Principiava-se do mês
de junho, o ano, este. Porém, uma parte da história de mútua convivência entre
Luis Gustavo e Maria Rita, teve o seu início no ano passado. Os alunos do
Colégio Estadual de São Luís de Montes Belos, pequena cidade do estado de
Goiás, no Brasil, com população de pouco mais de 32 mil habitantes, estavam todos
se preparando para as provas, que concluiriam o primeiro semestre eletivo. Luis
Gustavo estava entre esses alunos. Embora com um saldo de notas positivo, ainda
assim, teria que se submeter ao calendário escolar, também participaria das
provas. Portanto, estava em parte, focado nas suas obrigações escolares.
O histórico de
comportamento de Luis Gustavo em sua casa, não se encontrava tão bem, como no
colégio. Estava em baixa com o seu pai, Fernando de Paula. Tudo porque, há um
ano e meio, mais precisamente, dezembro, próximo ao Natal, ele havia conhecido
uma garota da sua idade, 16 anos, que o havia seduzido para o universo da
leitura. Maria Rita desde pequena tinha o hábito de ler. Lia livro, um após o
outro, de maneira incansável. Muitas vezes Luis Gustavo, se sentiu perdido,
fora de sintonia, diante do vasto conhecimento da nova amiga. Precisava
encontrar uma maneira de estar pelo menos, mais próximo da conexão com o seu
mundo intocável, das histórias contadas nos livros. Lógico que, também estava
tendo uma queda por ela. Isto requeria dele, passar a dedicar-se de corpo e
alma, aquele universo antes não experimentado.
Os seus amigos, como
ele, não curtiam a leitura, estavam mais linkados ao instagram, watsApp, selfie, facebook e outra redes sociais da internet. Uma área que Maria Rita desprezava.
Isto não significava que ela estava mais próxima do comportamento nerd.
Acontece que sua visão sobre temas banais, não correspondia com o seu apetite
por leitura. Cumpria com dedicação suas obrigações escolares, sempre com notas
altas no currículo. Entretanto, a atmosfera que respirava, encontrava-se, a
grande distância das pessoas consideradas normais, comum entre os colegas do
colégio. Os dois estudavam na mesma escola, embora em turma e ano diferentes.
Maria Rita aprendeu desde cedo que
viajar através de uma boa história, conhecer novos personagens, novos lugares,
novos hábitos, novos costumes, próprios das ambientações literárias, eram mais
interessantes. Além de enriquecer seus conhecimentos, a mantinha mais preparada
para o vestibular, o ENEM, suas metas para breve. Pretendia se formar em
Relações Internacionais e, no futuro, se tornar uma diplomata, pronta para
representar o Brasil em alguma parte do mundo. Para tanto, dedicava tempo
integral a pesquisas, cursos de idiomas e em literatura, independente de que
país fosse o autor.
Atraído pelo fascínio e
a inteligência de Maria Rita, Luis Gustavo procurou uma maneira de se aproximar
de sua deusa da sabedoria. Não foi fácil, já que Maria Rita era muito seletiva
com as suas amizades, ainda mais, em se tratando de um garoto tão jovem, como
era o caso de Luis Gustavo. Geralmente garotas na sua faixa etária, preferem os
jovens mais experientes, mais vividos, mais preparados para desenvolver um
assunto mais proveitoso. Mesmo tendo que enfrentar algumas objeções, não se deu
por vencido, até que, numa discussão sobre determinado livro, Luis Gustavo se
sobressaiu, conquistando a atenção da sua pretendida.
A partir de então,
sempre que sobrava uma brecha, lá estava Luis Gustavo, procurando conversar do
Maria Rita, seja para se informar dos assuntos do colégio ou de um livro que
estivesse lendo. Com o passar dos dias a convivência foi se estreitando entre
eles. Percebeu que teria que dar outro passo à frente e, o melhor a fazer seria
começar a se interessar pela leitura. Sua iniciação foi na biblioteca do
próprio colégio, com a ajuda da sua professora de literatura e gramática.
Depois passou a ler os livros que Maria Rita o emprestava.
Daí, para os encontros
com fins exclusivos de discutirem o conteúdo de um livro que acabara de ler,
foi mais uma conquista alcançada. Naturalmente, o livro em questão, pertencia
ao acervo da garota. Passaram a ter encontros semanais na sorveteria da cidade,
onde discutiam suas impressões sobre o tema lido. Já havia lido quase todos os
livros da amiga. Por outro lado, precisava demonstrar que também tinha
interesse de ter o seu próprio acervo, de preferência com livros que não
constavam entre os de Maria Rita. Estava se sentindo minimizado com a situação
em que se encontrava.
Achou por bem, recorrer
à mãe que era professora. Vera, sua mãe, vendo o interesse do filho pela
leitura, e os avanços de informações adquiridos, resolveu que deveria contribuir,
arranjando títulos com enfoques diferenciados. Evidente, que sua mãe, tinha
suas preferências, contudo, achava que o melhor para Luis Gustavo naquele
momento, seria livros próprios da idade. O primeiro livro que colocou em suas
mãos para ler, foi O Diário de Dany, de Michel Quoist. Ela já havia lido O
Diário de Ana Maria, do mesmo autor, por recomendação da própria mãe. Então,
achou que o melhor caminho seria o mesmo: livros dirigidos a adolescentes.
Luis Gustavo ficou de
boca aberta com a escolha da mãe. Seus conhecimentos estavam muito além daquela
fatídica idade. Havia lido clássicos da literatura brasileira, inclusive alguns
com alusões picantes de relacionamentos, comuns nos textos de Jorge Amado.
Portanto, O Diário de Dany, parecia até uma afronta aos seus conhecimentos e
preferências de leitura. Resolveu abrir o jogo, falar abertamente com a mãe.
- Mãe, parece que a
senhora parou no tempo. Estamos no século XXI, à década de 50 ficou há muito
tempo para trás.
- Hoje existe a
internet, os jovens sabem mais coisas que até os pais duvidam.
- Agradeço sua boa
vontade, mas estou em busca de literatura pura, isto não significa que os
livros contemporâneos, comuns entre os jovens, como a saga Crepúsculo, Harry
Potter, O Senhor dos Aneis, os quais, já li todos.
- Noites de Alface,
Dragões do Éden, Divórcio, Quiçá, Filhos do Éden, Sal, Cinquenta tons de cinza,
A cabana, A hora é das estrelas, A última música, Escrito nas estrelas, O lado
bom da vida, e tantos outros, também já os li.
- Quero ler livros que
proporcione uma boa discussão, debates, com conteúdo envolvente.
- Não que os autores menos destacados na
opinião dos jovens e das pessoas que leem, sejam de péssimo gosto. Mas quero
ler autores que me estimule; que me motive a continuar lendo, sempre lendo. A
senhora está me entendendo?
A professora Vera, o
olhou desentendida. Demorou a cair à ficha. Mas compreendeu que, de fato,
estavam vivendo uma época totalmente diferente da sua (anos 80), precisava mais
que depressa se adequar aos avanços, tanto tecnológicos, quanto dos novos
conceitos do comportamento dos jovens atuais. Ela tinha pleno conhecimento
dessas mudanças, afinal era professora e convivia diariamente com alunos da
idade do filho, até menos. Todos conheciam muito bem os assuntos relativos à
sexualidade, inclusive, sobre a prática sexual que os jovens já vinham
utilizando no seu cotidiano. Até as telenovelas e o telejornalismo, haviam
evoluído quanto aos seus assuntos temáticos. Atualmente, vinham propondo na sua
órbita de informações, as questões que envolvem tabus e preconceitos; promover
a tolerância entre as desigualdades; discutir a homofobia e o bullying nas
escolas e no meio social num todo. Pegou o telefone e
ligou em seguida para uma amiga que reside em Goiânia, capital do estado.
- Marina, sou eu, Vera.
- Eu sei, reconheci sua
voz. Está tudo bem com você? – Quis saber Marina.
- Está tudo bem, só
estou precisando de um favor seu. – Respondeu Vera.
- O meu filho me pediu
algumas sugestões de livros pra ele ler, como estou um pouco por fora sobre o
que está mais em evidência na literatura. Sendo você, uma pessoa que gosta de
ler, achei que poderia me ajudar, nesse assunto. – Esclareceu Vera.
- Não tem problema. Diga-me
apenas sobre que estilo de leitura o Luis Gustavo mais gosta? – interessou-se
Marina.
- Estivemos
conversando, pelo que pude notar, ele não está diferente de qualquer outro
jovem da sua idade, e, até os mais velhos, bem mais velhos, está me entendendo?
- Gosta dos livros que
estão sendo comentados entre as pessoas que leem com frequência. Não tenho uma
receita para facilitar o seu entendimento, mas sei que está me entendendo, pelo
menos é o que espero. – Tentou explicar.
- Você ainda continua a
frequentar os sebos, comprando livros usados interessantes? – Indagou Vera.
- Sim, é claro. Não
existem lugares melhores para comprar bons livros, por custos bem mais em conta.
Principalmente quando nos preocupamos com a época da edição.
- Como se trata de
livros usados, torna-se uma bela maneira de ficarmos mais próximos dos
originais. Deixa eu te explicar melhor: quanto mais antigas forem as edições,
mais próximas nós nos tornamos dos originais.
- Além desses livros, já terem
proporcionado momentos super prazerosos pelo seu conteúdo a outras pessoas –
Esclareceu sua interpretação, sobre o valor dos livros usados.
- Está interessada em
algum livro em específico? – Respondeu Marinha.
- Não, não é isto. Vou
te enviar um valor em sua conta bancária e, você pode comprar o que for
possível com a quantia que estarei te enviando. Pode fazer isto, por mim? –
Solicitou Vera.
- Claro, tenho vários
livros aqui em casa, posso enviar alguns ainda hoje. Você se encarrega da postagem.
Fica bom pra você? – Prontificou Marinha.
- Não se preocupe, eu
cuido de retirá-los nos Correios, mas vai pensando em outros. O Luis Gustavo,
pelo que pude perceber, está constantemente lendo livros de uma amiga do
colégio. Não está se sentindo bem ter que estar dependendo da amiga, com os
seus livros.
- Também deseja ter os
seus próprios. Lógico, para também poder compartilhá-los com sua amiga de
leitura. E assim, estarão fazendo o que mais gostam, trocando conhecimentos e
livros. Não acha bem bacana? – Emendou Vera.
- Isto é fantástico!
Quando era mais nova, na minha adolescência, eu e duas amigas, fazíamos o
mesmo. Infelizmente hoje, isto não esteja mais acontecendo.
- Uma se casou e mudou
para o interior, a outra foi morar em Brasília, virou funcionária do governo. –
Respondeu Marina com tom menos empolgante, mas feliz.
- Logo irei visitá-los.
Diga ao Luis Gustavo, que quero trocar boas ideias e experiências, que já
experimentei, e, se possível, acrescentar alguns aditivos nesta sua fantástica
fase de buscar na leitura, sua perfeita formação como ser humano. Estou
encantada! – Disse Marina.
- Isto é muito bom. Parece
que os dois, estão formando um interessante casal de amigos, preocupados com a
leitura. – Acrescentou Vera.
- Estou gostando da
ideia. Os livros que Luis Gustavo leu, são quase todos da amiga. Acho justo que
ele também tenha os seus próprios livros. – Repetiu, enfatizando Vera.
- Ah! Antes que me
esqueço, o nome da amiga é Maria Rita, tem a mesma idade. Não é formidável, esta
sintonia etária? – Disse Vera.
- Tenho pelo menos uns
dez livros, que posso te enviar. E, não faz muito tempo que os li. São ótimos e
muito comentados, inclusive na internet. – Ressaltou Marina.
- Tenho certeza que o
Luis Gustavo vai adorar. Isto se ele já não os tiver lido. Você mesma disse que
ele se despertou para a leitura. Como são livros que estão nas rodas de
comentários dos leitores, possivelmente já os tenha lido, mas irei te enviar
daqui a pouco, antes que a agência dos Correios feche. – Esclareceu Marinha.
- Obrigado amiga, vou
ficar ansiosa aguardando os livros. Assim que for retirá-los na agência, vou aproveitar
e te enviar o dinheiro, para que possa comprar outros. Enquanto isto, vou
continuar conversando com o Luis Gustavo, quem sabe, aparece alguma novidade,
né? – Disse Vera.
- Então está bem, farei
isto com muito prazer. Beijo carinhoso no Luis Gustavo e, outro pra você minha
amiga. – Despediu-se Marina.
Marina cumpriu o
prometido enviando os livros. Em questão de semana enviou os outros, que comprara
com o dinheiro que Vera havia depositado. Vieram às provas do colégio, em
seguida o período de férias anual. Todo esse tempo foi diluído em leitura. Os
habituais encontros na sorveteria continuaram. E mais e mais, títulos foram
lidos. Chegava a parecer uma competição, até mesmo uma doença, uma obsessão.
Daí surgiu outra preocupação para Vera e Fernando de Paula, seus pais.
Em menos de um ano, os
dois amigos, já não sabiam ao certo quantos livros haviam lido. No quarto de
ambos, podia se deparar com pilhas de livros. Chegou ao ponto que não estavam
mais lendo, mas sim, devorando-os. Luis Gustavo esquecia-se das próprias
refeições diárias; esquecia de tomar banho; pouco saía para encontrar os
amigos. Quando não estava no colégio cumprindo sua rotina de estudante, ou
conversando com Maria Rita, estava em seu quarto lendo. Até a economia
financeira que mantinha na poupança para comprar sua tão desejada moto, uma
parte do dinheiro, tinha sido utilizado na compra de livros, vídeos e e-books.
Comprou também, outro computador mais avançado, com memória de se respeitar.
Nesse ínterim, Fernando
de Paula estava preocupado com o que presenciava. Porém, sempre que ficava nervoso
com as atitudes do filho. As quais, pouco compreendia, na maioria das vezes, encontrava
na mãe sua protetora. Com argumentos bem conduzidos, conseguia melhorar os
ânimos domésticos, evitando atritos entre pai e filho. Mas eis que chegou o dia,
que o pai, não deu conta de segurar a onda. Totalmente possuído por uma raiva
incontida, invadiu o quarto do filho, tomou de suas mãos o livro que estava
lendo, e o rasgou em vários pedaços, aos gritos. Utilizando-se de palavras
desagradáveis até de serem pronunciadas. Luis Gustavo, atônito com a situação,
desentendido pela ação inesperada do pai, ficou parado, estupefato,
desacreditando no estava acontecendo.
Quando o pai se retirou
do seu quarto, ainda furioso, possesso, Luis Gustavo, juntou os pedaços do
livro e foi montando-os como se fosse um quebra-cabeça, pedacinho por
pedacinho. Mal sabia o pai, que naquele momento o filho estava justamente
estudando para a prova de história, que seria no dia seguinte, sobre o Império
Bizantino. Sua última prova para o término do semestre.
Enquanto montava os
pedacinhos do seu livro, com lágrimas no rosto, aconteceu o inusitado. Luis
Gustavo foi se transcendendo como se estivesse entrando numa viagem no tempo,
sendo transportado, numa retração cósmica, de forma inesperada, para um lugar
que ele jamais imaginaria estar. Totalmente fora de órbita, encontra-se
deitado em posição uterina meio inconsciente e atordoado, sob o sol forte de
uma manhã qualquer. Nada à sua volta parecia com o pacato dia a dia da sua
cidade natal. Estava vestido apenas de bermuda e camiseta, do mesmo jeito em
que se encontrava na sua casa. Aos poucos foi recobrando os sentidos, quando
pode constatar a real situação em que se metera.
Por sorte ou cumplicidade
do destino, divisou a algumas dezenas de metros, uma suntuosa edificação. Pelos
seus minaretes que se elevavam imponentes na retidão dos céus, constatou
tratar-se de uma extraordinária igreja ou mesquita. Mas como? Como pode ser? Onde poderia estar?
O que estava acontecendo, estaria pirando de vez? Sua cabeça girou num amontoado de indagações.
Precisou de alguns
minutos, para que o seu raciocínio começasse a decifrar aquela visão. Ao notar
a altura das janelas, com formato ovalado na sua extremidade superior; suas
vidraças decoradas com afrescos em forma de mosaicos, retratando figuras que se
aproximavam de entidades religiosas e, mais outros detalhes que conseguira
captar, num estalo de percepção, notou que não se tratava de algo estranho.
Impossível sim, mas estranho não.
Aquela construção quase
pronta, que estava à sua frente, era semelhante à foto que espelhava a página
do seu livro de história, que estava estudando. Os seus olhos continuaram
capturando as imagens sob vários ângulos, quando pode perceber mais detidamente,
todo aquele esplendor arquitetônico. Admirado, permaneceu por algumas frações
de segundos, pensativo. Como um flash fotográfico, percebeu a existência de uma
enorme cúpula, qual nada mais era, do que, um dos domos da Igreja da Sagrada
Sabedoria ou Hagia Sophia, mais conhecida nos livros de história, como Basílica
de Santa Sofia.
Rapidamente ele deduziu
que estava no ano, entre 532 e 537 d.C., quando fora construída. Provavelmente
se encontrava em 536, já que a obra ainda não estava totalmente concluída, pela
presença de várias pessoas trabalhando nos acabamentos externos.
Pensou: -
“Uaaaaauuuuuu! Estou em pleno Império Bizantino, o segundo mais longo império
do mundo antigo, 11 séculos de existência, atrás apenas do Império Egípcio, que
começou por meio da unificação do Baixo e Alto Egito (Norte e Sul) pelo
primeiro faraó Menés, antes dominados pelos clãs dos nomos, por volta de 3.100
a.C até 30 d.C., findando, com a queda da rainha Cleópata, pelo exército
romano. O Império Romano foi o terceiro mais longo império, com duração de 5
séculos.”
- “Isto que estou
presenciando é o máximo, é extraordinário! De repente a preocupação se
manifestou. Mas como vou sair dessa enrascada em que me meti e retornar para o
meu tempo? Será que estou castigado a viver o resto da minha vida aqui? E o que
já estudei, sabendo que este é apenas o período do quinto governante do
império, o imperador Justiniano? E as grandes conquistas, as invasões mal
sucedidas, principalmente às várias tentativas feitas pelo bárbaro Átila, rei
dos Unos? É necessário, é imperativo, que eu me mantenha calado. Posso ser
considerado um bruxo. E as consequências só Deus saberia.” – Pensou Luis
Gustavo, analisando sua real situação e complicações, consequências do
imbróglio do tempo.
- “E se eu cometer um
vacilo mental e mencionar que o fim do Império Romano no Oriente, foi causado
pela invasão do Império Otomano, comandado pelo sultão Maomé II em 1.453. E
hoje, Constantinopla é a mais importante e desenvolvida cidade turca, Istambul?
Nossa! Nem quero estar na minha pele, nesse momento. Serei morto de forma
desumana. Tenho que me conter. Ainda bem, que não compreendem o meu idioma. Mesmo
assim, estou numa enrascada das grandes. O melhor é cerrar a boca, engolir a
língua e tentar ser o mais ignorante possível.” – Continuou vagando nos seus
pensamentos.
As condições em que Luis Gustavo se
encontrava, não eram nada satisfatórias a seu favor. Como foi que
viera parar justamente em Constantinopla, capital do Império Bizantino,
justamente a matéria que estava estudando para a prova de história? Ainda mais,
em pleno domínio do imperador Justiniano e sua esposa Teodora. Uma imperatriz,
que embora de origem humilde e, ter pertencido uma classe social, onde muitas
mulheres por opções econômicas de sobrevivência praticavam atividades pouco
recomendadas, sob o ponto de vista da igreja.
No seu caso, vinha de
um passado que a maculava, por ter sido bailarina nos circos teatrais e
prostituta requintada. Ainda assim, se tornou a esposa de um volto da grandeza
de Justiniano. No entanto, como era detentora de indomável astúcia e
vivacidade, exercia forte influência sobre o imperador, com suas atitudes
austeras e arrogantes. Sem meias medidas, sabia perfeitamente o momento
oportuno para utilizar-se da sua notável inteligência, que a permitia dominar
com decisões resistentes, assuntos relacionados à política e a religião.
Reconhecida por esses atributos,
a diferenciava de qualquer outra mulher com o seu status de soberana. Sendo,
inclusive, a responsável direta, na decisão do marido, de contra-atacar uma
iminente revolta interna, causada pela absurda prática esportiva, das corridas
de bigas e seus velozes animais, onde as cores representativas de cada equipe
ou agremiação competidora, havia se tornado poderosas representações políticas,
motivo pelo qual, poderia causar até a queda do imperador.
Diante dos fatos, sem
perda de tempo, Teodora influente e destemida, forçou Justiniano a reunir com
urgência o exército, sob o comando do general Belisário e, por meio de um
brilhante artifício, conseguiu encurralar dentro do hipódromo, utilizando-se de
um engodo estratégico de promover uma discussão em torno das propostas, foi o
bastante para colocar em prática uma ardilosa arapuca, que resultou na morte de
mais 30.000 pessoas, por meio de métodos de verdadeiro barbarismo.
Registrada como a impiedosa e famosa Revolta de Nika.
Enquanto recapitulava
seus estudos sobre o Império Bizantino, não notou que uma jovem caminhava em
sua direção, envolvida pela curiosidade. Era Mayritsha, acompanhada de três
amas de companhia e quatro guardiões. Sua idade seria difícil precisar, mas se
aproximava dos 18 anos. Linda de olhos grandes e negros, cabelos igualmente
negros, presos por fivelas douradas e enrolados feito um coque. Usava uma
estola de seda colorida, predominando o vermelho, com um longo corte nas
laterais, para facilitar o movimento das pernas. Uma faixa em tecido vermelho a
cercava na cintura, com duas tiras soltas até atingir os sapatos, também de
seda, adornados com pedrarias. A cabeça estava coberta apenas por um longo
lenço branco, com franjas alaranjadas, brincos e vários colares no pescoço.
Na época, as principais
gemas eram a pérola e a safira, mas, havia outras sugestões semipreciosas de
magnífica beleza e brilho. Não estava
sendo transportada numa liteira, ao estilo romano. Um tipo de andor fechado, em
sinal de respeito e privacidade, conduzido por escravos. Mas sim, a pé, esbelta
e elegante como uma deusa. A primeira impressão que se dava, tratava-se de uma
filha da aristocracia soberana, possivelmente de um político influente ou da
nobreza que resistia ao tempo.
Não fazia muito tempo
que Mayritsha havia passado pelo local, e não tinha notado a presença de
qualquer pessoa deitada daquela maneira, e muito menos, vestida como estava
Luis Gustavo. Quando a percebeu caminhando em sua direção, reparou nos seus
passos rápidos, constatou que algo nada satisfatório estaria próximo a
acontecer. Olhou para si, comprovou e reprovou suas vestes, em seguida apenas
sentou-se, ainda no chão e, ficou aguardando a garota se aproximar e se manifestar, seguida pelos seus séquitos. Toda aquela aparência cheia de cores e brilhos,
não deixou de chamar sua atenção, contudo, manteve-se quieto e indefeso no seu
modesto espaço.
Quando se encontravam
frente a frente, ela o olhou atentamente, dos pés a cabeça, sem formular
qualquer parecer. Estava muda, apenas analisando que tipo de pessoa estaria
naquelas condições, vestindo-se com pouca roupa e descalça. Seria um escravo?
Ainda que, sua aparência denunciasse ser de alguma estirpe social sem muito
atrativo econômico, escravo ela tinha certeza que não o era. Sua tese fina e
clara, diferente de qualquer outro nativo em todo o oriente, impedia qualquer
julgamento precipitado. Sua análise não demorou muito tempo, todavia, não
conseguira uma definição lógica para aquela insólita figura.
Pronunciou uma série de
palavras incompreensíveis para Luis Gustavo, que na sua condição de
inferioridade e de estranho estrangeiro, o denunciaria, portanto, não restava
outra coisa, senão ouvi-la. Percebeu que alguma coisa se relacionava com sua
maneira de vestir, e os cabelos claros – não chegavam a ser loiros – e encaracolados.
Ele por sua ver, fez uma análise fotográfica por todo o corpo de Mayritsha. Só
com uma diferença, ele estava convicto que o mundo em que se encontrava não era
o seu, tanto pela maneira das pessoas se vestirem-se e o idioma nunca ouvido
antes, quanto pela paisagem arquitetônica que tinha diante dos olhos.
As coisas aconteciam
muito rápido. As frações iam se juntando, mas nada que os ajudassem a se
entenderem. Inesperadamente, Mayritsha fez um gesto com as mãos. Pelo seu
entender não era diferente dos que ele e os amigos usavam no convívio de sua
cidade São Luís. Ela estava convidando-o a segui-la, pensou. Meio embasbacado,
continuou sentado, sem mover até com os olhos. Novamente ela o acenou com o
mesmo gesto e disse alguma coisa incompreendida.
Para ele, só restava
atendê-la, submisso e sem ação. Falar o quê? Como ele não a entendia, porque
haveria ela de entendê-lo? Os dois caminharam por várias ruas. Ela sempre à sua
frente, conversando feito um papagaio machucado, mais atrás seguia os seus servos
leais. Suas palavras eram pronunciadas tão rápido que parecia não existir
pontuação. Era um assunto linear e constante. Quanto a ele, cabia apenas
ouvi-la. Entendê-la que seria o ideal, estava fora de cogitação, simplesmente
impossível.
Enfim, chegaram a uma
construção, tudo indicava ser uma residência. Ela o olhou e com um gesto de mão
pediu que esperasse se mantivesse parado, os protetores que a acompanhavam
fizeram o mesmo. Permaneceram estáticos, feito estátuas, num verdadeiro
comportamento de submissão. Em seguida ela fez algumas batidas na porta, a
qual, logo se abriu. Do outro lado um senhor com idade aparentemente de uns 60
anos, barba não muito longa, porém, grisalha, vestido em uma branca túnica de
linho, com uma faixa larga de tecido no mesmo tom, duas tiras que desciam sobre
a coxa até as sandálias. O detalhe que mais chamou sua atenção foi uma enorme
joia que se assemelhava a um broche, que prendia ou adornava as duas tiras
pendentes, do seu vestuário.
Conversaram por alguns
minutos, em seguida convidou-o a se aproximar e adentraram por aquela porta. No
interior da casa, vários instrumentos estavam expostos sobre bancadas de
madeiras. Caminharam alguns metros até alcançarem uma sala ampla contendo
alguns bancos com os assentos acolchoados. O senhor os convidou a se sentarem.
Novamente o anfitrião
iniciou uma série de palavreados desconhecidos por Luis Gustavo. Sem perceber,
quem sabe por uma intuição salvadora, enfiou a mão em um dos bolsos da bermuda,
encontrou vários pedaços das folhas rasgadas do livro. Eram resquícios da
atitude impensada do seu pai, naquele angustiante momento de fúria, e os
entregou ao senhor. Este olhou com cuidado cada pedaço, juntando-os, como quem
estaria naquele momento, fazendo uma cirurgia num paciente em estado grave. O
senhor, pelas deduções que Luis Gustavo haviam formalizadas, pelas vestes e o
respeito depositado à sua pessoa, nas atitudes da nobre senhorinha, poderia ser
um mestre, sacerdote ou até mesmo um intelectual de grande conhecimento.
O cuidado que o senhor
mantinha, ao manusear os fragmentos dos papeis rasgados do seu livro de
história, o deixava perplexo. Parecia que aquele homem idoso, estava diante de
algo sobrenatural. Acontece que Luis Gustavo envolvido naquele clima de
incertezas e incompreensão, não percebeu que nos retalhos da página, havia uma
foto ilustrativa, com a imagem da Basílica Santa Sofia, totalmente pronta,
cercada de plantas ornamentais e uma linda fonte jorrando água. Resumindo, era
uma foto, mostrando como a Basílica se encontra nos dias atuais. Sem contar o brilho da cúpula ou domos, refletidos pelos raios do sol, no momento do clique do
fotógrafo.
De posse de um pedaço
de vidro, que mais parecia uma lupa, o velho curioso, passou a se interessar
pelo texto, não conseguindo decifrá-lo a primeira vista. No entanto, o texto
continha algumas palavras que muito se assemelhavam a alguns termos do latim e
do próprio grego, que ele conhecia e o intrigava pela falta de ligação legível
dos seus conhecimentos, entre uma expressão e outra. Contudo, pelo sorriso
maroto do velho, Luis Gustavo sentiu-se mais aliviado. Não sabia o porquê, mas
o velho conhecia o latim, que era a base do idioma falado e escrito pelos
romanos, e, o grego, que fazia parte de suas origens familiares. Justamente os
dois idiomas que deram origem a formação e o sentido às palavras do nosso
idioma.
Pela foto da Basílica
Santa Sofia, ainda que incompleta, devido ao corte provocado pelo rasgo no
papel, mais os textos igualmente incompletos, deduziu que se tratava de um
idioma, que um pouco de pesquisa, poderia ser decifrado. O senhor se retirou
levando consigo, os pedaços da página do livro, ficando os dois jovens
sentados, apenas aguardando a possível novidade: a decifração dos textos
incompletos.
Naquele restante de
dia, Luis Gustavo permaneceu e dormiu na residência do senhor que o recebera. O
anfitrião sexagenário, como forma de retribuir a atenção de Luis Gustavo,
também anotou em outro papel o seu nome, apenas o seu nome, Faustus Notrienda
Papalauka. Pelo que conseguiu ler, deduziu ser o nome de origem greco romana,
embora fosse um autêntico filho da cidade.
No outro dia bem cedo
retornou Mayritsha ainda mais linda. Quando o passageiro do tempo pode notar
que sua aparência, haviam muitos detalhes que a tornava parecidíssima com Maria
Rita, sentiu-se tentado. Este foi o momento onde a felicidade tomou conta do
cenário, a luzes acenderam, as cortinas se abriram e, os aplausos ecoaram.
Seriam as enigmáticas brincadeiras do destino? Seja o que for, aquela visão
fascinante, não poderia ser traduzida de outro modo, senão como sendo, o presente perfeito, numa
ocasião de magnífico esplendor. Seu olhar de incredulidade, não deixou de
denunciá-lo, mas soube disfarçar com um cordial sorriso. Mayritsha se curvou
levemente diante de Faustus, em sinal de respeito, em seguida acenou de maneira
elegante, para Luis Gustavo.
Imediatamente deu três palmadas rápidas com as mãos, quando surgiu na
porta, uma de suas ama, trazendo nos braços várias roupas, que seriam usadas
pelo visitante, para que não ficasse diferente dos costumes locais e poder
transitar sem muitos obstáculos.
Enquanto Luis Gustavo
se trocava, vestindo aquela fina roupa presenteada pela admirável moça, na sala
de visitas, ela explicava para Faustos, os propósitos da sua visita em tão
poucas horas do dia. O velho compreendeu e pôs-se a também, se preparar para
aquela inesperada jornada, arquitetada por Mayritsha. Eles iriam visitar os
principais pontos turísticos de Constantinopla. Na parte de fora da casa duas
bigas maiores que as convencionais, puxadas por quatro cavalos cada uma, os
aguardavam. Na primeira estariam Mayritsha, Luis Gustavo, Faustus e o condutor.
Na segunda, cinco homens robustos e armados, os seguiriam, com a função de escolta,
semelhantes a seguranças de alguma autoridade de grande importância.
Ainda considerando as
construções de alto alcance e importância pela sua grandeza, visitaram também o
sistema de cisternas, composto por 60 delas, construídas pelo imperador
Justiniano, no ano de 532, logo após a revolta de Nika. A mais importante
destas cisternas, sob todos os aspectos de engenharia, tamanho, capacidade de
armazenagem, estrutura jamais vista, até então inimaginável, estava localizada
no subsolo da Basílica de Stoa, na península de Saraybumo, região sudoeste da
capital Constantinopla, com a finalidade de suprir o abastecimento de água para
a população, nos períodos considerados críticos. No entanto, as cisternas abasteciam
quase que, tão somente, o palácio e a drenagem dos jardins imperiais.
Findadas as visitas,
cansados, precisando de um revigorante banho e uma suculenta refeição,
despediram-se com o compromisso de se reencontrarem no dia seguinte. O
interessante, é que, mesmo não entendendo uma só palavra entre eles, não os
impediram de manter um bom relacionamento afetivo de amizade. Graças aos
recursos dos sinais, e a simpatia que foi a máxima entre os convivas.
Após o banho e a farta
refeição, Luis Gustavo, naquele momento, queria mesmo, era poder ir se esticar
numa confortável cama. Talvez, pela falta de costume, estava se sentindo
exausto. Foi isto mesmo que fez. Despiu-se daquela roupa quente dos costumes
dos novos amigos, procurou suas próprias roupas, a bermuda e a camiseta, as
quais se tornaram parte do seu vestuário diário, portanto, estavam perfeitas
para um longo sono repousante.
Deitou-se
preguiçosamente e começou a relembrar sua incrível façanha em Constantinopla. As
visitações naquele esplêndido lugar, com tantas maravilhas para se admirar e
jamais esquecê-las. Sem entender começou a se sentir zonzo, ainda bem que já se
encontrava deitado. Logo presumiu que, o que estava acontecendo, se repetia
quando foi parar em pleno Império Bizantino, e tornar-se um visitante cósmico. Eram os mesmos sintomas da
sua transmutação para o mundo antigo da fantástica Constantinopla. Quando
recobrou os sentidos, estava ele, deitado na sua própria cama. Olhou meio
confuso a decoração do seu quarto, os fragmentos do livro que o pai havia
rasgado. Mais ao lado, o seu amontoado de livros, e ainda, pode constatar sua
habitual organização, roupas jogadas aqui e acolá.
Sem muito esforço
pôs-se a dormir. Quando acordou ainda bem cedo, começou a passar um filme na
sua cabeça. Pareciam cenas presenciais de tudo que conseguira ver e, as
afetivas e inesquecíveis companhias de Mayritsha e do atencioso erudito,
Faustus Notrienda Papalauka. Imediatamente surgiram os questionamentos óbvios.
Como iria contar sua viagem no tempo para os pais, para os amigos,
principalmente para Maria Rita, sua amiga mais próxima e a quem tinha
verdadeira atração sentimental e admiração intelectual? Se pelo menos estivesse
com a roupa que usara nas visitas aos pontos turísticos de Constantinopla, no
momento da sua progressão cósmica, ainda assim, não os convenceriam. Poderia tê-las
comprado em algum brechó temático, fantasia carnavalesca, por exemplo.
Concluiu que aquela seria uma história que ele teria que enterrá-la para
sempre, no seu túmulo de memórias.
Este conto eu o escrevi
no último, sábado e domingo, dias 17 e 18 de agosto. Espero que goste. Au
revoir.
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Imagens ilustrativas: Google