ótimos frutos, e perdendo as folhas de repente. Em seguida seus galhos caem e se transformam em serpentes coloridas.

Vejo pássaros voando nos ares, em revoadas, piando e cantando. De repente, param, abrem as asas e transformam-se em mulheres nuas, de longos cabelos, olhando para mim com os seus olhos lânguidos, de pálpebras pintadas, a sorrir para mim com lábios de mel e a estender-me suas mãos perfumadas. Logo sobem e desaparecem da minha vista, como fantasmas, deixando no céu o eco de seus escárnios e riso zombeteiro...

Sou um estranho neste mundo... Sou um poeta que compõe o que a vida escreve e escreve o que compõe a vida. Por isso sou um estranho, e estranho permanecerei, até que as asas brancas e amigas da morte me levem embora para o meu lindo país. Lá onde reinam a luz, a paz e a compreensão mútua, esperarei pelos outros estranhos que serão resgatados pela armadilha redentora do tempo, deste mundo acanhado e sombrio...


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Imagens: Google Imagens

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O Dia da Amante



Inicialmente gostaria de me desculpar perante aos seguidores do Bússola Literária por tamanha ausência. Porém, há males que vem para o bem, já dizia minha vó. Baseando-se nesta linha de raciocínio, é que estamos publicando Luís Fernando Veríssimo em dose dupla. Explico: a última publicação no mês de setembro do ano passado foi justamente uma crônica muito divertida de Veríssimo, descrevendo sobre o tema “Choque Cultural”, onde um casal vai assistir a uma partida de futebol no Estádio Beira Rio entre o Internacional e Grêmio, o famoso Grenal, criando-se ali, um clima divertido de incompatibilidade.

Os dois enfoques temáticos criados por Veríssimo, reafirma de forma indiscutível o interesse do Bússola Literária de tornar visível em suas páginas o belo trabalho do autor. Uma inegável demonstração do quanto às crônicas podem proporcionar momentos super agradáveis de leitura, além é claro, da clareza de conteúdo nos textos da melhor qualidade literária, selo emblemático do valoroso escritor e fabuloso mestre das crônicas.

Neste momento estamos publicando a crônica “O Dia da Amante”, outro belo e divertido achado criativo do autor. Esta crônica foi extraída do livro “As Mentiras que os Homens Contam”, Editora Objetiva, 1ª Edição, de 2000, pags. 73/77.

O tema da narrativa conta a história de um cara vivendo o seu universo conjugal paralelo e suas situações hilárias. Revelando assim, como de costume, o excelente domínio e o estilo observador e divertido do autor de ver situações comuns, dando-as uma coloração toda especial a cada detalhe. Uma prova inequívoca do grande valor literário de Veríssimo.



O Dia da Amante

Luís Fernando Veríssimo



Por que não um Dia dos Amantes? Não existe o Dia dos Namorados e hoje em dia a diferença entre namorado e amante tornou-se um pouco vago. Quando é que namorados se transformam em amantes? Segundo uma moça, experimentada na questão que consultamos, se a mulher der para o mesmo homem mais de 17 vezes seguidas ele deixa de ser seu namorado e, teoricamente, passa a ser seu amante. Os critérios variam, no entanto. Em certas regiões, só depois de dormirem juntos dois anos é que namorados se tornam legalmente amantes. Alguns estabelecem um meio-termo razoável: 17 vezes ou dois anos, o que vier primeiro.

Outros afirmam que a diferença está no grau de intimidade dos dois tipos de relacionamento. Num caso, as pessoas vão para qualquer lugar onde haja camas – apartamento, hotel ou motel, sendo desaconselháveis hospitais, quartéis e lojas de móveis -, tiram a roupa um do outro às vezes usando só os dentes, atiram-se na cama, rolam de um lado para o outro, enfiam-se os dedos no orifício que estiver por perto, lambem-se, chupam-se, com ou sem canudinho, massageiam-se mutuamente com Chantibon, depois o homem penetra o corpo da mulher com o seu órgão intumescido e os dois corpos movem-se em sincronia até o orgasmo simultâneo, entre gritos e arranhões. Então se separam, suados, e vão tomar um banho juntos antes de saírem para a rua. Quer dizer uma coisa superficial e corriqueira. Já o namoro, não.

No namoro, não apenas o órgão intumescido, mas todo o corpo do namorado penetre na própria casa da namorada todas as quartas-feiras. Eles se sentam lado a lado num sofá quente, coxa a coxa, e chegam a entrelaçar os dedos das mãos. Muitas vezes comem a ambrosia preparada pela mãe da moça com a mesma colher, gemendo baixinho. Existe ainda o prazer indescritível de roçar com o braço o lado do seio da namorada, enquanto se conversa sobre futebol com o pai dela, um prazer que aumenta se, por sorte, estiver com um daqueles sutiãs pontudos usados pela última vez no Ocidente por Terry Moore, em 1953. A namorada, não o pai dela. Isto é que é intimidade.

Existem outros critérios para diferenciar namorado de amante. Amante é o namorado que leva pijama, por exemplo. Uma maneira certa de saber que namorado já é amante e quando, pela primeira vez, em vez de dar um par de meias para ele no Dia dos Namorados, ela dá um par de cuecas. E você terá certeza de que ele é amante quando sugerir que ela lhe dê um certo tipo de cuecas e ela responder, distraidamente “esse tipo ele já tem...”.

Mas estamos falando de namorados, ou amantes, solteiros. No caso de homem casado e com uma amante a coisa se torna mais complicada, e pouco invejável. No caso do homem casado e com várias amantes, se torna mais complicadas ainda, e mais invejável. Antes de lançar o Dia dos Amantes os lojistas teriam que fazer uma pesquisa de mercado. O que despertaria a desconfiança dos entrevistados.

- O senhor tem amante?

- Foi minha mulher que o mandou?

- Estamos fazendo uma pesquisa de mercado e...

- Onde é que está o microfone? É chantagem, é?

- Não, cavalheiro. Nós...

- Está bem, está bem. Tem uma moça que eu vejo, mas nem se pode chamar de amante. Pelo amor de Deus! É só meia hora de três em três dias. E ela é bem baixinha. “Amante” seria um exagero. Mas eu prometo parar!

Uma vez decidido o lançamento do Dia dos Amantes, as agências de propaganda teriam que escolher a estratégia de marketing, ou, como se diz em português, o approach.

O tom das peças publicitárias variaria, é claro, de acordo com o tipo de critério. As lojas de eletrodomésticos poderiam anunciar: “Tudo para o seu segundo lar.” Ou então: “Faça-a se sentir como a legítima. Dê a ela uma máquina de lavar roupa.” As joalherias enfatizariam sutilmente o espírito de revanchismo do seu público-alvo, sugerindo: “Aquele diamante que sua mulher vive pedindo... Dê para sua amante.” Ou, pateticamente: “Já que ela não pode ter uma aliança, dê um anel...” Perfume: “Para que você nunca confunda as duas, dê Furor só para a outra...” Utilidades: “No Dia dos Amantes, dê a ela um despertador. Assim você nunca se arriscará a chegar tarde em casa.”

Os comerciais para televisão poderiam explorar alguns lugares-comuns. Por exemplo: homem entra no quarto e encontra a amante na cama. Atira um presente no seu colo. Isso a faz se lembrar de uma coisa. Ela abre a gaveta da mesa-de-cabeceira. E tira um presente. Ele vai pegar, mas o presente não é para ele. Ela levanta da cama, abre o armário e dá o presente para o seu amante escondido lá dentro. Congela a imagem. Sobrepõe logotipo do anunciante e a frase: “Neste Dia dos Amantes, dê uma surpresa. “ Hein? Hein? Está bem, era só um exemplo.

As confusões seriam inevitáveis. Marido e mulher se encontram numa loja de lingerie. Espanto da mulher:

- Você aqui?

Marido:

- Ahn, hum, hmmm, sim, ohm, ahm, ram.

- E escolhendo uma camisola!

- É que, ram, rom, hum, ahm, grum. Certo. Quer dizer...

- E você pode me explicar o que está havendo?

- Grem, grum, rahm, rohrn, ahn...

- Não vai me dizer que estava comprando pra mim. Há anos não uso camisola. Ainda mais desse tipo, preta, transparente e com decote até o umbigo.

- Eu posso explicar.

- Então explique.

- Ahm, rom, rum, rahm, grums.

- Explique melhor.

- Está bom! É para mim, está entendendo agora? Para mim!

- Você?...

- Há anos que eu tento esconder isso de você. Agora você pegou e vou revelar tudo. Adoro dormir de renda preta! Só me controlei até hoje por causa das crianças!

Ela compreende. Tenta acalmá-lo. Mas ele agora está agitado. Bate no balcão e grita:

-Também quero ligas vermelhas, um chapelão e chinelos de pompom grená!

Ela o leva para casa, cheia de resignada compreensão. A amante ficará sem o seu presente no Dia dos Amantes, mas pelo menos o marido terá evitado qualquer suspeita. O único inconveniente é que terá de dormir de camisola preta pelo resto da sua vida conjugal.

Por que não um Dia dos Amantes? Você teria que tomar certas precauções, além de jamais entrar numa loja de lingerie. Como uma ausência sua em casa no Dia dos Amantes despertaria desconfiança, telefone para casa antes de ir festejar com a amante.

- Alô, a patroa está?

-Não, senhor.

- Estranho. Ela costuma estar em casa a essa hora. Mas é melhor assim. Diga para ela que eu vou me atrasar um pouco. Estou no hospital para curativos. Nada grave. Fui atropelado por uma manada de elefantes.

- Sim, senhor.

Você se dirige para a casa da amante, com o embrulho de presente embaixo do braço. Começa a pensar na ausência da sua mulher em casa. Onde ela teria ido? Lembra-se então de que a viu mais de uma vez olhando com interesse uma vitrine cheia de cachimbos. Na certa pensando num presente para lhe dar. E súbito você pára na calçada como se tivesse batido num elefante. Você não fuma cachimbo!


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Imagens: Google imagens




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