A história literária
de Oswald de Andrade é polêmica em termos de conduta. Primeiro seus princípios idealistas como
escritor, foram influenciados pelo movimento de vanguarda européia, especialmente, pelo que já vinha ocorrendo no meio literário e nas artes
francesa. Por questões ideológicas de renovação na estética da literatura
nacional, canibalizou o que acontecia no velho continente, expelindo o acre do
seu pensamento andrófago. Atitude que incitou o movimento que resultou a Semana de Arte
Moderna, que aconteceu no Teatro Municipal de São Paulo, em 1922. Sendo ele
inclusive, um dos integrantes do grupo dos cinco, ao lado das pintoras Anita
Malfatti, Tarcilla do Amaral (esposa) e dos escritores: Mário de Andrade e
Menotti Del Picchia.
O movimento modernista, não era
um projeto essencialmente literário, a proposta tinha como pano de fundo,
promover o ufanismo em torno da cidade de São Paulo ao status de uma Paris
vanguardista na época. Portanto, envolvia a arte, o urbanismo, a educação, com
a construção de escolas e universidades, além de um pacote de iniciativas
progressistas antropofágicas, onde Oswald de Andrade se destacava. No seu
manifesto antropofágico ele sintetiza sua via de inovações, com a frase: "Tupi
or not tupi, that is the question", uma analogia anarquista da célebre frase de
Shakespeare, na peça Hamlet, “to be or not to be,
that is the question”.
José Oswald de Sousa Andrade
nasceu em São Paulo, dia 11 de janeiro de 1890 e faleceu, aos 64 anos, em 22 de
outubro de 1954. Teve vários casamentos e quatro filhos com três esposas
diferentes. As mais destacadas dentre suas esposas, foram: a pintora Tarcilla
do Amaral e a poetisa ativista política, Patrícia Galvão, a Pagú. Filho único
de família muito rica. Seus pais eram ilustres latifundiários urbanos, dos
quais recebeu uma extraordinária herança econômica. Entretanto, Oswald de
Andrade morreu pobre, praticamente esquecido e o passado resumido nos onze
livros que escreveu, seis peças de teatro e seis manifestos. No entanto o seu
legado literário é considerado por muitos intelectuais, como inestimável.
A escritora, compositora e
cantora, Beatriz Azevedo, autora de “Antropofagia Palimpsestos Selvagens” e
“Encontros Oswald de Andrade”, ambos os títulos a caminho de serem lançados no
mercado editorial, registrou
por meio de uma avaliação analítica do escritor, no seu
artigo escrito para o jornal O Estado de São Paulo, edição de
10 de janeiro (sábado) deste ano, sob o título: Oswald de Andrade completaria
125 anos neste domingos. Beatriz Azevedo enfatizou nesse “Especial”, situações
sobre a personalidade deste ícone do modernismo brasileiro, senão o mais importante,
irrequieto e mordaz idealista entre os modernistas. Achei oportuno compilar
parte do artigo, por considerá-lo interessante tanto do ponto de vista de
pesquisa, quanto pelo teor da
sua linguagem inteligente, que se segue:
(...) A exemplo do Manifesto
Antropófago, a utilização da polifonia de autores, e a partir desta, a
multiplicação de pseudônimos, revela a eleição da pluralidade como linha de
atuação crítica. Oswald de Andrade não apenas cita Mark, Freud e Nietzsche, como cria um Freud Nietzscheano, um Marx Freudiano, um
Nietzsche Oswaldiano. A paródia e a mistura de elementos díspares numa mesma
imagem sempre foram suas estratégias preferidas contra as ortodoxias.
Ao mesclar Anchieta e Padre
Vieira, Jacy e Guaracy no seu Manifesto Antropófago, Oswald está propondo uma
reflexão sobre as hierarquias, entre o que seria “pré-lógico” e “lógico”, entre
o que é considerado “selvagem” ou “civilizado”. Confrontando o materialismo
Marxista com a psicanálise Freudiana, e as visões do “selvagem” a partir da
ótica de Rousseau ou de Montaigne, Oswald constrói o seu ponto de vista
crítico. Nada disso é o “samba do ‘criolo’ doido”, ou um caldeirão de
misturas aleatórias. Do ponto de Oswald, “Freud é apenas o outro lado do
catolicismo. Como Marx é o outro lado do capitalismo”.
Sob o peso de possuir um gênio
impulsivo e contestador (...) Oswald conseguiu ser expulso do Partido Comunista
e da Aristocracia Rural Paulista, quando propôs a esses notáveis representantes
hierárquicos do poder rural, no
Congresso da Lavoura que latifundiários dividissem os lucros da terra. Suas
contradições pessoais, e também, as da história do Brasil, encontram-se nas
frases emblemáticas do Manifesto Antropófago: “A nossa independência ainda não
foi proclamada”.
Oswald de Andrade permanece
vital para o mundo contemporâneo. Seus questionamentos abalam “o pensamento
comprimido do brasileiro da atualidade”. Oswald já defendia, no século passado,
que se escutassem os ameríndios, pois eles não sofrem de psicose como todos
nós sofremos hoje. O poeta queria “ouvir o homem nu”; o resto é silêncio. E a
pergunta de Oswald continua ecoando: “Será esse o brasileiro do século 21?”.
Só para esclarecer: é muito importante conferir os vídeos, eles completam as informações contidas no texto. Se não, com que finalidade estariam disponíveis?
Só para esclarecer: é muito importante conferir os vídeos, eles completam as informações contidas no texto. Se não, com que finalidade estariam disponíveis?
Oswald
de Andrade é o homenageado
na Flip de 2011
Meu pai era um furacão, disse Marília de Oswald de Andrade, única filha viva do escritor, com sua
quinta e última esposa, Maria Antonieta d’Alkmin. “Oswald vivia com minha mãe
completamente apaixonado. Conviver com um casal assim, isso me formou, foi uma
coisa muito forte”, revela Marília.
No dia 6 de julho de 2011,
durante a realização da 9ª Edição da Flip – Festa Literária Internacional de
Paraty, que aconteceu até o dia 10, se inspirou nos ideais antropofágicos de
Oswald de Andrade. Na ocasião, mais de 20 autores de 13 países discutiram, em
18 mesas, ciência, filosofia, tecnologia, linguagem e muita literatura.
Oswald
de Andrade influencia o Movimento Tropicalista e o Cinema Novo
A proposta do tropicalismo era
criar uma nova mentalidade no cenário musical brasileiro, inserindo fluídos
modernistas na própria cultura num todo. De acordo com o site Tropicália, Um projeto de Ana de Oliveira, os tropicalistas deram um histórico passo à frente
no meio musical brasileiro. A música brasileira pós-Bossa Nova e a definição da
“qualidade musical” no País estavam cada vez mais dominadas pelas posições
tradicionais ou nacionalistas de movimentos ligados à esquerda. Contra essas
tendências, o grupo baiano e seus colaboradores procuram universalizar a
linguagem da MPB, incorporando elementos da cultura jovem mundial, como o rock,
a psicodélica e a guitarra elétrica.
Considerando ainda, do ponto de
vista estético, as transformações na construção das letras das músicas, contou
com a contribuição da introdução de instrumentos, como a guitarra, que permitiu
a criação de ritmos dissonantes. Do ponto de vista ideológico, a ruptura se deu
pela valorização da televisão como meio de expressão e, pelo fato, das letras
cantarem um Brasil, em que havia aviões no ar e crianças descalças na terra, ou
seja, uma música que mostrava que o moderno estava cada vez mais articulado com
o atrasado.
Essas informações da vanguarda
erudita por meio dos inovadores arranjos de maestros como, Rogério Duprat,
Júlio Medaglia e Damiano Cozzela, mudaram conceitos e radicalizaram nas
propostas. Ao unir o popular, o pop e o experimentalismo estético, as ideias
tropicalistas acabaram impulsionando a modernização não só da música, mas da
própria cultura nacional.
Como o período em que foi
instaurado o movimento, o Brasil vivia sob o domínio da ditadura militar. Para
driblar as correntes irreacionárias da época, perante aos responsáveis pela
mudez das ideias e evitar qualquer iniciativa que abrisse os olhos da
população, principalmente dos jovens, os artistas criavam letras inteligentes,
distantes da compreensão perceptível dos grupos extremistas legalizados e
orientados pelo próprio regime de exceção, portanto, as letras das canções
teriam que ser inovadoras, criando jogos de linguagem, se aproximando da poesia
dos concretistas.
Por meio de artifícios
criativos, as mensagens das letras eram codificadas, exigindo certa bagagem
cultural para que fossem compreendidas. "Alegria, Alegria" de Caetano
Veloso não tem sentido óbvio, mas carrega em sua letra preocupações típicas da
juventude da década de 60, um tormento com a violência da ditadura e um desejo
de inovar, de romper barreiras.
Os tropicalistas implantaram um
método de estética visual e de comportamento, no qual exibiam através das suas roupas
coloridas e cabelos compridos, tendências que agregavam várias influências musicais nos
seus manifestos de rebeldia. A intenção era chocar e, por meio de performances
caracterizadas pela violência estética, protestar contra a música brasileira
bem comportada. Influenciados pela contracultura, se apoderaram da linguagem da
paródia e do deboche. Os tropicalistas transformaram a música popular
brasileira, sendo grandes expoentes da arte brasileira de vanguarda.
Pascoal Farinaccio, no seu
artigo, Oswald de Andrade e o cinema em dois tempos, ressalta, que a voz e as
imagens do Cinema Novo procuraram seguir a estrutura pragmática heterodoxia do
modernismo efervescente. Durante a fase populista da história do Brasil, no
período compreendido entre 1945 e 1964, o que vinha de fora era frequentemente
visto como impuro e, portanto, perigoso. Assim, a Coca-Cola e o cinema de
Hollywood eram muitas vezes apontados como exemplos do imperialismo cultural
norte-americano, ao passo que o samba e o Cinema Novo – feito com “uma ideia na
cabeça e uma câmara na mão”, de acordo com Glauber Rocha – eram considerados
exemplos do que havia de mais autenticamente nacional. O filme A Grande Arte,
apesar de ser dirigido por um brasileiro e rodado no Brasil, é falado em
inglês. Filmes como O Quatrilho e O Que é Isto Companheiro, são estrelados por
artista da Rede Globo e concorrem ao Oscar, contratando lobbies profissionais
para que estes fossem premiados.
Sobre o formato conceitual de
se criar um cinema com o corpo e a cara do Brasil moderno, Oswald de Andrade
foi sem dúvida, o modernista que melhor conseguiu elaborar uma prosa de ficção
nutrida de uma técnica narrativa cinematográfica, valendo-se dessa para ampliar
o seu campo de experimentação linguística. Providencial exemplo é o seu romance
publicado em 1924, Memórias Sentimentais de João Miramar, cujo conteúdo
constitui deliciosa sátira aos intelectuais parnasianos, que ainda gozavam de
prestígio cultural na provinciana São Paulo dos anos 20.
Levando-se em conta a mesma
capacidade de síntese e fusão de palavras, encontra-se também, no livro de
poesias Pau-Brasil, de 1925. O câmera eye oswaldinao, é aqui ainda mais radical
na apreensão e condensação da matéria externa, com a qual lida. Veja essa
referência ocorrida neste diálogo O Capoeira, fragmento do poema Pau-Brasil.
- Qué apanhá sordado?
- O quê?
- Qué apanhá?
Pernas e cabeça na calçada.
Nota-se, de um lado, a
aproximação da linguagem literária com a oralidade popular – Qué, sordado –,
respeitando-se o preceito do Manifesto da Poesia Pau-Brasil, que preconiza o
aproveitamento da “contribuição milionária de todos os erros”, aproximando-se
assim, a poesia modernista da vida cotidiana; de outro, verifica-se mais uma
vez, uma sintonia fina com a linguagem cinematográfica. O poema se assemelha
uma tomada de uma cena de rua extremamente rápida, em sua movimentação: antes
que o “sordado” responde o golpe de capoeira, este já foi dado.
Um bom exemplo do diálogo do
cinema brasileiro com a literatura de Oswald, naquilo que ela tem justamente de
traço propositalmente grosso, exagerado, caricatural a definir personagens e
situações, é o filme de Rogério Sganzerla. O Bandido da Luz Vermelha, de 1967.
Aí, o famigerado bandido, que se autodefine diversas vezes ao longo do filme
como um “boçal”, bandido mequetrefe metido num “faroeste do terceiro mundo”, é
caracterizado por uma recorrente voz over, em termos retirados do romance Serafim
Ponte Grande, de Oswald de Andrade.
No filme vigora o mesmo tom
desabusado, paródico, kitsch, que tangencia o mau gosto e empreende a
apropriação dos produtos massificados da cultura de massa – em suma, ocorre uma
fina sintonia entre o tom do filme e a composição do Serafim. Do ponto de vista
ideológico, o crítico Ismail Xavier, observa com acuidade que O Bandido da Luz
Vermelha, reúne em si dois momentos do romance oswaldiano: o diagnóstico da
visceral “incompetência cósmica” do povo brasileiro, isto é, sua incapacidade
de transformar a nossa injusta estrutura social e, ao mesmo tempo, a
impaciência, o desejo enfim de uma mudança radical, que anima o prefácio em
1933.
Glauber Rocha não realizou
nenhum filme baseado explicitamente na obra de Oswald de Andrade. O cineasta
nunca filmou uma adaptação literária, entretanto, afinidades ideológicas e estéticas
profundas o ligam ao antropófago de São Paulo. Por outro lado, em ambos há a
assunção plena de uma forma artística experimental, verdadeiramente
revolucionária. Se Oswald convulsionou a linguagem literária, expurgando dela o
lado “bem comportado”, o mesmo se pode dizer a respeito da invenção
cinematográfica de Glauber, que coloca em xeque a demanda de uma representação
dita realista, sobre a qual busca uma identificação plena, com a realidade
extrema. Ambos assumem que a linguagem, seja literária, seja cinematográfica,
são discursos que, se por um lado buscam (re)apresentar a realidade, por outro
lado, em grande medida a inventam conforme a perspectiva particular do autor,
sua visão de mundo, em um momento historicamente determinado.
Enaltece, concluindo o seu artigo,
incluindo uma referência a um dos mais importantes encontros entre Oswald de
Andrade e o cinema: O Homem do Pau-Brasil, do diretor cinemanovista Joaquim
Pedro de Andrade, produzido em 1981, o dedica ao seu amigo Glauber Rocha.
De acordo com Pascoal Farinaccio, o filme é uma biografia livre inspirada na vida e
obra de Oswald, com destaque para o que se encontra registrado em Serafim Ponte
Grande e na autobiografia do autor, Um Homem sem Profissão: Sob as Ordens de
Mamãe.
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