sábado, 21 de fevereiro de 2015

Você gosta de histórias em quadrinhos? Eu curto pra caramba!



Não precisa ser criança para gostar das histórias em quadrinhos, mas, sem dúvida, foi na infância que a maioria das pessoas alfabetizadas, tiveram o seu primeiro contato com a leitura, que não fossem os livros didáticos obrigatórios nas salas de aulas. Muitos como eu, foram colecionadores das revistas em quadrinhos (gibis), como Tarzan, Fantasma, Zorro, Cavaleiro Negro, Mickey mouse, Pato Donald, Tio Patinhas e tantas outras. Aguardávamos ansiosos às próximas edições, e nos orgulhávamos ter na nossa coleção um exemplar que o amigo também colecionador não a tivesse.

Agora vamos fazer um tour pelo universo lúdico das histórias em quadrinhos (HQs). Atribui-se que as primeiras referências consideradas o embrião das HQs, se deu na pré-história, antes mesmo da descoberta do fogo. Por meio de desenhos, também chamados de pinturas rupestres, o homem primitivo registrava nas paredes das cavernas, suas atividades e habilidades onde a caça era o seu único meio de sobrevivência. Esses antepassados notificavam suas ações, muitas vezes de forma sequenciais, retratando inclusive os animais dos quais tinham contato e eram alvos de suas aventuras nas matas e planícies da época.  Outra relação apontada como modelo antigo das HQs, consta os mosaicos dos vitrais das igrejas, comuns na Idade Média.

Entretanto, a história em quadrinhos, conquistou realmente o grande público, em 1895, quando o norte-americano Richard Felton Outcault criou o Yellow Kid (menino amarelo). O primeiro personagem a ter vida própria e a ter sua história narrada em quadrinhos com diálogos, utilizando-se dos balões – antes o argumento era narrado em baixo da ilustração, tipo legenda. A partir de então, uma nova maneira de comunicação foi criada, atingindo em cheio o bom gosto popular e o seu efeito interativo (feedback) teve resposta imediata de identificação com o leitor. O ser humano enfim, passou a conviver com um determinado personagem da ficção, com linguagem e identidade reconhecidas, retratando temas curiosos e diversificados, cujos os quais estimulavam o imaginário das pessoas.

É importante ressaltar que, bem antes de Richard F. Outcault, criar o seu Yellow Kid, em 1869, com grande sucesso nos EUA, o desenhista Angelo Agostini, italiano radicado no Brasil, já havia criado As Aventuras de Nhô Quim, história em quadrinhos, em que narrava à saga do mineirinho caipira, em contato com a vida urbana numa cidade grande, publicadas na revista Vida Fluminense do Rio de Janeiro.

Sem o compromisso de manter a periodicidade da sua criação (o mineirinho Nhô Quim), Agostini, desistiu depois de ter produzido 9 publicações. Dois anos depois, Cândido Aragonês de Faria, continua a saga do mineirinho, com outros 5 episódios. Em 1883, novamente Angelo Agostini, reaparece com novo personagem, As Aventuras de Zé Caipora, desta vez, publicadas na Revista Ilustrada.

Como reconhecimento da ousadia destes pioneiros das HQs no Brasil, o jornalista Athos Eichler Cardoso, publicou em 2002, pela Editora do Senado Federal, uma Edição Especial com 200 páginas, sobre As Aventuras de Nhô Quim e do Zé Caipora, ao preço de capa no valor de R$ 30,00.

Inspirando-se nas histórias fragmentadas de Tarzan, personagem criado por Edgar Rice Burroughs, publicadas na revista Pulp All-Story Magazineem, em 1912, posteriormente transformadas em livro, em 1914. Hal Foster e Burne Hogarth, em 1929, tiveram a ideia de desenhar em formato de tirinhas as histórias do Rei dos Macacos, publicando-as em jornais da época. Até hoje as histórias deste herói continuam sendo publicadas. Em 1934, Alex Raymand criou Flash Gordon, o primeiro herói intergaláctico em quadrinhos, envolvendo ação, aventura e as descobertas interestelares.

O processo criativo em torno das HQs foi evoluindo e se expandido de maneira revolucionária, com a introdução dos desenhos animados. Walt Disney criou todo o seu império baseado nesse novo conceito de entretenimento. Em sua produção de 1928, Mickey Mouse deu nome a um ratinho emblemático, esperto, sensível e solidário. Contudo, somente dois anos depois é que virou tirinhas para os jornais, em seguida tornou-se uma revista mensal, chamada Mickey Mouse Magazine.

A ficção envolvendo o mundo do crime e da espionagem, também ganhou forma de HQs, em 1940, quando Will Eisner criou O Espírito (The spirit), considerado na época como Cidadão Kane dos quadrinhos, uma analogia ao primeiro longa metragem dirigido por Orson Welles, aclamado pela crítica especializada, como sendo o maior filme da história do cinema até então.

Em 1952, Harvey Kurtzmann, deu um novo salto nas criações ilustradas das HQs, com a criação da revista Mad, uma forma debochada de humor, onde a satirização dos acontecimentos sob todos os níveis eram amplamente colocados à tona, para o delírio do leitor mais esclarecido.

Anos depois o Brasil, novamente mostra sua cara, desenvolvendo trabalhos em HQs. Em 1959, Mauricio de Sousa surge mostrando-se que veio para ficar como grande desenhista legitimamente brasileiro, a enveredar pelo universo das HQs. Bidu, o primeiro personagem da Turma da Mônica, passou a ser parte do dia a dia do leitor do jornal Folha de S. Paulo. Um ano depois, em 1960, Cebolinha, Cascão, Mônica e Magali, também ganharam forma, fama e a simpatia popular.

Antes porém, no início do século XX, as revistas Tico-Tico e Sesinho, davam o seu recado com suas histórias em quadrinhos, as quais foram relançadas em 2001, com grande sucesso. Em 1960, as revistinhas em HQs, a Turma do Pererê, do cartunista Ziraldo, a exemplo da Turma da Mônica, chegavam às bancas para a alegria de quem curte a arte de alegrar por meio de argumentos saudáveis e divertidos, criações brasileiras de qualidade. Poucos sabem, mas o dia 30 de janeiro é comemorado O Dia Nacional das Histórias em Quadrinhos.

Em 1939, surgiu a primeira publicação do Homem Morcego, pela revista Detective Comics, quando Bob Kane criou o Batman em quadrinhos e Bill Finger se responsabilizou pela história. Contudo, em 1985, Frank Miller, preferiu humanizar o personagem Batman, criando uma nova característica à personalidade de O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight Returns), apresentando um herói vulnerável e inseguro, distante da ideia de um super-herói praticamente imortal. Vários anos depois, em 1980, Art Spiegelman produziu o seu romance gráfico, Maus: A survivor’s Tale, sobre um judeu polonês, o qual na verdade era o seu próprio pai, um sobrevivente do Holocausto e sua difícil convivência com o pai. Sua história ganhou repercussão e o Prêmio Especial Pulitzer, em 1992, foi mais um reconhecimento do seu trabalho.

Vale lembrar que as fotonovelas, romance ilustrado com imagens fotográficas, sobre as quais, também mexeram com a imaginação do leitor, principalmente do público feminino, foram remanescentes das HQs. De acordo com a Wikipédia, a enciclopédia livre online, Fotonovelas são novelas em quadrinhos que utilizam, no lugar dos desenhos, fotografias, de forma a contar, sequencialmente, uma história.

No Brasil, as fotonovelas tiveram um mercado cativo por mais de 25 anos, entre os anos 1950 e 70, representando a ideia de uma imprensa popular feminina, com milhões de leitores de histórias publicadas em revistas com grande circulação nacional.

A primeira revista de fotonovela publicada no Brasil foi Encanto, pois embora Grande Hotel circulasse desde 1947, só em seu nº 210, de 31 de julho de 1951, publicou a primeira fotonovela, intitulada O Primeiro Amor não Morre. O primeiro número de Capricho circulou em 17 de julho de 1952.

Nos anos 1970, mais de 20 revistas de fotonovelas chegaram a circular no Brasil, publicadas por várias editoras: Bloch, Vecchi, Rio Gráfica, Abril e Prelúdio, sendo que, na época, ao contrário das demais editoras que importavam as fotonovelas da Itália, a Bloch produzia suas fotonovelas no Brasil, com a revista Sétimo Céu.

Em pesquisa de 1974, as revistas de fotonovelas só eram superadas, em vendas, pelas revistas de quadrinho (HQs) infantis. A revista Capricho, da Editora Abril, era na época a mais vendida (média quinzenal de 211.400 exemplares), perdendo apenas para Pato Donald, Mickey e Tio Patinhas (cada uma com uma média periódica aproximada de 400 mil exemplares).

A revista Ciência Hoje das Crianças, na edição online de 2 de junho de 2010, publicou uma vigorosa entrevista com os desenhistas e cartunistas Beto Pimentel e Luiz Pessôa, onde eles num papo bem legal, esclarecem a diferença entre cartuns, tirinhas e histórias em quadrinhos (HQs). Bússola Literária, teve o cuidado de reproduzir na integra esta entrevista, com o objetivo de tornar os seus leitores cientes destes trabalhos criativos, os quais tanto encantam as crianças de todas as idades em todo o Planeta. Então vamos à entrevista:

Ciência Hoje das Crianças: O que é necessário para criar histórias em quadrinhos?

Beto Pimentel: Em primeiro lugar, imaginação, criatividade e sensibilidade. Em segundo lugar, papel, lápis, borracha e, se possível, uma caneta. Como em toda arte, o desenhista de quadrinhos quer contar algo que achou interessante de alguma maneira. Para tanto, ele precisa, claro, dominar certas técnicas narrativas exclusivas dos quadrinhos, como o uso de balões. O mais importante no processo criativo de uma boa história em quadrinhos, no entanto, é a dedicação, que significa muita pesquisa, atenção, sensibilidade, percepção, trabalho duro e, às vezes, paciência.

CHC: Além dos desenhos, que fazem o maior sucesso, o texto também aparece nas histórias. O que é mais importante?

Luiz Cartoon: Acho que o que faz os quadrinhos serem tão interessantes é que muitas vezes os dois se complementam. Há quem diga que o leitor começa a se interessar por uma história em quadrinhos pelo desenho, mas continua até o final por causa do texto. Se a gente considerar como “texto” a ideia contida no roteiro, acho que isso é verdade. Nos quadrinhos, até as letras do texto podem ter significado. Por exemplo: a fala de uma personagem pode sempre aparecer com uma letra mais caprichada e bem desenhada do que a fala das outras personagens, querendo dizer, talvez, que aquela é particularmente mais cuidadosa e detalhista.

CHC: Qual a diferença entre cartum, tirinhas e histórias em quadrinhos?

Beto Pimentel: É o formato. Chamamos de histórias em quadrinhos, em geral, desenhos sequenciais de mais de uma página, em que uma história mais longa é desenvolvida. Nas tirinhas, o formato é reduzido em apenas alguns quadros. Elas foram desenvolvidas especialmente para os jornais e feitas para as notícias do dia a dia, bem como para atrair crianças para a leitura. Já o cartum, consiste em um desenho em que uma situação – na maioria das vezes engraçada – é apresentada. Hoje, para diferenciar, chama-se cartum o tipo de desenho que traz um humor mais universal, enquanto a charge é caracterizada pelo humor que só faz sentido num determinado lugar e numa determinada época. Por exemplo, a charge política que sai nos jornais todos os dias.

CHC: O que vocês dois diriam para quem quer criar histórias em quadrinhos?

Beto Pimentel: Eu diria que, se ela gosta de desenhar e de ter ideias, ela tem tudo para ser um bom cartunista. Porém, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, desenhar é apenas uma parte do que o desenhista faz. Os grandes ilustradores e quadrinistas – como são chamados os autores de histórias em quadrinhos –, em primeiro lugar, são pessoas que leem muito, vão a exposições de arte, assistem a filmes, conversam com outras pessoas sobre o que interessa a eles, etc. Um bom ilustrador deve ser capaz de olhar para o esboço do desenho e ver como ele pode ficar melhor. Isso exige muito desapego à própria criação, além de persistência, capacidade de observação e criatividade. Além disso, é preciso treinar com afinco até conseguir fazer isso bem.



Luiz Cartoon: A resposta do Beto está mais do que completa. É necessário muito treino, mais treino, e mais treino nas horas vagas! E este treino deve ser divertido e prazeroso... O mais importante em histórias em quadrinhos é a diversão! O jovem cartunista deve procurar um tema de seu interesse, explorá-lo e encontrar uma forma de torná-lo interessante para contar aos outros por meio dos quadrinhos. Deve tornar este tema engraçado, dramático, interessante a ponto de prender a atenção dos leitores. Ao conseguir isto terá alcançado seu objetivo.



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Imagens: Internet

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Ganga Zumba Ê Ê Ê É Zumbi



Quando você leu o título, é possível que a sua primeira impressão foi de que, estaria se deparando com algo relacionado a uma cantiga de roda ou até mesmo a um samba, ao ritmo do batuque da dança de capoeira, a um genuíno axé. Na verdade refere-se ao curioso e divertido conto do escritor Caetano Lagrasta, tanto nas expressões (verbetes) criadas pelo próprio autor, quanto pela sua tendência como forma de linguagem literária.

Caetano Lagrasta, no seu livro, 1968 e Outras Estórias, na orelha de capa da sua obra, faz uma observação interessante: “Estes contos podem ser resumidos em duas ou três citações, em longos anos de incessante busca por editores que, no dizer breve de Torquato Neto, a gente tem que passar a vergonha toda pra poder arrebentar as coisas.” Este desabafo, nos motivou a fazer um apanhado mais abrangente sobre o seu visível desapontamento em relação ao meio editorial.

Não estamos referindo a um marinheiro de primeira viagem na literatura. Lagrasta ocupa a Cadeira Graciliano Ramos – Acadêmico da Faculdade de Direito da USP; Menção Honrosa do Prêmio Governador do Estado de S. Paulo, em 1967, com o livro de contos Abecedário; corroteirista, ator e autor de comentários musicais, em longa e curta metragem; fotógrafo e por aí vai... 

Muito se tem questionado entre os autores de Contos, sobre o porquê das editoras não dar a devida atenção à publicação de contos e o real motivo do seu desinteresse por esse modelo de linguagem literária. Questiona-se até se é o próprio leitor o seu principal motivo, o seu principal contribuinte para essa discriminação, preferindo os romances longos, com mais evidência para os autores consagrados ou que estão na pauta literária das revistas e jornais de grandes circulações. O mais curioso, é que, a história da nossa literatura mostra claramente que escritores como, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Monteiro Lobato, João Cabral de Melo Neto e tantos outros tinham suas preferências por esse gênero literário.

Com a finalidade de notificar informações que comprovam essa tendência das editoras substanciar mais o romance em detrimento do conto, sem se esquecer do autor, aquele que realmente alimenta essa cadeia de criação literária, eis a seguir alguns excertos de pesquisas que selecionei para esta ocasião em consonância com as decepções de Caetano Lagrasta. No entanto, é bom salientar, você pode buscar mais informações na internet, onde irá encontrar vasto material nesse sentido.

Vale à pena ressaltar, existem evidências inquestionáveis, sobre o que pensa alguns autores famosos e seus posicionamentos a respeito do tema: René Avilés Fabila, embora o seu nome nos dê a impressão tratar-se de um francês, é na verdade importante autor mexicano, traduzido para vários idiomas. René Avilés é citado no livro Assim se escreve um conto, do premiadíssimo escritor e crítico literário Mempo Giardinelli, no qual ele diz: “Comecei escrevendo contos, mas me vi forçado a mudar de rumo por pedidos de editores que queriam romances. Mas, cada vez que me vejo livre dessas pressões editoriais, volto ao conto... porque, em literatura, o que me deixa realmente satisfeito é escrever um conto".

O jornal Folha de São Paulo, de 4 de fevereiro de 1996, publicou o seguinte depoimento do escritor gaúcho Moacyr Scliar: “Eu valorizo mais o conto como forma literária. Em termos de criação, o conto exige muito mais do que o romance... Eu me lembro de vários romances em que pulei pedaços, trechos muito chatos. Já o conto não tem meio termo, ou é bom ou é ruim. É um desafio fantástico. As limitações do conto estão associadas ao fato de ser um gênero curto, que as pessoas ligam a uma ideia de facilidade; é por isso que todo escritor começa contista".

O escritor checo Franz Kafka, iniciou sua carreira literária, escrevendo contos para a revista Hyperion em 1908 e para vários jornais da época. Os seus trabalhos mais conhecidos como, Contemplação, A Metamorfose, Um Artista da Fome e tantos outros, foram antes publicados sob o formato de conto.

Antes da escrita do Ocorão, ocorrida no século VII, às civilizações de origem árabe, no século VI, já conheciam as histórias dos contos sob a forma oral. Simbad era muito apreciado, porque se tratava de uma aventura onde a intrepidez do personagem enaltecia a personalidade e a coragem do povo árabe. No ocidente as histórias de Simbad, o marujo, foram conhecidas a partir de As Mil e Uma Noites, uma coleção de contos árabes traduzida para o francês pelo escritor Antoine Galland, publicada entre 1704 e 1717.

O contista, romancista e teatrólogo Nicolai Gogol, é considerado ao lado de Aleksandre Púchkin, autor de O Prisioneiro do Cáucaso, um dos fundadores da moderna literatura russa. O estilo vanguardista de Nicolai incorporou à literatura russa o realismo fantástico. Os contos, O Capote e O Retrato, o permitiu notabilidade conceitual entre grandes nomes da literatura mundial, sendo inclusive, considerado por Jean-Paul Sartre como sendo, o fundador da literatura moderna; Dostoievski o reconhecia como um grande mestre.



Ganga Zumba Ê Ê Ê É Zumbi
Por: Caetano Lagrasta




O calor sufocava. Uma atmosfera mágica e tropical envolvia o bairro alegre das vivendas diplomáticas. A festa alcançava o auge: escolas de samba, fantasias, bananas, abacaxis – aos milhares – muito uísque, carros enormes, velhas, homens gordos, tudo isso, saltitando ao redor da piscina azul, tépida.

O embaixador passeava entre os convidados, alheio.

Do lado de fora, dois rapazes e uma moça observavam. Na manhã seguinte foram substituídos por um casal. O motorista da limusine passava um espanador sobre o vidro fumê, aguardando Suas Excelências para o passeio matinal. O casal seguiu-os, anotando os detalhes da hora de saída, comportamento do motorista, trajeto percorrido, movimento das ruas. O motorista – comentava-se – praticava macumba. Contavam estórias estranhas a seu respeito. Era um negro retinto, sempre a mostrar o sorriso branco. Sua mulher morrera com o ventre perfurado por minúsculas agulhas, que nunca foram encontradas. Alguns imaginaram vingança de outro Pai de Santo; assassinato. Estória antiga. Hoje ele habita um dos cômodos da residência dos empregados, atrás da embaixada.

Salatiel, o motorista, espanava o vidro, exatamente como fizera no dia anterior e como fazia há anos.

– Tudo pronto? – perguntou a Senhora do Embaixador.

– Iés, madam, respondeu Salatiel.

– Létisgoul.

O carro arrancou sem ruído: passaram o portão, que se fechou automaticamente.
O sequestro foi instantâneo. Salatiel ficou parado no meio da rua, gritando, enquanto que por dentro, sentia-se frustrado. Como não imaginara que iam se antecipar aos seus planos? A Senhora do Embaixador chorava copiosamente, narrando a todos o que passavam a sua desgraça, sujando o rímel os olhos fundos, a face camaleônica e flácida. Salatiel telefonou à polícia, com desânimo. Não tinha nada que ver com a coisa, mas temia; estar muito perto de fatos políticos gerava medo, terror. Iludia-se, pensando que o mundo da repressão poderia acabar em torno de si. No fundo, tinha mais medo que o que deviam estar sentindo os sequestradores.

O bairro foi cercado. Enormes cães farejavam a limusine. A Senhora do Embaixador procurava ajudá-los, dando-lhes outros objetos. Salatiel aguardava, num canto, que o chamassem.

Ah! Aqui tem coisa – exclamou um investigador, olhando para Salatiel, certo de que chamaria a atenção do delegado.

– Co’mé? Se sabe alguma coisa, vai desembuchando. Há tempos que quero te descer o cacete, desde o dia que matou tua mulher.

– Fui absolvido – Salatiel tremia –, não sei de nada.

– Como eram os caras?

– Estavam de máscaras – murmurou Salatiel, engolindo a saliva quente que queria cuspir na cara, daquele filho da puta.

As investigações deram em nada. O prestígio do governo fora abalado. Salatiel foi preso, apanhava firme: bastonadas, choques, afogamentos no balde, na latrina, pendurado, feito arara. O feitiço virou a esta merda não deixa marcas. Pior mesmo é que não tenho quem entregar – pensou.

Quando voltou à Embaixada, a Senhora do Embaixador o expulsou, chamando-o de sónófabich: gritando que ele devia ter sido mais macho naquele dia.

Os sequestradores foram presos. Salatiel escondeu-se num dos morros e ficou espetando bonecos. Sentia pena dos presos, mas, no fundo, era compaixão de si próprio, de seus bonecos, que não serviam para nada.

A volta do sequestrado foi singela e comovente.

A Senhora do Embaixador colocara todo o pessoal da Embaixada no jardim, logo ao amanhecer, vestidos com esmero. Formavam duas alas; a Senhora do Embaixador abria o cortejo com um vestido de chiffon branco e um chapeuzinho multicor, com véu, azul e cor-de-abóbora.

O sequestrado fora recolhido por um táxi e trazido até a porta da mansão, onde o aguardava uma avalanche de fotógrafos.

Abriu-se a porta do veículo: nada, não descia. Expectativa. A Senhora do Embaixador não se contém: quebrando o rígido protocolo, sai em desabalada carreira, balançando o corpanzil a cada passada. Chorava, mas o rosto iluminava-se de um certo vedetismo. O Embaixador assoma à janela do segundo andar e sua expressão é de desgosto, pela atitude informal da esposa.

O sequestrado titubeia, os fotógrafos são afastados pela polícia, a Senhora do Embaixador dá gritinhos histéricos. Confusão geral. Instante-emoção: Ele sai, senta-se nas patas traseiras, coça uma pulga e corre para uma árvore, urinando copiosamente.


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