quinta-feira, 9 de junho de 2011

Julgamento por estupro em 1833



O valor histórico deste documento que estou publicando – Como se tratava o estupro em 1833 - é tão valioso que mereceu ser observado mais detidamente na sua linguagem. O acontecimento narrado no seu conteúdo data-se de 1833, dez anos antes de Gonçalves Dias ter escrito a sua épica obra prima da literatura brasileira “Canção do Exílio”, em 1843, quando o poeta ainda morava em Coimbra, Portugal, saudoso de sua terra natal, com este poema defendeu os seus ideais nacionalistas. Anos depois o cearense José de Alencar seguindo outra linha de raciocínio passa a defender a temática regionalista e sertanista com, O Gaúcho, O Tronco do Ipê e O Sertanejo, porém, foi com os romances enaltecendo as virtudes de nossas matas e o seu fascínio pelos assuntos relacionados à natureza e ao índio, que o seu trabalho literário alcançou o merecido destaque entre as publicações da época com O Guarani, Iracema e Ubirajara. Ainda no século XIX, poetas como Gonçalves Magalhães, Castro Alves, Casimiro de Abreu e Álvaro de Azevedo defendiam a necessidade dos escritores brasileiros se libertarem das amarras que os prendiam a cultura européia. Não demorou a realidade nacionalista ganha fórum de discussão e prática através do objetivismo, forma mais evidente das necessidades de se retratar com maior veemência a linguagem do povo, divulgar o realismo do cotidiano, discutir comportamentos e até mesmo criticá-los e ironizá-los. Mereceram destaque nesta fase, Machado de Assis, com as obras: Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro e O Alienista; Aloísio de Azevedo com O Mulato e O Cortiço e ainda Raul Pompéia com O Ateneu.

Este documento chegou-me por e-mail. Quando o li não tive dúvida, seria um excelente achado de pesquisa e informação para aqueles que entendem como necessidade, estar ciente de como era o emprego e o comportamento linguístico da nossa língua portuguesa, no século XIX e, o quanto tinha a ver com as regras gramaticais herdadas de Portugal por excelência. Neste documento, por exemplo, a forma gramatical empregada foi denominada como sendo da “língua portuguesa arcaica”. Dê sua opinião sobre o tema, se achar conveniente. Seria interessante uma avaliação mais consistente sobre as alterações e flexibilidade ocorridas durante os anos com o nosso idioma.

 
 
 
 



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Imagens: Google imagem







domingo, 5 de junho de 2011

Henfil, talento aliado ao ideal


Hoje estou contente por publicar tanto no Bússola Literária, quanto no site Sentinela Cultural este conto, “O Bode, os Camarões e a literatura africana”, de Suleiman Cassamo, escritor moçambicano, considerado por Eduardo S. Martins em sua publicação no site Agenda do Samba & Choro, como sendo uma imitação casual do personagem de Henfil, o bode Orelana.

Henfil foi um cartunista brasileiro – para quem não sabe, é claro - que combateu através dos seus traços a intolerância da censura pós-golpe de 1964 pelo regime militar que reprimiu não só a liberdade de expressão, como a liberdade puramente de direito para todos que caminham em busca do seu ideal pela igualdade sem preconceitos. Foi o pensante e o criador dos fradinhos: Cumprido e Baixim, Graúna, o bode Orelana, Zeferino, e Ubaldo, o paranóico, tornando-se uma das maiores figuras representativas do humor e crítico/sátira da imprensa nacional.

A trajetória de Henrique de Souza Filho, o Henfil, conhecido cartunista, quadrinista, escritor e jornalista – morreu em 1988 aos 43 anos -, foi e é motivo de admiração para aqueles que conviveram com os seus trabalhos, principalmente nos anos 70 e 80, período mais marcante e influente de sua carreira. As gerações mais recentes, pouco sabe sobre essa pessoa formidável e corajosa. Trabalhou em vários jornais e revistas do Brasil, e um dos destaques do tablóide O Pasquim, semanário de leitura indispensável para a maioria dos brasileiros com certo esclarecimento da realidade nacional. Dizem que, “o que é bom dura pouco”, foi o que ocorreu. Através de uma lamentável transfusão de sangue Henfil foi contaminado com o vírus da AIDS, a mesma fatalidade que levou o seu irmão, o sociólogo Herbert de Souza, mais conhecido como Betinho, criador da ONG - Centro de Defesa da Vida, a qual além de modelo exemplar aos que pretendem servir os menos favorecidos independente de vantagens próprias, hoje beneficia inúmeros brasileirinhos carentes do nosso país; e o músico Francisco Mário de Souza, mais conhecido como Chico Mário. Os três irmãos eram hemofílicos, herança da mãe dona Maria ou Maria da Conceição.

Condecorado pela ONU como personalidade de destaque na luta pelos direitos humanos, Henfil também influenciou como cartunista as campanhas das diretas e da anistia. Certa vez, o chargista Angeli disse a Henfil que ele era muito prepotente em querer mudar o mundo com cartum. Depois reconheceu - segundo ele - que o amigo foi uma pessoa que “pode não ter mudado o mundo, mas havia mudado a história do Brasil.” Realmente Henfil com sua linguagem verbal e ilustrada bem elaboradas nos permitiu ler e contemplar com prazer seus textos e charges apimentados sobre temas que evidenciavam o despautério do cenário político e social brasileiro, e que eram publicados na revista Isto É e nos principais jornais, como suas famosas “Cartas à mãe”, por exemplo. Eu mesmo fui um colecionador destes textos concisos e eficiente arma de manifesto à insatisfação popular, onde ele alfinetava com muita propriedade crítica as situações mais oportunistas do momento como se estivesse contando uma novidade pra mãe. Em 12 de março de 2009, foi inaugurado o Instituto Henfil, com o objetivo de preservar os trabalhos do artista e promover projetos culturais e sociais.


O bode, os Camarões e a literatura africana


Acabo de descobrir nos cafundós de judas de Moçambique, África, um bode com as mesmas parecenças de Francisco Orelana, o bode intelectual, comedor de livros, fabuloso personagem de Henfil. O Orelana, você se lembra, fazia com Zeferino e a Graúna um trio inesquecível. Acho uma das melhores criações de Henfil. O personagem surgiu a partir de uma história de Elomar que, além de músico, compositor e cantor, é criador de cabras e bodes nas caatingas da Bahia. Pois bem, no criatório de Elomar tinha um bode que comia papéis, jornais, revistas, livros.

Uma admiração, assim contou Elomar pra Henfil que andava procurando um personagem para encaixar na reconquista de Canudos: "Aí entra o bode, negócio de comer livro, isso tudo. A partir de Elomar, é que eu vi a possibilidade de ter o intelectual do interior; ele lê o livro e ele passa pra a comunidade, descome o livro pra comunidade, que é assim que é feito o negócio em qualquer cidade do interior do mundo" (Henfil, numa entrevista para Rozeny Seixas, que está no livro Morte e Vida Zeferino). O cachorro de Chicó, no Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, come e descome dinheiro...

Henfil ficou tão encantado com o bode de Elomar que o colocou inteiro nas suas histórias, até com o seu nome de batismo: Orelana. Segundo Denis de Moraes, autor de O Rebelde do Traço - A vida de Henfil, Elomar "batizava os bodes com nomes de libertadores de países da América do Sul, como Simon Bolivar, Pinzon e Francisco Orelana."

Esse bode de Moçambique não tem nome e nem o embasamento do intelectual de classe média que tem o Orelana, mas se meteu em revoluções verdadeiras em terras de África. Fui encontrá-lo num conto de Suleiman Cassamo, escritor moçambicano. Está no seu livro "Amor de Baobá", que o Moncho Rodriguez me trouxe de Lisboa há poucos dias. Chama-se "O Cabrito Deslocado de Guerra", o conto de Cassamo.

Dois amigos se encontram num caminhão que os traz de volta à aldeia. Conversam na boléia. Relembram os tempos de luta. O narrador fala: "Zavala (o outro companheiro) tira-me destes pensamentos:

"- Olha a terra!

A terra corria verde, viva, forte. É este o Zavala desse encontro: chupado pela vida dura de deslocado, é verdade, mas cheio de alegria de rever a terra, de voltar à terra."

O narrador continua:

"O camião solavancou. Moé! Moé! Moé! Olhei entre as pernas do Zavala, olhei debaixo do banco. Um bode ruminava, tranqüilo após o solavanco.

- Que come ele? - perguntei.

- Sei lá - respondeu Zavala. E encolheu os ombros, distante.

Olhava lá fora. Entre as árvores, fumo aqui, fumo acolá, tecto aqui, tecto acolá. A vida voltava.

Chegados ao destino, opertámo-nos as mãos. Adeus, adeus. Deus esteja conosco.

Ainda agitei o chapéu no ar. O velho bode ia atrás do dono, sem corda, como se fosse um cão. Que cabrito estranho!

Dias depois, reencontro o Zavala na Administração. Sentado numa pedra, é um Zavala diferente, este, abatido, imóvel como um galagala.

- Hê, Zavala!

Ele se assusta.

- Então? O que há - pergunto.

Aponta o bode. Só agora vejo o animal, amarrado junto à porta da Administração do Distrito.

- Entrou na escola, no receio - esclarece o regressado. - E comeu os cadernos.

Quer dizer, desterrado na cidade durante anos, o cabrito já não conhecia o capim. Teimava no hábito de comer papel.

Olhei para o Zavala, olhei para o bode. Abanei a cabeça."

Para concluir nossa pesquisa sobre o Henfil nesta publicação, preste atenção neste belo e reflexívo texto – A Lição do Rio - criado por esta pessoa enigmática, controvertida, que viveu e se comportou como um rebelde esquerdista declarado. Reflita sobre o texto e, perceba como o comportamento de um indivíduo pode mostrar algo que chega ao inusitado, algo que esteve mascarado na sua linguagem diária, mas que de repente transcende ao normal, como foi neste caso do criador dos fradins na sua epopéia da vida, nota-se a existência de uma ternura também declarada.


A Lição do Rio


E o rio corre sozinho. Vai seguindo seu caminho. Não necessita ser empurrado. Para um pouquinho no remanso. Apressa-se nas cachoeiras. Desliza de mansinho nas baixadas. Precipita-se nas cascatas. Mas, no meio de tudo isso vai seguindo seu caminho. Sabe que há um ponto de chegada. Sabe que seu destino é para a frente. O rio não sabe recuar.

Seu caminho é seguir em frente. É vitorioso, abraçando outros rios, vai chegando no mar. O mar é sua realização. É chegar ao ponto final. É ter feito a caminhada. É ter realizado totalmente seu destino. A vida da gente deve ser levada do jeito do rio. Deixar que corra como deve correr. Sem apressar e sem represar. Sem ter medo da calmaria e sem evitar as cachoeiras. Correr do jeito do rio, na liberdade do leito da vida, sabendo que há um ponto de chegada.

A vida é como o rio. Por que apressar? Por que correr se não há necessidade? Por que empurrar a vida? Por que chegar antes de se partir?

Toda natureza não tem pressa. Vai seguindo seu caminho. Assim é a árvore, assim são os animais. Tudo o que é apressado perde o gosto e o sentido. A fruta forçada a amadurecer antes do tempo perde o gosto. Tudo tem seu ritmo. Tudo tem seu tempo. E então, por que apressar a vida da gente?

Desejo ser um rio. Livre dos empurrões dos outros e dos meus próprios. Livre das poluições alheias e das minhas. Rio original, limpo e livre. Rio que escolheu seu próprio caminho. Rio que sabe que tem um ponto de chegada. Sabe que o tempo não interessa. Não interessa ter nascido a mil ou a um quilômetro do mar. Importante é chegar ao mar. Importante é dizer "cheguei". E porque cheguei, estou realizado. A gente deveria dizer: não apresse o rio, ele anda sozinho. Assim deve-se dizer a si mesmo e aos outros: não apresse a vida, ela anda sozinha. Deixe-a seguir seu caminho normal. Interessa saber que há um ponto de chegada e saber que se vai chegar lá. É bom viver do jeito do rio!

"Se não houver frutos, valeu a beleza das flores;
se não houver flores, valeu a sombra das folhas;
se não houver folhas, valeu a intenção da semente.”


Henfil


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Imagens: Google imagem