segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Choque Cultural e L'incroyable Monsieur Colellê


Existem momentos em que ficamos abobalhados, embasbacados pela sorte não planejada. É isto o que está acontecendo comigo neste instante. Pode ter certeza que esta mesma situação estará sendo refletida em você. Não tenho dúvida de que irá se sentir melhor após ler estes achados, encontrados no meu baú de preciosidades. Confesso que a surpresa foi tamanha que não resisti e agora quero e devo compartilhar contigo. Não se trata de uma descoberta científica, mas com certeza se estiver com algum sintoma de mal-estar se sentirá outra pessoa, oxalá mais alegre e com o humor elevado; se estiver com dor de cabeça, pressão alta, ou a ponto de querer dar um tiro na cabeça, todos esses malefícios irão pro brejo.

Encontrei na minha pequena biblioteca um excelente exemplar de livro, contendo divertidas e bem elaboradas crônicas sobre o universo do futebol, focando situações inusitadas deste que é o melhor momento da maioria dos aficionados brasileiros: o futebol. O livro se chama “O Mundo é Uma Bola – crônicas, futebol & humor, publicado pela Editora Ática (1ª Edição de 2006), contendo no seu conteúdo uma seleção de craques cronistas da nossa literatura.

Neste momento estarei publicando uma crônica de Luis Fernando Veríssimo (nasceu em Porto Alegre em 1936), escritor, humorista, cartunista, roteirista, chamada “Choque Cultural” e a segunda é de Stanislaw Ponte Preta, também conhecido como Sérgio Porto, chamada “L’incroyable Monsieur Colellê”. Sérgio Porto (1923 – 1968), jornalista, radialista, homem de televisão, teatrólogo e humorista. Resumindo esta minha motivação por este presentaço de leituras, traduz-se em se tratar de duas expressões, ou seriam dois ícones inquestionáveis e indispensáveis para a literatura brasileira?





Choque Cultural
Luís Fernando Veríssimo




Todos ficaram preocupados quando o Márcio e a Bete começaram a namorar porque cedo ou tarde haveria um choque cultural. Márcio era louco por futebol, Bete só sabia que futebol se jogava com os pés, ou aquilo era basquete? Avisaram a Bete que para acompanhar o Márcio era preciso acompanhar a sua paixão e ela disse que não esquentassem, iria todos os dias com o Márcio ao Beira Mar, se ele quisesse.

- Beira Rio, Bete...

Naquele domingo mesmo, Bete estava com Márcio no Beira Rio, pronta para torcer ao seu lado, e quase provocou uma síncope em Márcio quando tirou o casaco do abrigo.

- O que é isto?!

Estava com a camiseta do Grêmio, em marcante contraste com o vermelho que Márcio e todos à sua volta vestiam. Desculpou-se. Disse que pensara que se pudesse escolher uma camiseta que combinasse com a roupa e...

- Está bem, está bem – interrompeu o Márcio. – Agora veste o casaco outra vez.

- Certo – disse Bete, obedecendo. E em seguida gritou “Inter!”, depois virou-se para o Márcio e disse: - O nosso é o Inter, não é?

- É, é.

- Inter! Olha, eu acho que foi gol!

- O jogo ainda não começou. Os times estão entrando em campo.

Bete agarrou-se ao braço de Márcio.

- Você vai me explicar tudo, não vai? Gol de longe também vale três pontos?

- Não. Vale dois. O que que eu estou dizendo? Vale um.

Mas Bete não estava mais ouvindo. Estava acompanhando um movimento no gramado com cara de incompreensão.

- Pensei que em futebol se levasse a bola com o pé.

- É com o pé.

- Mas aquele lá está levando embaixo do braço.

Márcio explicou que aquele era o juiz e que estava levando a bola embaixo do braço para o centro do campo, onde iniciaria o jogo. Não, os outros dois não estavam ali para evitar que tirassem a bola das mãos do juiz, como no futebol americano. Eles eram os auxiliares do juiz. O que os auxiliares faziam?

- Bom, quando um dos auxiliares levanta a bandeira, o juiz dá impedimento.

- E o que auxiliar faz com o impedimento?

Márcio suspirou. Foi o primeiro dos 117 suspiros que daria até o namoro acabar duas semanas depois. Explicou:

- Os auxiliares sinalizam para o juiz que um jogador está em impedimento, isto é, está em posição irregular, impedido de jogar, e o juiz apita.

- Meu Deus!

Márcio olhou para Bete. O que fora?

- O juiz apita?! – perguntou Bete, com os olhos arregalados.

- É. O juiz sopra um apito. Aquilo que ele tem pendurado no pescoço é um apito.

- Ah.

Bete sentiu-se aliviada. Por alguns instantes, a ideia de um homem que apitava, sabia-se lá por que mecanismo insólito, quando lhe acenavam uma bandeira, parecia sintetizar toda a estranheza daquele ambiente em que se metera, por amor. Ele não apitava. Soprava um apito. Era diferente.

Mas Bete notou, pela cara do Márcio quando ela disse “Ah”, que estava tudo acabado.






L'incroyable Monsieur Colellê
Stanislaw Ponte Preta




Londres, 63 – É viajando que a gente aprende a quebrar galho. Ai dos tímidos que enveredam pelos caminhos do mundo! Morrerão de fome, serão roubados, cairão no esquecimento, perderão sempre as oportunidades da vida, ficarão, enfim, à margem dos acontecimentos, nos subúrbios dos episódios. Viajando, a gente se descobre um nunca sonhado poliglota, enfrenta as mais complicadas situações, vence a má vontade do próximo com energia insuspeitadas e aprende a desprezar as gentilezas interesseiras que um pudor de ofensa, antes, nos impedia de dar a chamada bronca.

E, nisto de quebrar galho, o pequenino Colella, que os franceses chamaram de Monsieur Colellê e Monsieur Colellê ficou, pelo menos durante esta nossa viração pela Europa, tem um apetite digno de lenhador canadense. Não há galho que Monsieur Colellê não quebre.

Veio a Europa adido a delegação de futebol, em respeito a uma lei, não sei se do Conselho Nacional dos Desportos, que obriga cada delegação esportiva que sai do país a levar consigo um jornalista. Esta delegação trouxe Monsieur Colellê, e o coitado se vira em cada cidade a que chega, fale-se nessa cidade francês ou flamengo, alemão ou inglês. Monsieur Colellê não é bom nem em português, mas tira de letra.

Na hora de se entender com os guardas da alfândega, no momento de explicar a um policial determinado mal-entendido, quem vai é Monsieur Colellê, baixinho, de perninhas em arco, uma malandragem toda brasileira na ginga do andar; é de vê-lo, perdido no meio daqueles homens imensos, cheios de má vontade.

Eu disse perdido? Perdão, estou me expressando mal. Monsieu Colellê não se perde nunca. Segura o guarda pelo braço e vai tacando:

- Escuta, Monsenhor (Monseiur pra ele é Monsenhor). Je suis aqui whit the brazilian delegationne, capito? Se não capito je expliquê…

Usa muito acento circunflexo. Monsieur Colellê. Em Hamburgo, vínhamos num táxi, e o frio que entrava pela janela do motorista fazia todo mundo tiritar no carro. Vários tentaram explicar, ora num inglês razoável, ora num francês mais ou menos, que era preciso fechar a janela. Mas o motorista era alemão: e alemão quando não entende, eu vou te contar. Pois, ainda dessa vez, foi Monsieur Colellê quem resolveu a questão. Como foi que motorista entendeu eu não sei. Só sei que ele virou-se para o homem e falou, em tom enérgico:

- Fechê le vidrê si vu plê...

E o motorista fechou.

Na hora de os jornalistas receberem credenciais para os jogos, há sempre um quiproquó. Os estrangeiros não entendem como pode viajar tanto jornalista brasileiro junto a uma delegação de futebol. Principalmente não entendem como é que um país tão pobre como o Brasil consegue mandar mais de um jornalista de um mesmo jornal. Eu também não entendo – diga-se de passagem -, mas Monsieur Colellê entende e é o quanto basta. Se os representantes da federação visitante começam a engrossar e a colocar dificuldades para a entrega de credenciais, ele vai lá, faz gestos de índio de fita em série, mistura palavras mal pronunciadas de três ou quatro idiomas e traz uma credencial para cada um, com a tranquilidade dos simples.

Foi aqui em Londres que Monsieur Colellê entrou num táxi que já estava ocupado, embora o passageiro não estivesse dentro dele. O motorista engrossou, chamou o guarda, e Monsieur Colellê saltou para explicar:

- Pas de pobrema – dizia ele. – Pas de pobrema.

E quando o guarda pediu-lhe que falasse inglês, advertiu-o: - E eu tô falando que língua, sua besta?

Os jogadores do Brasil também aprenderam a pedir a ajuda de Monsieur Colellê, quando não conseguem fazer-se entender. Em Bruxelas, cansados de comer carne de carneiro, no hotel em que estavam hospedados, alguns jogadores pediram a Monsieur Colellê para explicar ao maitre-d’hôtel que queriam carne de vaca: já não aguentavam carneiro.

O próprio Monsieur Colellê me explicou a maneira pela qual se fez entender. Chamou o maitre e castigou:

Le pessoal dont wont mais méééééé... Le pessoal quer muuuuuuuu!!!

O maitre entendeu direitinho.


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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Patativa do Assaré


Estou muito contente de estar neste momento publicando este texto sobre o ecritor nordestino Patativa do Assaré, o qual considero ser muito expressivo tanto em abordagem, quanto pelo seu valor histórico. Sem dúvida uma preciosidade da literatura brasileira. O texto foi extraído da revista Almanaque Brasil de Cultura Popular, ano 1, nº 04 de julho de 1999. Seu autor não assinou.

Antônio Gonçalves Dias nasceu em Assaré no Ceará (05-03-1909 – 08-07-2002), foi poeta popular, cantor, compositor e improvisador brasileiro. Cego de um olho por causa de uma doença, com a morte do pai, aos oito anos passou a ajudar a família no cultivo da terra. Por volta dos vinte anos recebeu o apelido de “Patativa”, pela sonoridade de sua poesia comparável à beleza do canto da ave. Com o apoio de José Arraes de Alencar, por acreditar no seu potencial, o apóia e o incentiva a publicar o seu primeiro livro, Inspiração Nordestina em 1956, que em 1967 depois de obter alguns acréscimos no seu conteúdo passou a se chamar “Cantos do Patativa”. Outros livros foram publicados anos depois sempre com a aprovação popular.



Patativa do Assaré



O mais importante poeta popular do Nordeste carrega produção e lucidez invejáveis aos noventa anos. Já cego, quase surdo, ele fala da alma do sertão cearense, onde nasceu, criou-se e vive até hoje.

O país do poeta Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa, começa em Assaré, sertão sul do Ceará, a 623 quilômetros de Fortaleza. Para ele, um pedaço do Brasil de baixo, abandonado e pobre, em contradição com o Brasil de cima rico, uísque e cerveja. “Somos brasileiros, mas não donos do Brasil”, desabafa. “Eu não sou nada. Sou um caboclo analfabeto. Não mexi com escola, colégio, faculdade. Tudo meu é natural, mas tenho visão penetrante para ver as coisas assim.”

O artista popular gosta mesmo é do contato com a natureza ou ainda da prosa simples de um agricultor. Durante as recentes homenagens pelos 90 anos, Patativa ficou vexado. O corpo está cansado para esse tipo de pândega. Prefere voltar à serra de Santana, onde nasceu – 18 quilômetros de estrada carroçável – e matar dois coelhos de uma vez só: ver a família e carregar as baterias em conversas com os outros poetas da região.

No alto da serra, ele vê o mundo pelas lentes escuras que protegem dois olhos cegos. Vê com os ouvidos, também avariados pela idade, mas parcialmente funcionando pela força de um aparelho de audição. Afinal, lá longe canta um inspirador, o bem-te-vi. Entre um cigarro e um café preto, ele recita o sertão. A roça plantada, o cheiro do mato, o mugido da vaca. Patativa do Assaré inventa métricas. Nada de papel e lápis para o trabalho de criação. É a mente sadia, ainda lúcida e crítica, a filosofar sobre as coisas da vida e a guardar na memória, como computador.

Patativa fala da terra, do sertão imenso a se descortinar no horizonte da serra. Às vezes, vai mais longe. Fala de futebol, uma paixão ocasional, ou de política, da economia, da situação social do país. Mas o sertão é o tema maior. Poemas como Emigração e Triste Partida mostram isso. A questão da seca e a fuga de retirantes são o mote.

Tapioca de amendoim, ovo morno e fígado de capão. Se for peixe melhor que seja curimatã. Pela manhã, angu de leite. O cardápio, típico da região, pode ser surpreendente para a idade, mas Patativa não abre mão. Nem do prazer de ficar, em Assaré, sentado na cadeira de balanço, a tentar enxergar o outro lado da praça, onde está o Memorial Patativa do Assaré, inaugurado recentemente. O prédio do Memorial foi tombado pelo Patrimônio Histórico e ganhou telhado, madeiramento, portas, janelas, grades e uma demão de tinta. O poeta não consegue ver o prédio, mas há sempre um amigo a lhe dizer se está ou não aberto, de que cor são as paredes e se ficou bonita a reforma no velho sobradinho.

Tanto o friozinho da serra de Santana, como o calor sufocante de Assaré. Patativa quer os dois extremos em sua vida, como parte de seu lugar. No passado, visitou São Paulo, Brasília, as praias de Fortaleza. Tudo de encher a vista. Principalmente a força do mar, que ele só conheceu adulto. Mas deu meia-volta volver. Nada de cidade grande, de capitais, da loucura do trânsito. O negócio do poeta é se alimentar de sertão e devolver o alimento em forma de rima.



Foi em mil e novecentos
E nove que eu vim ao mundo.
Foi na serra de Santana
Em uma pobre choupana,
Humilde e modesto lar.

Foi ali onde eu nasci
E a cinco de março vi
Os raios da luz solar.

Foi ali que fui crescendo
Fui lendo e fui aprendendo
No livro da natureza
Onde Deus é mais visível
O coração mais sensível
E a vida tem mais pureza.

Com setenta anos de idade
O destino me fez guerra
Fui residir na cidade
Deixando a querida serra
Minha serra pequenina.

Mas um galo de campina
De trazer não me esqueci
Porque neste passarinho
stou vendo um pedacinho
Lá do sitio onde eu nasci.


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quinta-feira, 9 de junho de 2011

Julgamento por estupro em 1833



O valor histórico deste documento que estou publicando – Como se tratava o estupro em 1833 - é tão valioso que mereceu ser observado mais detidamente na sua linguagem. O acontecimento narrado no seu conteúdo data-se de 1833, dez anos antes de Gonçalves Dias ter escrito a sua épica obra prima da literatura brasileira “Canção do Exílio”, em 1843, quando o poeta ainda morava em Coimbra, Portugal, saudoso de sua terra natal, com este poema defendeu os seus ideais nacionalistas. Anos depois o cearense José de Alencar seguindo outra linha de raciocínio passa a defender a temática regionalista e sertanista com, O Gaúcho, O Tronco do Ipê e O Sertanejo, porém, foi com os romances enaltecendo as virtudes de nossas matas e o seu fascínio pelos assuntos relacionados à natureza e ao índio, que o seu trabalho literário alcançou o merecido destaque entre as publicações da época com O Guarani, Iracema e Ubirajara. Ainda no século XIX, poetas como Gonçalves Magalhães, Castro Alves, Casimiro de Abreu e Álvaro de Azevedo defendiam a necessidade dos escritores brasileiros se libertarem das amarras que os prendiam a cultura européia. Não demorou a realidade nacionalista ganha fórum de discussão e prática através do objetivismo, forma mais evidente das necessidades de se retratar com maior veemência a linguagem do povo, divulgar o realismo do cotidiano, discutir comportamentos e até mesmo criticá-los e ironizá-los. Mereceram destaque nesta fase, Machado de Assis, com as obras: Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro e O Alienista; Aloísio de Azevedo com O Mulato e O Cortiço e ainda Raul Pompéia com O Ateneu.

Este documento chegou-me por e-mail. Quando o li não tive dúvida, seria um excelente achado de pesquisa e informação para aqueles que entendem como necessidade, estar ciente de como era o emprego e o comportamento linguístico da nossa língua portuguesa, no século XIX e, o quanto tinha a ver com as regras gramaticais herdadas de Portugal por excelência. Neste documento, por exemplo, a forma gramatical empregada foi denominada como sendo da “língua portuguesa arcaica”. Dê sua opinião sobre o tema, se achar conveniente. Seria interessante uma avaliação mais consistente sobre as alterações e flexibilidade ocorridas durante os anos com o nosso idioma.

 
 
 
 



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domingo, 5 de junho de 2011

Henfil, talento aliado ao ideal


Hoje estou contente por publicar tanto no Bússola Literária, quanto no site Sentinela Cultural este conto, “O Bode, os Camarões e a literatura africana”, de Suleiman Cassamo, escritor moçambicano, considerado por Eduardo S. Martins em sua publicação no site Agenda do Samba & Choro, como sendo uma imitação casual do personagem de Henfil, o bode Orelana.

Henfil foi um cartunista brasileiro – para quem não sabe, é claro - que combateu através dos seus traços a intolerância da censura pós-golpe de 1964 pelo regime militar que reprimiu não só a liberdade de expressão, como a liberdade puramente de direito para todos que caminham em busca do seu ideal pela igualdade sem preconceitos. Foi o pensante e o criador dos fradinhos: Cumprido e Baixim, Graúna, o bode Orelana, Zeferino, e Ubaldo, o paranóico, tornando-se uma das maiores figuras representativas do humor e crítico/sátira da imprensa nacional.

A trajetória de Henrique de Souza Filho, o Henfil, conhecido cartunista, quadrinista, escritor e jornalista – morreu em 1988 aos 43 anos -, foi e é motivo de admiração para aqueles que conviveram com os seus trabalhos, principalmente nos anos 70 e 80, período mais marcante e influente de sua carreira. As gerações mais recentes, pouco sabe sobre essa pessoa formidável e corajosa. Trabalhou em vários jornais e revistas do Brasil, e um dos destaques do tablóide O Pasquim, semanário de leitura indispensável para a maioria dos brasileiros com certo esclarecimento da realidade nacional. Dizem que, “o que é bom dura pouco”, foi o que ocorreu. Através de uma lamentável transfusão de sangue Henfil foi contaminado com o vírus da AIDS, a mesma fatalidade que levou o seu irmão, o sociólogo Herbert de Souza, mais conhecido como Betinho, criador da ONG - Centro de Defesa da Vida, a qual além de modelo exemplar aos que pretendem servir os menos favorecidos independente de vantagens próprias, hoje beneficia inúmeros brasileirinhos carentes do nosso país; e o músico Francisco Mário de Souza, mais conhecido como Chico Mário. Os três irmãos eram hemofílicos, herança da mãe dona Maria ou Maria da Conceição.

Condecorado pela ONU como personalidade de destaque na luta pelos direitos humanos, Henfil também influenciou como cartunista as campanhas das diretas e da anistia. Certa vez, o chargista Angeli disse a Henfil que ele era muito prepotente em querer mudar o mundo com cartum. Depois reconheceu - segundo ele - que o amigo foi uma pessoa que “pode não ter mudado o mundo, mas havia mudado a história do Brasil.” Realmente Henfil com sua linguagem verbal e ilustrada bem elaboradas nos permitiu ler e contemplar com prazer seus textos e charges apimentados sobre temas que evidenciavam o despautério do cenário político e social brasileiro, e que eram publicados na revista Isto É e nos principais jornais, como suas famosas “Cartas à mãe”, por exemplo. Eu mesmo fui um colecionador destes textos concisos e eficiente arma de manifesto à insatisfação popular, onde ele alfinetava com muita propriedade crítica as situações mais oportunistas do momento como se estivesse contando uma novidade pra mãe. Em 12 de março de 2009, foi inaugurado o Instituto Henfil, com o objetivo de preservar os trabalhos do artista e promover projetos culturais e sociais.


O bode, os Camarões e a literatura africana


Acabo de descobrir nos cafundós de judas de Moçambique, África, um bode com as mesmas parecenças de Francisco Orelana, o bode intelectual, comedor de livros, fabuloso personagem de Henfil. O Orelana, você se lembra, fazia com Zeferino e a Graúna um trio inesquecível. Acho uma das melhores criações de Henfil. O personagem surgiu a partir de uma história de Elomar que, além de músico, compositor e cantor, é criador de cabras e bodes nas caatingas da Bahia. Pois bem, no criatório de Elomar tinha um bode que comia papéis, jornais, revistas, livros.

Uma admiração, assim contou Elomar pra Henfil que andava procurando um personagem para encaixar na reconquista de Canudos: "Aí entra o bode, negócio de comer livro, isso tudo. A partir de Elomar, é que eu vi a possibilidade de ter o intelectual do interior; ele lê o livro e ele passa pra a comunidade, descome o livro pra comunidade, que é assim que é feito o negócio em qualquer cidade do interior do mundo" (Henfil, numa entrevista para Rozeny Seixas, que está no livro Morte e Vida Zeferino). O cachorro de Chicó, no Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, come e descome dinheiro...

Henfil ficou tão encantado com o bode de Elomar que o colocou inteiro nas suas histórias, até com o seu nome de batismo: Orelana. Segundo Denis de Moraes, autor de O Rebelde do Traço - A vida de Henfil, Elomar "batizava os bodes com nomes de libertadores de países da América do Sul, como Simon Bolivar, Pinzon e Francisco Orelana."

Esse bode de Moçambique não tem nome e nem o embasamento do intelectual de classe média que tem o Orelana, mas se meteu em revoluções verdadeiras em terras de África. Fui encontrá-lo num conto de Suleiman Cassamo, escritor moçambicano. Está no seu livro "Amor de Baobá", que o Moncho Rodriguez me trouxe de Lisboa há poucos dias. Chama-se "O Cabrito Deslocado de Guerra", o conto de Cassamo.

Dois amigos se encontram num caminhão que os traz de volta à aldeia. Conversam na boléia. Relembram os tempos de luta. O narrador fala: "Zavala (o outro companheiro) tira-me destes pensamentos:

"- Olha a terra!

A terra corria verde, viva, forte. É este o Zavala desse encontro: chupado pela vida dura de deslocado, é verdade, mas cheio de alegria de rever a terra, de voltar à terra."

O narrador continua:

"O camião solavancou. Moé! Moé! Moé! Olhei entre as pernas do Zavala, olhei debaixo do banco. Um bode ruminava, tranqüilo após o solavanco.

- Que come ele? - perguntei.

- Sei lá - respondeu Zavala. E encolheu os ombros, distante.

Olhava lá fora. Entre as árvores, fumo aqui, fumo acolá, tecto aqui, tecto acolá. A vida voltava.

Chegados ao destino, opertámo-nos as mãos. Adeus, adeus. Deus esteja conosco.

Ainda agitei o chapéu no ar. O velho bode ia atrás do dono, sem corda, como se fosse um cão. Que cabrito estranho!

Dias depois, reencontro o Zavala na Administração. Sentado numa pedra, é um Zavala diferente, este, abatido, imóvel como um galagala.

- Hê, Zavala!

Ele se assusta.

- Então? O que há - pergunto.

Aponta o bode. Só agora vejo o animal, amarrado junto à porta da Administração do Distrito.

- Entrou na escola, no receio - esclarece o regressado. - E comeu os cadernos.

Quer dizer, desterrado na cidade durante anos, o cabrito já não conhecia o capim. Teimava no hábito de comer papel.

Olhei para o Zavala, olhei para o bode. Abanei a cabeça."

Para concluir nossa pesquisa sobre o Henfil nesta publicação, preste atenção neste belo e reflexívo texto – A Lição do Rio - criado por esta pessoa enigmática, controvertida, que viveu e se comportou como um rebelde esquerdista declarado. Reflita sobre o texto e, perceba como o comportamento de um indivíduo pode mostrar algo que chega ao inusitado, algo que esteve mascarado na sua linguagem diária, mas que de repente transcende ao normal, como foi neste caso do criador dos fradins na sua epopéia da vida, nota-se a existência de uma ternura também declarada.


A Lição do Rio


E o rio corre sozinho. Vai seguindo seu caminho. Não necessita ser empurrado. Para um pouquinho no remanso. Apressa-se nas cachoeiras. Desliza de mansinho nas baixadas. Precipita-se nas cascatas. Mas, no meio de tudo isso vai seguindo seu caminho. Sabe que há um ponto de chegada. Sabe que seu destino é para a frente. O rio não sabe recuar.

Seu caminho é seguir em frente. É vitorioso, abraçando outros rios, vai chegando no mar. O mar é sua realização. É chegar ao ponto final. É ter feito a caminhada. É ter realizado totalmente seu destino. A vida da gente deve ser levada do jeito do rio. Deixar que corra como deve correr. Sem apressar e sem represar. Sem ter medo da calmaria e sem evitar as cachoeiras. Correr do jeito do rio, na liberdade do leito da vida, sabendo que há um ponto de chegada.

A vida é como o rio. Por que apressar? Por que correr se não há necessidade? Por que empurrar a vida? Por que chegar antes de se partir?

Toda natureza não tem pressa. Vai seguindo seu caminho. Assim é a árvore, assim são os animais. Tudo o que é apressado perde o gosto e o sentido. A fruta forçada a amadurecer antes do tempo perde o gosto. Tudo tem seu ritmo. Tudo tem seu tempo. E então, por que apressar a vida da gente?

Desejo ser um rio. Livre dos empurrões dos outros e dos meus próprios. Livre das poluições alheias e das minhas. Rio original, limpo e livre. Rio que escolheu seu próprio caminho. Rio que sabe que tem um ponto de chegada. Sabe que o tempo não interessa. Não interessa ter nascido a mil ou a um quilômetro do mar. Importante é chegar ao mar. Importante é dizer "cheguei". E porque cheguei, estou realizado. A gente deveria dizer: não apresse o rio, ele anda sozinho. Assim deve-se dizer a si mesmo e aos outros: não apresse a vida, ela anda sozinha. Deixe-a seguir seu caminho normal. Interessa saber que há um ponto de chegada e saber que se vai chegar lá. É bom viver do jeito do rio!

"Se não houver frutos, valeu a beleza das flores;
se não houver flores, valeu a sombra das folhas;
se não houver folhas, valeu a intenção da semente.”


Henfil


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quinta-feira, 26 de maio de 2011

A despedida do trema



A recente reforma ortográfica que passou a vigorar no Brasil a partir de 1º de janeiro de l999, com prazo de adequação em todos os níveis da escrita até 31 de dezembro de 2012, não é a primeira e nem será a última reforma que acontece com a nossa língua portuguesa. Esta última, segundo os entendidos, é uma iniciativa de unificar o seu uso a todos os países que falam o nosso idioma numa única grafia, como: Brasil, Portugal, Guiné-Bissau, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Timor Leste e Angola, eliminando com isto as arestas ortográficas existentes em determinadas palavras como, por exemplo: ótimo e óptimo, ideia e idéia, frequência e freqüência e assim por diante, entendeu?

Para os lexicólogos e os imortais da ABL – Academia Brasileira de Letras, presentes em todas as outras reformas do passado, não se trata de um assunto do tipo “bicho de sete cabeças”, porém, para nós mortais, sem dúvida trata-se de um tratado sem consulta. Ou você foi consultado? Bom, mas o assunto já está em vigor e o prazo não tem elasticidade, ou seja, não pode ser prorrogado, e como exemplo de soberania sobre nós seguidores, a prática já é critério de avaliação nos vestibulares, concursos e provas escolares. Se nós não fomos consultados, imagina os sinais ortográficos e as letras alfabéticas envolvidas que mudaram sua estética ou foram sucumbidos sumariamente, como foi o caso do “trema”. Este teve que se exilar para outros países mais amistosos como é o caso da Alemanha e o leste europeu que o adora.

Esta crônica divertida e até melancólica, que estou publicando, sobre a nossa personagem “Trema” – não considere o sentido literal – não suportando sua insignificância na gramática da língua portuguesa, resolveu dar o seu último grito de dor e tornar público sua tristeza diante da decisão de torná-lo inútil na nossa grafia por conta da nova “Reforma Ortográfica”. O autor desta preciosa dialética eu desconheço. Mas se alguém souber quem a criou, sem dúvida e com convicção, me informe, faço questão de anunciá-lo.

Em tempo: O autor é Lucas Nascimento que a apublicou pela primeira vez na Revista Offline nº 16, em maio de 2010, conforme informação do próprio autor através de comentário no site Sentinela Cultural - sentinelacultural.bligoo.com.br.
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A despedida do Trema







Estou indo embora. Não há mais lugar para mim. Eu sou o trema. Você pode nunca ter reparado em mim, mas eu estava sempre ali, na Anhangüera, nos aqüiféros, nas lingüiças e seus trocadilhos por mais de quatrocentos e cinqüentas anos.

Mas os tempos mudaram. Inventaram uma tal de reforma ortográfica e eu simplesmente tô fora. Fui expulso pra sempre do dicionário. Seus ingratos! Isso é uma delinqüência de lingüistas grandiloqüentes!...

O resto dos pontos e o alfabeto não me deram o menor apoio... A letra U se disse aliviada porque vou finalmente sair de cima dela. Os dois pontos disse que sou um preguiçoso que trabalha deitado enquanto ele fica em pé.

Até o cedilha foi a favor da minha expulsão, aquele C cagão que fica se passando por S e nunca tem coragem de iniciar uma palavra. E também tem aquele obeso do O e o anoréxico do I. Desesperado, tentei chamar o ponto final pra trabalharmos juntos, fazendo um bico de reticências, mas ele negou, sempre encerrando logo todas as discussões. Será que se deixar um topete moicano posso me passar por aspas?... A verdade é que estou fora de moda. Quem está na moda são os estrangeiros, é o K, o W "Kkk" pra cá, "www" pra lá.

Até o jogo da velha, que ninguém nunca ligou, virou celebridade nesse tal de Twitter, que aliás, deveria se chamar TÜITER. Chega de argüição, mas estejam certos, seus moderninhos: haverá conseqüências! Chega de piadinhas dizendo que estou "tremendo" de medo. Tudo bem, vou-me embora da língua portuguesa. Foi bom enquanto durou. Vou para o alemão, lá eles adoram os tremas. E um dia vocês sentirão saudades. E não vão agüentar!...

Nos vemos nos livros antigos. Saio da língua para entrar na história.



Adeus,

Trema.


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Imagem: Google


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terça-feira, 17 de maio de 2011

O homem do campo e suas verdades



Existem situações em que a gente não tem como evitar. Esta crônica, por exemplo, que estou publicando, foi-me enviada por e-mail, acredito pelo menos três vezes por pessoas diferentes. O seu conteúdo foi a maneira que Barbosa Melo e Luciano Pizzatto, encontraram para descrever o paradoxo existente entre a realidade urbana e a do campo.

Sob o formato de uma carta/sátira, o texto além de muito interessante, transmite com muita propriedade verdades reais, inegáveis e incontestáveis. Prova inequívoca de que existe maquiagem entre a verdade urbana e a rural exaltando suas diferenças, e estas diferenças precisam ser avaliadas com mais critério e se possível eliminadas. A crônica está sendo transcrita na íntegra, sem qualquer mudança gramatical ou textual. Leia com atenção e se possível fazendo sua análise pessoal.

Com adaptação de Barbosa Melo, esta carta foi escrita por Luciano Pizzatto, engenheiro florestal, especialista em direito, sócio ambiental e empresário; Diretor de Parques Nacionais e Reservas do IBAMA nos anos 1988 e 1989. Também foi ganhador do Prêmio Nacional de Ecologia.


Carta do Zé agricultor para Luis da cidade



Prezado Luis, quanto tempo.



Eu sou o Zé, teu colega de ginásio noturno, que chegava atrasado, porque o transporte escolar do sítio sempre atrasava, lembra né? O Zé do sapato sujo. Tinha professor e colega que nunca entenderam que eu tinha de andar a pé mais de meia légua para pegar o caminhão por isso o sapato sujava.

Se não lembrou ainda eu te ajudo. Lembra do Zé Cochilo?... hehehe, era eu. Quando eu descia do caminhão de volta pra casa, já era onze e meia da noite, e com a caminhada até em casa, quando eu ia dormi já era mais de meia-noite. De madrugada o pai precisava de ajuda pra tirar leite das vacas. Por isso eu só vivia com sono. Do Zé Cochilo você lembra né Luis?

Pois é. Estou pensando em mudar para viver aí na cidade que nem vocês. Não que seja ruim o sítio, aqui é bom. Muito mato, passarinho, ar puro... Só que acho que estou estragando muito a tua vida e a de teus amigos aí da cidade. Tô vendo todo mundo falar que nóis da agricultura familiar estamos destruindo o meio ambiente.

Veja só. O sítio do pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive que parar de estudar) fica só a uma hora de distância da cidade. Todos os matutos daqui já têm luz em casa, mas eu continuo sem ter porque não se pode fincar os postes por dentro uma tal de APPA que criaram aqui na vizinhança.

Minha água é de um poço que meu avô cavou há muitos anos, uma maravilha, mas um homem do governo veio aqui e falou que tenho que fazer uma outorga da água e pagar uma taxa de uso, porque a água vai se acabar. Se ele falou deve ser verdade, né Luis?

Pra ajudar com as vacas de leite (o pai se foi, né ...) contratei Juca, filho de um vizinho muito pobre aqui do lado. Carteira assinada, salário mínimo, tudo direitinho como o contador mandou. Ele morava aqui com nóis num quarto dos fundos de casa. Comia com a gente, que nem da família. Mas vieram umas pessoas aqui, do sindicato e da Delegacia do Trabalho, elas falaram que se o Juca fosse tirar leite das vacas às 5 horas tinha que receber hora extra noturna, e que não podia trabalhar nem sábado nem domingo, mas as vacas daqui não sabem os dias da semana aí não param de fazer leite. Ô, bichos aí da cidade sabem se guiar pelo calendário?

Essas pessoas ainda foram ver o quarto de Juca, e disseram que o beliche tava 2 cm menor do que devia. Nossa! Eu não sei como encumpridar uma cama, só comprando outra né Luis? O candeeiro eles disseram que não podia acender no quarto, que tem que ser luz elétrica, que eu tenho que ter um gerador pra ter luz boa no quarto do Juca.

Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer parte do salário dele. Bom Luis, tive que pedir ao Juca pra voltar pra casa, desempregado, mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelo fiscais e pelas leis. Mas eu acho que não deu muito certo. Semana passada me disseram que ele foi preso na cidade porque botou um chocolate no bolso no supermercado. Levaram ele pra delegacia, bateram nele e não apareceu nem sindicato nem fiscal do trabalho para acudi-lo.

Depois que o Juca saiu eu e Marina (lembra dela, né? casei) tiramos o leite às 5 e meia, aí eu levo o leite de carroça até a beira da estrada onde o carro da cooperativa pega todo dia, isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou aos porcos, ou melhor, eu dava, hoje eu jogo fora.

Os porcos eu não tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância do chiqueiro para o riacho não podia ser só 20 metros. Disse que eu tinha que derrubar tudo e só fazer chiqueiro depois dos 30 metros de distância do rio, e ainda tinha que fazer umas coisas pra proteger o rio, um tal de digestor. Achei que ele tava certo e disse que ía fazer, mas só que eu sozinho ía demorar uns trinta dia pra fazer, mesmo assim ele ainda me multou, e pra poder pagar eu tive que vender os porcos as madeiras e as telhas do chiqueiro, fiquei só com as vacas. O promotor disse que desta vez, por esse crime, ele não ai mandar me prender, mas me obrigou a dar 6 cestas básicas pro orfanato da cidade. Ô Luis, aí quando vocês sujam o rio também pagam multa grande né?

Agora pela água do meu poço eu até posso pagar, mas tô preocupado com a água do rio. Aqui agora o rio todo deve ser como o rio da capital, todo protegido, com mata ciliar dos dois lados. As vacas agora não podem chegar no rio pra não sujar, nem fazer erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios aí da cidade. A pocilga já acabou, as vacas não podem chegar perto. Só que alguma coisa tá errada, quando vou na capital nem vejo mata ciliar, nem rio limpo. Só vejo água fedida e lixo boiando pra todo lado.

Mas não é o povo da cidade que suja o rio, né Luis? Quem será? Aqui no mato agora quem sujar tem multa grande, e dá até prisão. Cortar árvore então, Nossa Senhora! Tinha uma árvore grande ao lado de casa que murchou e tava morrendo, então resolvi derrubá-la para aproveitar a madeira antes dela cair por cima da casa.

Fui no escritório daqui pedir autorização, como não tinha ninguém, fui no Ibama da capital, preenchi uns papéis e voltei para esperar o fiscal vim fazer um laudo, para ver se depois podia autorizar. Passaram 8 meses e ninguém apareceu pra fazer o tal laudo aí eu vi que o pau ia cair em cima da casa e derrubei. Pronto! No outro dia chegou o fiscal e me multou. Já recebi uma intimação do Promotor porque virei criminoso reincidente. Primeiro foi os porcos, e agora foi o pau. Acho que desta vez vou ficar preso.

Tô preocupado Luis, pois no rádio deu que a nova lei vai dá multa de 500 a 20 mil reais por hectare e por dia. Calculei que se eu for multado eu perco o sítio numa semana. Então é melhor vender, e ir morar onde todo mundo cuida da ecologia. Vou para a cidade, aí tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha, não quero fazer nada errado, só falei dessas coisas porque tenho certeza que a lei é pra todos.

Eu vou morar ai com vocês, Luis. Mais fique tranqüilo, vou usar o dinheiro da venda do sítio primeiro pra comprar essa tal de geladeira. Aqui no sitio eu tenho que pegar tudo na roça. Primeiro a gente planta, cultiva, limpa e só depois colhe pra levar pra casa. Aí é bom que vocês e só abrir a geladeira que tem tudo. Nem dá trabalho, nem planta, nem cuida de galinha, nem porco, nem vaca é só abri a geladeira que a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de nóis, os criminosos aqui da roça.

Até mais Luis.

Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta com papel reciclado, pois não existe por aqui, mas me aguarde até eu vender o sítio.


Todos os fatos e situações de multas e exigências são baseados em
dados verdadeiros. A sátira não visa atenuar responsabilidades, mas alertar o quanto o tratamento ambiental é desigual e discricionário entre o meio rural e o meio urbano.

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Imagens: Google imagem





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