Existem momentos em que ficamos abobalhados, embasbacados pela sorte não planejada. É isto o que está acontecendo comigo neste instante. Pode ter certeza que esta mesma situação estará sendo refletida em você. Não tenho dúvida de que irá se sentir melhor após ler estes achados, encontrados no meu baú de preciosidades. Confesso que a surpresa foi tamanha que não resisti e agora quero e devo compartilhar contigo. Não se trata de uma descoberta científica, mas com certeza se estiver com algum sintoma de mal-estar se sentirá outra pessoa, oxalá mais alegre e com o humor elevado; se estiver com dor de cabeça, pressão alta, ou a ponto de querer dar um tiro na cabeça, todos esses malefícios irão pro brejo.
Encontrei na minha pequena biblioteca um excelente exemplar de livro, contendo divertidas e bem elaboradas crônicas sobre o universo do futebol, focando situações inusitadas deste que é o melhor momento da maioria dos aficionados brasileiros: o futebol. O livro se chama “O Mundo é Uma Bola – crônicas, futebol & humor, publicado pela Editora Ática (1ª Edição de 2006), contendo no seu conteúdo uma seleção de craques cronistas da nossa literatura.
Neste momento estarei publicando uma crônica de Luis Fernando Veríssimo (nasceu em Porto Alegre em 1936), escritor, humorista, cartunista, roteirista, chamada “Choque Cultural” e a segunda é de Stanislaw Ponte Preta, também conhecido como Sérgio Porto, chamada “L’incroyable Monsieur Colellê”. Sérgio Porto (1923 – 1968), jornalista, radialista, homem de televisão, teatrólogo e humorista. Resumindo esta minha motivação por este presentaço de leituras, traduz-se em se tratar de duas expressões, ou seriam dois ícones inquestionáveis e indispensáveis para a literatura brasileira?
Choque Cultural
Luís Fernando Veríssimo
Todos ficaram preocupados quando o Márcio e a Bete começaram a namorar porque cedo ou tarde haveria um choque cultural. Márcio era louco por futebol, Bete só sabia que futebol se jogava com os pés, ou aquilo era basquete? Avisaram a Bete que para acompanhar o Márcio era preciso acompanhar a sua paixão e ela disse que não esquentassem, iria todos os dias com o Márcio ao Beira Mar, se ele quisesse.
- Beira Rio, Bete...
Naquele domingo mesmo, Bete estava com Márcio no Beira Rio, pronta para torcer ao seu lado, e quase provocou uma síncope em Márcio quando tirou o casaco do abrigo.
- O que é isto?!
Estava com a camiseta do Grêmio, em marcante contraste com o vermelho que Márcio e todos à sua volta vestiam. Desculpou-se. Disse que pensara que se pudesse escolher uma camiseta que combinasse com a roupa e...
- Está bem, está bem – interrompeu o Márcio. – Agora veste o casaco outra vez.
- Certo – disse Bete, obedecendo. E em seguida gritou “Inter!”, depois virou-se para o Márcio e disse: - O nosso é o Inter, não é?
- É, é.
- Inter! Olha, eu acho que foi gol!
- O jogo ainda não começou. Os times estão entrando em campo.
Bete agarrou-se ao braço de Márcio.
- Você vai me explicar tudo, não vai? Gol de longe também vale três pontos?
- Não. Vale dois. O que que eu estou dizendo? Vale um.
Mas Bete não estava mais ouvindo. Estava acompanhando um movimento no gramado com cara de incompreensão.
- Pensei que em futebol se levasse a bola com o pé.
- É com o pé.
- Mas aquele lá está levando embaixo do braço.
Márcio explicou que aquele era o juiz e que estava levando a bola embaixo do braço para o centro do campo, onde iniciaria o jogo. Não, os outros dois não estavam ali para evitar que tirassem a bola das mãos do juiz, como no futebol americano. Eles eram os auxiliares do juiz. O que os auxiliares faziam?
- Bom, quando um dos auxiliares levanta a bandeira, o juiz dá impedimento.
- E o que auxiliar faz com o impedimento?
Márcio suspirou. Foi o primeiro dos 117 suspiros que daria até o namoro acabar duas semanas depois. Explicou:
- Os auxiliares sinalizam para o juiz que um jogador está em impedimento, isto é, está em posição irregular, impedido de jogar, e o juiz apita.
- Meu Deus!
Márcio olhou para Bete. O que fora?
- O juiz apita?! – perguntou Bete, com os olhos arregalados.
- É. O juiz sopra um apito. Aquilo que ele tem pendurado no pescoço é um apito.
- Ah.
Bete sentiu-se aliviada. Por alguns instantes, a ideia de um homem que apitava, sabia-se lá por que mecanismo insólito, quando lhe acenavam uma bandeira, parecia sintetizar toda a estranheza daquele ambiente em que se metera, por amor. Ele não apitava. Soprava um apito. Era diferente.
Mas Bete notou, pela cara do Márcio quando ela disse “Ah”, que estava tudo acabado.
L'incroyable Monsieur Colellê
Stanislaw Ponte Preta
Londres, 63 – É viajando que a gente aprende a quebrar galho. Ai dos tímidos que enveredam pelos caminhos do mundo! Morrerão de fome, serão roubados, cairão no esquecimento, perderão sempre as oportunidades da vida, ficarão, enfim, à margem dos acontecimentos, nos subúrbios dos episódios. Viajando, a gente se descobre um nunca sonhado poliglota, enfrenta as mais complicadas situações, vence a má vontade do próximo com energia insuspeitadas e aprende a desprezar as gentilezas interesseiras que um pudor de ofensa, antes, nos impedia de dar a chamada bronca.
E, nisto de quebrar galho, o pequenino Colella, que os franceses chamaram de Monsieur Colellê e Monsieur Colellê ficou, pelo menos durante esta nossa viração pela Europa, tem um apetite digno de lenhador canadense. Não há galho que Monsieur Colellê não quebre.
Veio a Europa adido a delegação de futebol, em respeito a uma lei, não sei se do Conselho Nacional dos Desportos, que obriga cada delegação esportiva que sai do país a levar consigo um jornalista. Esta delegação trouxe Monsieur Colellê, e o coitado se vira em cada cidade a que chega, fale-se nessa cidade francês ou flamengo, alemão ou inglês. Monsieur Colellê não é bom nem em português, mas tira de letra.
Na hora de se entender com os guardas da alfândega, no momento de explicar a um policial determinado mal-entendido, quem vai é Monsieur Colellê, baixinho, de perninhas em arco, uma malandragem toda brasileira na ginga do andar; é de vê-lo, perdido no meio daqueles homens imensos, cheios de má vontade.
Eu disse perdido? Perdão, estou me expressando mal. Monsieu Colellê não se perde nunca. Segura o guarda pelo braço e vai tacando:
- Escuta, Monsenhor (Monseiur pra ele é Monsenhor). Je suis aqui whit the brazilian delegationne, capito? Se não capito je expliquê…
Usa muito acento circunflexo. Monsieur Colellê. Em Hamburgo, vínhamos num táxi, e o frio que entrava pela janela do motorista fazia todo mundo tiritar no carro. Vários tentaram explicar, ora num inglês razoável, ora num francês mais ou menos, que era preciso fechar a janela. Mas o motorista era alemão: e alemão quando não entende, eu vou te contar. Pois, ainda dessa vez, foi Monsieur Colellê quem resolveu a questão. Como foi que motorista entendeu eu não sei. Só sei que ele virou-se para o homem e falou, em tom enérgico:
- Fechê le vidrê si vu plê...
E o motorista fechou.
Na hora de os jornalistas receberem credenciais para os jogos, há sempre um quiproquó. Os estrangeiros não entendem como pode viajar tanto jornalista brasileiro junto a uma delegação de futebol. Principalmente não entendem como é que um país tão pobre como o Brasil consegue mandar mais de um jornalista de um mesmo jornal. Eu também não entendo – diga-se de passagem -, mas Monsieur Colellê entende e é o quanto basta. Se os representantes da federação visitante começam a engrossar e a colocar dificuldades para a entrega de credenciais, ele vai lá, faz gestos de índio de fita em série, mistura palavras mal pronunciadas de três ou quatro idiomas e traz uma credencial para cada um, com a tranquilidade dos simples.
Foi aqui em Londres que Monsieur Colellê entrou num táxi que já estava ocupado, embora o passageiro não estivesse dentro dele. O motorista engrossou, chamou o guarda, e Monsieur Colellê saltou para explicar:
- Pas de pobrema – dizia ele. – Pas de pobrema.
E quando o guarda pediu-lhe que falasse inglês, advertiu-o: - E eu tô falando que língua, sua besta?
Os jogadores do Brasil também aprenderam a pedir a ajuda de Monsieur Colellê, quando não conseguem fazer-se entender. Em Bruxelas, cansados de comer carne de carneiro, no hotel em que estavam hospedados, alguns jogadores pediram a Monsieur Colellê para explicar ao maitre-d’hôtel que queriam carne de vaca: já não aguentavam carneiro.
O próprio Monsieur Colellê me explicou a maneira pela qual se fez entender. Chamou o maitre e castigou:
Le pessoal dont wont mais méééééé... Le pessoal quer muuuuuuuu!!!
O maitre entendeu direitinho.
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Imagens: Google Imagens